Ar sujo
mata 6,5 milhões por ano, diz agência.
Até 2030, os países devem reduzir o número de
mortes e de doenças causadas por químicos e poluentes do ar, do solo e da água.
Foto: Shutterstock
Enquanto deputados tentam liberar carros de passeio
movidos a diesel, relatório afirma que só no Brasil 22 mil morrem por ano por
exposição a poluição atmosférica.
Por Claudio Angelo, do OC –
Os deputados que defendem a liberação de carros de
passeio movidos a diesel no Brasil fariam bem em ler um relatório publicado
nesta segunda-feira pela AIE (Agência Internacional de Energia). O estudo
afirma que 6,5 milhões de pessoas morrem por ano no mundo devido à poluição do
ar, e aponta o setor de transportes como um dos principais culpados.
Só no Brasil são 22 mil mortes prematuras por ano,
em média, por exposição a poluentes fora de casa. O número deve crescer para 36
mil em 2040 só por causa da expansão da economia – sem considerar novos usos de
combustíveis fósseis, como carros leves a diesel. Uma série de medidas a adotar
no setor de transportes, mas também na indústria, permitiria reduzir a cifra a
13 mil no mesmo ano. Ainda inaceitável, mas ao menos na direção certa.
Intitulado Energy and Air Pollution (Energia
e Poluição do Ar), o documento faz parte do World Energy Outlook, o panorama
global do setor de energia divulgado anualmente pela agência. Ele está
disponível de graça (em inglês) no site da organização.
Esta é a primeira vez que a AIE se debruça sobre as relações entre uso de
energia – leia-se queima de combustíveis fósseis, principalmente – e saúde. O
resultado mostra que os benefícios de aumentar a eficiência energética e
limitar o uso desses combustíveis vai muito além da redução das emissões de
gases de efeito estufa.
“A poluição do ar é uma grande crise de saúde
pública, que tem muitas de suas raízes e soluções no setor de energia”, afirma
o relatório, segundo o qual a poluição é a quarta maior causa de mortes
evitáveis no mundo – atrás apenas da hipertensão, da má alimentação e do
cigarro.
A queima de petróleo e derivados, carvão, gás
natural e biomassa para suprir as necessidades energéticas de 7 bilhões de terráqueos
é a principal fonte de vários desses poluentes: os particulados finos (PM2,5),
considerados os mais nocivos; os sulfatos (SO4), tóxicos e percursores da chuva
ácida; os óxidos de nitrogênio (NOx), que reagem na atmosfera para formar o
ozônio troposférico (O3), também tóxico para animais e plantas; e o monóxido de
carbono (CO).
O setor de transportes é o principal emissor de NOx
do planeta, respondendo por mais de 50% das 107 milhões de toneladas de óxidos
de nitrogênio emitidas em 2015. Também manda para o ar 10% dos particulados
emitidos por uso de energia. A maior parte vem do transporte rodoviário de
cargas e passageiros. No entanto – e aqui #ficaadica para os nossos
parlamentares –, a AIE alerta que os carros de passeio têm o impacto de sua
poluição aumentado pelo fato de eles serem usados exatamente onde as pessoas
estão: nas cidades.
O relatório nota, como os proponentes do carro a
diesel gostam de ressaltar, que, graças a uma série de medidas de controle
ambiental adotadas primeiro nos países desenvolvidos, a poluição por automóveis
cresce mais devagar do que a frota. No entanto, traz uma conclusão que faz esse
argumento em favor do diesel virar fumaça: mesmo o estrito padrão europeu de
emissões veiculares, o chamado Euro6, falhou em reduzir as emissões de NOx no
mundo real na mesma medida que nos testes.
Para os carros a diesel, a diferença entre o padrão
Euro5 (adotado em 2009) e o Euro6 (de 2014) deveria ser uma queda de 55%; a
queda real, porém, foi de 25% – e, mesmo assim, as emissões medidas de fato são
de cinco a sete vezes mais altas do que nos testes de laboratório. Para os
carros a gasolina, as emissões no mundo real aumentaram 20% mesmo com o padrão
mais estrito. O escândalo da Volkswagen, que equipou milhões de carros a diesel
com um dispositivo destinado a mascarar emissões reais, “despertou a atenção do
público” para essa discrepância, afirma a agência.
O relatório propõe um pacote de ações para mitigar
o problema, traçando um cenário apelidado de “Ar Limpo” para 2040. O custo
total dessa transição é de US$ 76 trilhões em investimentos em todo o setor de
energia, comparados a US$ 71 trilhões se nenhuma medida adicional fosse
adotada.
A agência não fala em banir ou restringir nenhum
tipo de combustível, como o petróleo ou o carvão – o que rendeu críticas ao
relatório por parte de organizações ambientalistas, como o WWF. As soluções
propostas vão na linha “amigável aos negócios”, por assim dizer: controle de
emissões e aumento da eficiência.
Mesmo assim, a AIE argumenta que a adoção de todas
essas medidas terá um co-benefício imenso para o clima: o cenário “Ar Limpo” é
capaz de produzir um pico global nas emissões de CO2 em 2020. Esse prazo ainda
daria à humanidade uma chance razoável de cumprir a meta do Acordo de Paris de
limitar o aquecimento global a menos de 2oC neste século.
No setor de transportes, além do estímulo ao
transporte público, o cenário “Ar Limpo” propõe a adoção do padrão equivalente
ao Euro6 no mundo todo, com cumprimento obrigatório até 2025, e teor de enxofre
máximo no diesel e na gasolina de 10 ppm (partes por milhão). No Brasil, os
padrões de emissão de particulados e NOx e o teor de enxofre (para zonas
metropolitanas) no diesel ainda são equivalentes aos do padrão Euro4, de 2005.
Pior ainda, no final desta década ainda será vendido no Brasil diesel com 500
ppm de enxofre, algo que já não existe na Europa há décadas.
No Brasil, todas essas medidas esbarram no
PL1.013/2011, que libera a venda e fabricação de carros de passeio a diesel sem
nenhuma contrapartida ambiental. De autoria de um deputado do baixo clero
fluminense e patrocinado pelo notório Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o projeto está
para ser votado a qualquer momento numa comissão especial da Câmara, onde tem
fortes perspectivas de aprovação.
Se passar, argumentam especialistas e até o próprio
governo federal, significará um desestímulo ao transporte coletivo e aos
biocombustíveis, já que o diesel é mais barato que o álcool. De saída, também
implicará num aumento do número de pessoas expostas à poluição atmosférica nas
metrópoles brasileiras – e, por tabela, no número de mortes precoces evitáveis.
Se os nobres parlamentares ainda tinham dúvida
sobre a conveniência da proposição, vale dar uma boa lida no relatório da AIE.
Prejudicar a saúde dos próprios eleitores não parece boa estratégia para quem
quer receber seus votos no futuro.
Fonte: Observatório do Clima
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