Fome zero
depende da adaptação ao clima.
Duas produtoras agropecuárias de Cobquecura, no
centro do Chile, mostram a visitantes mudanças em seus cultivos de subsistência
para enfrentar o aumento da temperatura no planeta, com apoio de políticas
públicas a favor da segurança alimentar em tempos de mudança climática. Foto:
Claudio Riquelme/IPS.
A variabilidade climática se expressa na região
latino-americana com cerca de 70 eventos anuais que incluem furacões, erupções,
seca, incêndios, deslizamentos de terra e, principalmente, inundações que
afetam, em média, aproximadamente cinco milhões de habitantes.
Por Orlando Milesi, da IPS –
Santiago, Chile, 11/10/2016 – A mudança climática
provoca alterações profundas na produção agrícola da América Latina e do
Caribe, e, se não forem tomadas medidas urgentes de mitigação e adaptação do
sistema produtivo, aumentará o risco para a segurança alimentar dos habitantes
da região. Isso poderia reverter os importantes avanços alcançados com os
planos para conseguir o objetivo de fome zero, afirmaram especialistas à IPS.
Dois exemplos: para manter os rendimentos nas
produções de café da região, estas tiveram que subir de mil metros de altitude
para 1.200 e até dois mil metros de altitude, enquanto muitas vinicultoras do
Chile deslocaram suas plantações mais ao sul do território buscando sol e
chuva. As grandes empresas podem comprar outros terrenos, mas muitos
agricultores familiares veem sua atividade ameaçada e se perguntam se está se
aproximando o dia de mudar de cultivo ou migrar para outros lugres, inclusive
grandes cidades, para poderem subsistir.
“A mudança climática nos coloca nessa posição de
insegurança. Se antes podíamos estimar temperaturas ou umidade média para uma
área específica, agora vemos reduzida nossa capacidade de previsão com certo
nível de probabilidade”, disse à IPS o equatoriano Jorge Meza, do escritório
regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
(FAO).
“Partindo dessa situação, e considerando que dessa
forma as estimativas podem ter muitos aspectos tanto positivos quanto
negativos, estima-se que o impacto da mudança climática na economia regional
poderia chegar,até 2030, à média de 2,2% do PIB (produto interno bruto) em
danos”, apontou Meza.“Alguns efeitos poderiam ser benéficos, como o aumento das
precipitações, o que significaria mais água para os cultivos”, apontou o
funcionário da FAO no escritório regional do organismo em Santiago, capital do
Chile.
Em termos gerais, se os danos afetarem 2,2% do
PIB,“significa que haverá países que não crescerão economicamente e, além da
variável econômica, haverá um impacto social forte de 4% ou 5%.”ressaltou Meza.
A FAO busca enfatizar o vínculo entre mitigação e adaptação à mudança climática
e segurança alimentar, dedicando o Dia Mundial da Alimentação deste ano, que
será celebrado no dia 16, ao tema O Clima Está Mudando, a Alimentação e a
Agricultura Também.
Um exemplo é o que prevê para a América Central a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Se não forem
tomadas medidas de mitigação ou adaptação à mudança climática, até 2050 poderá
haver na região redução de 25% na produção dos grãos básicos, o que
significaria perder um quarto da capacidade produtiva, estima a Cepal.
“Isso é preocupante por dois motivos. Primeiro pela
falta de disponibilidade de alimentos e, segundo, porque os alimentos que
restarem, esses 75% custarão mais caro. As duas situações têm impacto nos mais
pobres, porque haverá menos alimentos e porque, sendo mais caros, diminuiriam
as possibilidades de eles terem acesso a esses grãos básicos”, explicou Meza.
Fazenda familiar no Estado do Rio de Janeiro com um
sistema de plantio que se adapta às manifestações da mudança climática na
região. Foto: Fabiola Ortiz/IPS.
Viviana Espinosa, uma chilena de 60 anos, cultiva
há alguns anos uma variedade de alimentos para consumo familiar. Em sua casa,
na região de Cajóndel Maipo, ao pé da cordilheira dos Andes, a 17 quilômetros
de Santiago, Espinosa planta e colhe ano a ano produtos que depois serve em sua
mesa e divide com seus filhos e netos. “Os alimentos estão cada vez mais caros.
Por exemplo, um quilo de tomates chegou a custar 2.500 pesos (US$ 3,7) em
setembro. Se eu planto em casa, economizo esse gasto e também consigo um
produto natural, sem pesticidas e, talvez, orgânico”, disse à IPS.
Junto aos tomates, esta chilena, casada e com três
filhos, planta beterraba, alface, cenoura e cebola. “Agora o desafio é que tudo
seja orgânico e que o clima nos acompanhe. Já tivemos chuvas fortes em novembro
de 2015, destruíram tudo o que tínhamos plantado”, contou a agricultora.
A variabilidade climática se expressa na região
latino-americana com cerca de 70 eventos anuais que incluem furacões, erupções,
seca, incêndios, deslizamentos de terra e, principalmente, inundações que
afetam, em média, aproximadamente cinco milhões de habitantes. Enquanto isso,
um terço dos 625 milhões de latino-americanos, em sua maioria pobres e
vulneráveis, vivem em zonas de alto risco e estão expostos a que um evento
climático coloque em perigo seus meios de vida.
A mudança climática também tem um aspecto de mais
longo prazo, cuja primeira expressão é a redução da produtividade dos cultivos,
e a segunda é a crescente relocalização das zonas agrícolas.“Fala-se que, se
você não se move e continua produzindo na mesma área, é provável que tenha
melhor rendimento, e isso pode exigir maior uso de insumos ou tecnologias com
sementes mais resistentes”, pontuou à IPS o economista costarriquenho Adrián
Rodríguez, chefe da Unidade de Desenvolvimento Agrícola da Cepal.
“Do ponto de vista da agricultura familiar, ou da
agricultura de cultivos vinculados ou relevantes para a segurança alimentar,
pode haver impactos para os agricultores e os consumidores pela possibilidade de
os preços dos alimentos subirem”, afirmou Rodríguez. Mas há outro efeito que já
se vive: a possibilidade de relocalização das atividades produtivas,
acrescentou.
“Se o clima para produzir já não é o adequado, mude
para outras áreas onde as condições agroecológicas e climáticas são adequadas.
Para as grandes empresas não é um problema tão sério, mas é para a agricultura
de pequena escala, com menores níveis de tecnologia e investimento ou menos
poder de acúmulo”, apontou Rodríguez.
Em 2015, a região latino-americana foi a primeira
do mundo a alcançar as duas metas internacionais de redução da fome: a
porcentagem de subalimentação caiu para 5,5% e o número total de pessoas
subalimentadas chegou a 34,3 milhões.Com isso a região atingiu a meta
estabelecida pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, substituídos este
ano pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), e também na última
Cúpula Mundial sobre Alimentação.
Maso desafio agora é alcançar a fome zero, meta que
poderia ser afetada pela mudança climática, que impacta nos quatro pilares da
segurança alimentar e nutricional: a estabilidade da produção de alimentos, sua
disponibilidade, acesso físico e econômico, e seu uso adequado.Para Meza, é
necessário impulsionar ações de mitigação que considerem uma mudança no setor
energético para fontes renováveis e, no setor agropecuário, deve-se avançar
para práticas orgânicas que evitem desmatar, levem ao uso dos dejetos dos
animais para gerar biogás, e melhorem a dieta animal para reduzir as emissões, entre
outras medidas.
Rodríguez destacou que a mitigação deve começar com
a melhoria da gestão dos produtores, entregando-lhes informação
agrometeorológica adequada e oportuna, e, no plano tecnológico, desenvolvendo
variedades mais resistentes à seca, à umidade e às variações na disponibilidade
de água e de radiação solar, além de otimizar o uso da água com sistemas
adequados de irrigação.
Rodríguez também propõe avançar na pesquisa com
base no “conhecimento dos agricultores, sobretudo da agricultura familiar ou
indígena, os quais possuem variedades tradicionais que são mais adequadas a
determinados climas, altitudes e solos. Esse conhecimento também é muito
relevante de se levar em conta”.
*Este artigo é publicado por ocasião do Dia Mundial
da Alimentação, celebrado em 16 de outubro.
Fonte: ENVOLVERDE
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