Os
direitos urbanos na América Latina.
Um metrobus, serviço público que usa unidades
articuladas que circulam por um caminho confinado, percorre a central avenida
Insurgentes na Cidade do México. O transporte é um dos serviços que podem ser
melhorados com o modelo de cidades inteligentes. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Nos últimos anos, o conceito de cidades
inteligentes ganhou preponderância em relação ao desenho e funcionamento, mas,
ao mesmo tempo, alimenta a dúvida se esse esquema contribuirá para que seus
habitantes tenham acesso a diferentes direitos.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 30/9/2016 – “Por
trás do conceito, há um trabalho de marketing muito grande, mais do que um
trabalho real de conceptualização. Existe como uma ideia muito global, como a
criação de infraestrutura urbana na qual se mesclam meios digitais e físicos”,
opinou à IPS o cofundador da organização não governamental mexicana Medialabmx,
Leonardo Aranda.
O especialista, cuja organização desde 2013
trabalha no desenvolvimento e na apropriação da tecnologia com fins sociais e
culturais, disse que falta saber se as cidades inteligentes “se converterão em
uma solução ou são apenas uma charada, na qual as grandes corporações buscam o
investimento público muito grande que existe e encontram um discurso muito
fácil de vender e que as cidades estão comprando”.
Para Aranda, as tecnologias podem ajudar a resolver
problemas urbanos, mas também podem criar outros. “É um problema geral da
tecnologia, não soluciona problemas por si só, tem a ver com seu desenho”,
afirmou.
O Grupo Temático sobre Cidades Sustentáveis e
Inteligentes da União Internacional de Telecomunicações as define com
cidades inovadoras que utilizam as tecnologias da informação e comunicação e
outros meios para melhorar a tomada de decisões, a eficiência das operações, a
prestação dos serviços urbanos e sua competitividade, para procurar a satisfação
das necessidades econômicas, sociais e ambientais.
As cidades inteligentes, também conhecidas pelo
termo inglês Smart Cities, estarão no foco da Terceira Conferência das
Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Humano Sustentável (Habitat
III), que acontecerá entre 17 e 20 de outubro, organizada pela ONU Habitat.
De fato, no rascunho da Declaração de Quito Sobre
Cidades Sustentáveis e Assentamentos Humanos Para Todos, acordado no dia 10
deste mês, os Estados parte se comprometem a “adotar um enfoque de cidade
inteligente, que faz uso de oportunidades da digitalização, energia limpa e
tecnologias, bem como tecnologias de transporte inovadoras, proporcionando
opções para a população tomar decisões mais amigáveis com o ambiente, e
promover o crescimento econômico sustentável que permita melhorar a prestação
de serviços.
Na América Latina, onde 80% de seus mais de 600
milhões de habitantes vivem em cidades, as metrópoles médias e grandes
enfrentam o congestionamento no trânsito, a poluição do ar, o estresse hídrico,
o crescimento desordenado, os assentamentos irregulares, o aumento da
temperatura e trâmites burocráticos.Inicialmente, acreditou-se que o
desenvolvimento de aplicativos para telefones e outros dispositivos
inteligentes era a base do entorno digital urbano para atender problemas como
tráfego, buracos nas ruas ou a qualidade do ar.
Não houve metrópole que não os criasse, mas essa
visão logo ficou para trás.Em uma tentativa de paliar esses flagelos, várias
cidades decidiram aplicar soluções inteligentes, cujos resultados ainda não são
claramente visualizados.O Brasil incentiva o projeto de acesso a banda larga
mediante a Rede de Cidades Digitais, que inclui 300 municípios. Além disso, o
Rio de Janeiro implantou o Centro de Operações Rio, pelas mãos da transnacional
norte-americana IBM.
A Colômbia, por sua vez, executa o Plano Vive
Digital 2014-2018 e a cidade de Medellín representa o caso mais emblemático da
região, porque coloca a tecnologia como um instrumento e não um fim.O projeto
Cidade Inteligente, liderado pela Prefeitura da segunda cidade colombiana,
incentiva o bom uso das tecnologias da informação e comunicação (TIC), ancorado
em inovação social, sustentabilidade, governo aberto e participação da
cidadania.
Por esses progressos, Medellín recebeu, em março
deste ano, o prestigiado Prêmio à Cidade Global Lee KuanYew, concedido pela
Autoridade para o Redesenho Urbano e pelo Centro para as Cidades Habitáveis de
Cingapura, que distingue metrópoles socialmente inovadoras.
O Chile definiu cinco desenhos para cidades
inteligentes. Em abril, a Prefeitura de Santiago anunciou que a plataforma DOM
Digital, para trâmites e serviços, já estava online em três áreas territoriais
das 52 existentes na região metropolitana.No Uruguai, o maior exportador de
programas de informática da América Latina, o projeto Montevidéu 2030, busca se
converter na plataforma de TIC mais desenvolvida da região.
Para a urbanista Zulma Bolívar, presidente do
Instituto Metropolitano de Urbanismo Taller Caracas, a máxima autoridade na ordenação
urbanística da Prefeitura Metropolitana de Caracas, a soma de governantes e
cidadãos inteligentes gera cidades inteligentes.A funcionária dessa Prefeitura,
em mãos opositoras ao governo federal da Venezuela, destacou que a política
pública deve se integrar “a partirdo local” e oferecer resultados efetivos.
“O nome tem marketing. As cidades precisam primeiro
atender o básico dos requerimentos para depois aspirarem algo tão sofisticado
com a conexão à internet. Aceitamos e procuramos assimilar a tecnologia e
que esta ajude os processos, mas quando não se pode andar na rua com o celular
na mão, que inteligência tem essa cidade?”, questionou a urbanista à IPS.
Para os cinco municípios da área metropolitana da
capital, de aproximadamente seis milhões de habitantes, opera o Plano Caracas
2020, sobre os vetores de acessível e em movimento, segura e integrada,
sustentável, produtiva e empreendedora, governável e cidadã. Mas a crise
institucional e política venezuelana praticamente acabou com o projeto.
Em seu informe O Caminho para as Smart
Cities: Migrando de Uma Gestão Tradicional Para a Cidade Inteligente,
publicado em julho, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destacou
que as cidades latino-americanas enfrentam desafios como segurança da sociedade,
mobilidade urbana sustentável, gestão de riscos, prevenção e resposta a
desastres, eficiência energética, gestão hídrica, manejo de resíduos, governo
eletrônico e inclusão digital.
Mediante seu Programa Cidades Emergentes e
Sustentáveis, o BID assessora, desde 2011, 76 cidades da região em áreas como
mudança climática, sustentabilidade ambiental,urbana e fiscal, e
governabilidade. Pelo menos dez delas já contam com estudos de viabilidade em
temas de gestão inteligente.
Os especialistas esperam que a Habitat III
transmita detalhes sobre a melhor forma de avançar para cidades inteligentes.“A
Declaração de Quito pode soar bem ou muito geral. A inovação pode significar um
monte de coisas, gerar redes de transporte inteligente que permita mobilidade
mista ou introduzir unidades novas com geolocalizadores”, que implicará muito
investimento público, explicou Aranda.
Para Bolívar, a reunião deve atender as cidades
pequenas, “onde inclusive não há sinal telefônico e não se pode nem mesmo usar
um celular”. A urbanista pediu “que se consiga a equidade, que a distribuição
de cargas e benefícios seja um pouco mais homogênea e que o habitat ofereça
todos os serviços. Se algo devemos propor é que o beneficio seja coletivo e que
ajude a governabilidade dos países”.
Fonte: ENVOLVERDE
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