Para não
dar tiro no pé dos maiores interessados.
Foto: Shutterstock
Por Washington Novaes*
As perdas anuais com a erosão do solo agrícola
podem passar de 10% da produção até 2050.
Por mais que seja inquietante – e por mais que
provoque reações de inconformismo no setor agropecuário –, é indispensável
seguir tratando das questões nessa área, tantos são os alarmas que soam, vindos
de várias fontes confiáveis. O mais recente está em estudo de 600 pesquisadores
de 60 países, coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO).
Publicado no livro Status of the World’s Soil
Recources, ele mostra que mais de 30% dos solos no mundo estão degradados
(portaldbo, 13/7). E, nesse setor, as mais ameaçadas são exatamente as pessoas
que militam ou têm interesses específicos.
Segundo a pesquisadora da Embrapa Maria de Lourdes
M. S. Brefin, a perspectiva é de que a situação “possa piorar se não houver
ações concretas que envolvam indivíduos, setor privado, governos e organizações
internacionais”. O índice de degradação “é alto e provocado principalmente por
erosão, compactação, perda de matéria orgânica e desequilíbrio de nutrientes”.
E ainda se pode agravar com mudanças climáticas.
As perdas anuais no setor com a erosão, que já
chegam a 0,3% da produção, podem chegar a mais de 10% até 2050. Essa erosão em
solo agrícola e de pastagem intensiva varia, diz o documento, entre cem e mil
vezes a taxa de erosão natural; e o custo anual de fertilizantes para
substituir os nutrientes perdidos por essa erosão está calculado em US$ 150
bilhões. Já as perdas pela compactação do solo agrícola podem reduzir em 6% os
rendimentos da agricultura no mundo.
Não bastasse, segundo a FAO (18/7), a agricultura
comercial é a principal causa de desmatamento no mundo – quase 70% na América
Latina; 280 mil quilômetros quadrados na África e na Ásia, um total de 680 mil
quilômetros quadrados (ou 4% da área total de terras), segundo um painel de 27
especialistas em solo (ITPS), da ONU. O pisoteio dos rebanhos e a cobertura
insuficiente do solo pela vegetação natural ou pelas culturas respondem pela
compactação.
Tudo isso influi no ciclo da água, na conservação
do solo, na captura de carbono, no controle natural de emissões, no clima
local, no potencial de polinização: 25% de todas as espécies vivas residem no
solo; em um metro quadrado há bilhões de organismos e milhões de espécies;
fungos e bactérias decompõem a matéria orgânica do solo, controlam a dinâmica
do carbono orgânico, provêem nutrientes para as plantas. Ainda de acordo com o
mesmo estudo, ameaças em terra, em fertilizantes químicos, pesticidas,
herbicidas já são problema grave para 56% da biodiversidade na Europa.
O aumento do conhecimento, a pesquisa, a integração
da proteção do solo na legislação existente e um novo instrumento legal podem
ser caminhos eficazes. Um dos exemplos apontados é o Ato de Conservação do Solo
no Meio-Oeste norte-americano, de 1935, que reverteu a tendência de erosão
forte nos 80 anos seguintes.
E as soluções? Há quatro pontos básicos definidos
pela União Européia, como o avanço da pesquisa e do conhecimento na área, a
integração das medidas de proteção do solo na legislação vigente, a implantação
de novos instrumentos legais. A pesquisadora da Embrapa Maria de Loudes M.S.
Brefin pensa que “existe evidência de que a humanidade está perto dos limites
globais para a fixação total de nitrogênio e os limites regionais para o uso de
fósforo”. Mas a própria Embrapa acentua que “aumentar a eficiência de
hidrogênio e a utilização de fósforo pelas plantas é um requisito fundamental”.
Muitos caminhos são enfatizados pelos mesmos
pesquisadores: 1) reduzir ao mínimo o revolvimento da terra e evitar a colheita
mecanizada; 2) aumentar uma camada protetora orgânica na superfície do solo,
usando grãos de cobertura e resíduos desses grãos; 3) cultivo de grande
variedade de espécies de plantas – anuais e perenes – em associações,
sequências e rotações, que podem incluir árvores, arbustos, pastos e grãos; 4)
usar espécies bem adaptadas para resistir aos estresses bióticos e abióticos,
com boa qualidade nutricional, plantadas no período apropriado; 5) aumentar a
nutrição dos grãos e a função do solo, usando rotação de grãos e uso criterioso
de fertilizantes; 6) assegurar o manejo integrado de pestes, doenças e sementes,
usando práticas apropriadas e pesticidas de baixo risco, quando necessários; 7)
gerenciamento correto da água; 8) controlar as máquinas e o tráfego nas
propriedades, a fim de evitar a compactação.
E há ainda problemas em outras áreas, como o de 2,6
bilhões de pessoas no mundo dependerem de lenha para seus fogões domésticos (o
uso em várias partes já foi comentado neste espaço) – Chile, Costa Rica,
Gâmbia, Geórgia, China, Tunísia e Vietnã. A Costa Rica aumentou em 54% sua
cobertura florestal.
Segundo a Unep (fevereiro de 2015), a degradação
ambiental e a poluição respondem por 234 vezes mais mortes prematuras do que
conflitos militares no planeta. No Observatório do Clima (15/7), Cláudio Ângelo
lembra que pagar a fazendeiros para não desmatarem no País inteiro custaria R$
5,2 bilhões anuais. Isso evitaria a emissão de 5,6 bilhões de toneladas anuais
de dióxido de carbono (equivalentes a quatro anos de emissões totais pelo
Brasil), impediria a motosserra em 205 mil quilômetros quadrados. E há outros caminhos
aos quais se voltará neste espaço.
De qualquer forma, com os problemas a que já
chegamos, não se pode fugir, daqui por diante, à vinculação entre incentivos
agrícolas e critérios ambientais, práticas de silvicultura, pagamento por
serviços ambientais, recuperação de pastagens degradadas e evitar a expansão da
fronteira agrícola, entre outros.
Este jornal mesmo já publicou (23/5) texto segundo
o qual os proprietários rurais “preservam menos do que declaram (…) 30% têm
déficit de reservas” que a lei os obriga a manter e declarar. Não fazê-lo
significa dar um tiro no próprio pé – dos maiores interessados.
* Washington Novaes é
jornalista. (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br)
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário