Para que
serve o propósito?
Por Álvaro Almeida*
No que diz respeito às empresas, ter um
propósito é alinhar-se com as necessidades da sociedade, que não são poucas, e
assim conquistar o engajamento das diversas pessoas que podem contribuir com a
continuidade dos negócios.
Já na entrada da conferência Sustainable Brands
(SB) Rio 2016, (realizada nos dias 21 e 22 de Junho), muitas pessoas foram
impactadas pelo inesperado do local: um antigo armazém portuário, construído a
base de ferro e tijolos, ladeado por amplas aberturas envidraçadas para o mar,
recebia um evento praticamente sem paredes, onde as salas de workshops e os
auditórios eram sutilmente demarcados por estruturas quase rasteiras. O
simbólico se tornou concreto e, como nunca, as idéias fluíram sem barreiras na
quarta edição brasileira da rede global de conferências que procura apresentar
a fronteira da aplicação da inovação com sustentabilidade na transformação dos
negócios.
O ambiente que fugiu totalmente ao padrão dos
assépticos centros de convenções de hotéis harmonizou-se perfeitamente com tema
da conferência: “Activating Purpose” (Ativando o Propósito).
Naquele espaço do
Armazém da Utopia, nome mais que adequado para a experiência que proporcionou,
os cerca de 500 participantes entre profissionais de grandes empresas,
empreendedores de startups e inovadores sociais e ambientais compartilharam
práticas, discutiram teorias, divergiram em conclusões, mas sempre com algo em
comum: o forte propósito de transformar para melhor a realidade em que vivemos.
Há cerca de 20 anos, a Escola de Guerra do
Exército dos Estados Unidos foi chamada para jogar luz sobre as mudanças no
ambiente de segurança e desenvolveu a Teoria VUCA, na qual o mundo atual
poderia ser definido, em inglês, como Volatile, Uncertain, Complex e Ambiguous.
Bela síntese do tempo em que vivemos. Neste cenário tão imperfeito, o propósito
ganha cada vez mais relevância. Afinal, é essencial entender o que queremos,
qual a direção que buscamos, para persistirmos em nossa jornada diante de um
ambiente tão controverso.
Ter um propósito não é exatamente uma novidade.
Grandes empreendedores sempre foram guiados por uma ambição maior. Tampouco
pode ser considerado a nova onda das teorias de marketing a ser usada como panacéia
pelos gurus das vendas. Mas seguramente responde a um crescente desejo das
pessoas em dar significado para as nossas ações, seja no âmbito pessoal,
profissional ou coletivo.
No que diz respeito às empresas, ter um propósito
é alinhar-se com as necessidades da sociedade, que não são poucas, e assim
conquistar o engajamento das diversas pessoas que podem contribuir com a
continuidade dos negócios. Quando se tem viva a presença ou a memória dos
fundadores, essa conexão para ser mais imediata. É o caso da Interface,
tradicional fabricante norte-americana de carpetes, que perpetua os fundamentos
deixados pelo seu fundador, Ray Anderson, um dos precursores da
sustentabilidade no mundo corporativo e falecido em 2011. Claude Ouimet,
vice-presidente para as Américas, apresentou no SB Rio como a companhia atua
para desenvolver processos industriais verdadeiramente sustentáveis até 2020.
No caso das empresas de capital aberto, sem a
visão de um fundador e, em sua maioria, impregnadas pela cultura do curto
prazo, a definição de um propósito já é, em si, um desafio. Foi o que fez a EDP
Brasil em um movimento pioneiro dentro desse grupo português de energia
presente em 14 países.
Para chegar lá, a empresa iniciou em 2014 um processo de
construção que envolveu mais de 1,5 mil colaboradores. Além de definir um
propósito – usar nossa energia para cuidar sempre melhor – definiu 12
princípios, começou a atrelá-los a indicadores e ao sistema de recompensas e
ainda passou a utilizar ferramentas digitais como o WhatsApp e o Facebook para
aprofundar na cultura de toda a companhia.
Os exemplos se multiplicaram em diferentes
escalas e abordagens no SB Rio 2016. A Kimberly Clark anunciou que a marca de
papel higiênico Neve passará a atuar na melhoria das condições de saneamento no
Brasil. A Votorantim criou a empresa Reservas Votorantim para desenvolver um
modelo de sustentação de reservas naturais a partir da experiência que
desenvolve dentro de sua própria reserva, o Legado das Águas. O Pão de Açúcar
começa a testar em uma loja de São Paulo um sistema de venda a granel para
cerca de 40 produtos, seguindo a tendência de redução de embalagens e venda de
quantidades a partir da necessidade do cliente em recipientes reutilizáveis.
Se junta a tudo isso a profusão de novas
empresas, que já nascem dispostas a criar modelos de negócios inovadores, com
produtos voltados a transformar em oportunidade cada problema de nossa
realidade. Temos, assim, um intenso ambiente de transformação dos negócios.
Sinais seguramente ambíguos diante do incerto e complexo ambiente de crises que
vivemos. No entanto, para aqueles que procuram ampliar o olhar, as tendências
ganham forma: o propósito forma o campo de atração que dá força às empresas
para inovar com base nos princípios da sustentabilidade e, assim, enfrentar
esse mundo em transformação.
* Álvaro
Almeida é Jornalista e organizador do Sustainable Brands Rio.
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