Campanha
Energia para a Vida propõe microgeração solar como alternativa viável à matriz
elétrica brasileira.
Autor Sucena Shkrada Resk -
27/06/2016
Em
Juazeiro, Bahia, já existe a experiência com placas solares em casas de
condomínio popular. Foto: Divulgação
O Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento
(Formad), por meio da representação titular do Instituto Centro de
Vida (ICV) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), na suplência,
está apoiando a
Campanha Energia para a Vida, lançada em 2014, que é uma iniciativa da
Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil. A partir da entrevista
abaixo com Joilson Costa, engenheiro eletricista pela Universidade Federal do
Maranhão e coordenador da Frente, o ICV dá início a uma série de matérias sobre
esta temática. João Andrade, coordenador do Núcleo de Redes Socioambientais do
ICV, cita a importância deste envolvimento, porque hoje se vive um momento em
que o potencial de expansão da matriz energética está na Amazônia e isto está
gerando impactos socioambientais, a exemplo de Belo Monte e das usinas em
Rondônia, de Jirau e Santo Antonio.
“A matriz baseada na energia solar é uma proposta
de solução. Queremos incentivar esta alternativa de aliviar o peso das fontes
de hidrelétricas. Em Mato Grosso, é uma grande oportunidade, porque existem
várias comunidades indígenas e de assentamentos rurais, que não foram
contemplados com programas, como o Energia Para Todos. A energia solar
descentralizada, de microgeração, seria uma boa solução. Atenderia diretamente
pessoas que precisam ser inseridas nestes benefícios”, considera.
Segundo Andrade, o Formad, que é uma rede com cerca
de 40 movimentos sociais e instituições ambientais, de certa forma, dá
capilaridade a estes segmentos, e permite que se possa fazer a conexão com
comunidades isoladas ou municípios que ainda estão vivendo com geração de
energia a óleo diesel, que é extremamente impactante às mudanças climáticas.
Joilson
Costa participou do Festival Juruena Vivo, no ano passado. Foto:
Divulgação/Rede Juruena Vivo.
Confira a entrevista exclusiva de Joilson Costa
para o site do ICV:
ICV – Qual é a principal proposta e ações da
campanha e o que motivou a sua criação?
Joilson Costa – A Campanha Energia para Vida se
constitui como a principal ação da Frente por uma Nova Política Energética para
o Brasil, que reúne um conjunto de organizações da sociedade civil com o
objetivo de contribuir para que uma nova política energética seja implementada
no Brasil, ou seja, possui como principal proposta uma verdadeira mudança na
forma de se planejar, construir e operar os empreendimentos que constituem a
matriz energética brasileira.
É importante ressaltar que afirmar isso não é mera
retórica de quem apenas não concorda com os atuais caminhos do setor energético
no país, mas um posicionamento que se fundamenta em uma plataforma de propostas
de políticas que poderiam conferir não apenas uma nova configuração, mas um
novo caráter ao setor energético e à forma como exploramos os recursos naturais
para deles extrairmos a energia que a sociedade precisa. Tal plataforma
inclusive foi entregue
em audiência ao então Secretário Executivo do Ministério de Minas e
Energia, Luiz Eduardo Barata, em junho do ano passado.
A campanha foi oficialmente lançada durante o Fórum
Social Temático “Energia: para quê? Para quem? Como?”, realizado em agosto de
2014 na cidade de Brasília, mas foi motivada pela realização de um seminário
nacional sobre a política energética brasileira, realizado em maio de 2013, e
que reuniu mais de 50 organizações representativas das lutas de comunidades impactadas
pelos grandes empreendimentos energéticos, bem como lideranças, estudiosos e
especialistas na área.
ICV – O que significa em um país de dimensão
continental como o Brasil, propor a geração distribuída de energia solar
e eólica e eficiência energética? É possível pensar nesta distribuição de forma
igual regionalmente ou há diferenças a se considerar?
Joilson Costa – Podemos entender a eficiência
energética como nosso esforço em produzirmos mais ou a quantidade que
produzimos hoje com um menor gasto de energia, sem que haja uma perda na
qualidade do produto ou uma diminuição no nível de conforto conferido pelas
diversas formas de energia que utilizamos. Neste sentido gastar menos energia
significa diminuirmos a exploração dos recursos naturais hoje. No que diz
respeito aos combustíveis fósseis, que são a forma de energia primária mais
utilizada no mundo hoje, tal diminuição é de fundamental importância para a
mitigação das mudanças climáticas ou até mesmo, segundo alguns especialistas,
para a sobrevivência da humanidade no planeta.
Já a geração distribuída é aquela que acontece
próximo ou no próprio local de consumo. No Brasil, a Resolução nº 482 da
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) regulamente o Sistema de
Compensação de Energia Elétrica a partir da mini ou microgeração distribuída.
Este sistema permite que qualquer pessoa gere parte ou toda energia elétrica
que precise em sua residência, por exemplo.
Propor a geração distribuída de energia elétrica
significa não apenas reconhecer os vários benefícios que ela apresenta ao
sistema elétrico e às pessoas, mas acima de tudo advogar em favor de formas de
geração que possuem menores impactos socioambientais que o modelo
historicamente priorizado pelo governo brasileiro, baseado em grandes
empreendimentos.
Uma vez que a geração de energia faz uso de
recursos naturais e que estes estão distribuídos ou ocorrem de maneira
diferente pelo território nacional, tais diferenças devem ser levadas em
consideração. Por exemplo, apesar de o Brasil inteiro ter ótimos níveis de
irradiação solar, tal irradiação varia pelo território nacional, o que faz com
que a quantidade de energia elétrica que uma placa fotovoltaica gere não seja a
mesma dependendo da região onde é instalada.
Apesar dessa diferença não ser grande e de a
energia solar poder ser utilizada em todo país, isso poderia nos levar à
conclusão de que alguns estados poderiam adotar políticas de incentivo mais
“agressivas” do que outros para compensar uma menor produtividade devido ao
recurso. Característica semelhante acontece com a energia eólica, já que os
ventos também se distribuem de maneira diferenciada pelo território.
ICV – Qual é hoje o perfil da política energética
nacional e qual é o espaço destinado para essas energias limpas e renováveis?
Inicialmente creio ser necessário fazermos uma
breve distinção: quando falamos de política energética estamos nos referindo
àquelas políticas que tratam da questão energética de forma mais ampla, ou seja,
que tratam de todos os tipos de demanda e oferta de energia à sociedade, como a
energia elétrica, o petróleo e seus derivados, o gás natural e os
biocombustíveis, por exemplo.
Tenho um texto
que tenta explicar didaticamente essa distinção e faço essa observação inicial
porque as pessoas costumam confundir a matriz elétrica com a matriz energética
e, tomando como base a configuração da matriz elétrica tão somente, o discurso
oficial é que nossa matriz energética é majoritariamente renovável, o que não é
verdade uma vez que segundo o Balanço Energético Nacional de 2015, produzido
pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), nossa matriz energética é composta atualmente
de 60,6% de fontes não renováveis, sendo só o petróleo responsável por 39,4%.
Como não acredito que os agentes governamentais não
saibam dessa distinção só posso acreditar que haja uma desinformação deliberada
para camuflar a predominância dos combustíveis fósseis em nossa matriz
energética.
Neste sentido, infelizmente nossa política
energética atual possui como uma de suas características a continuidade na
priorização do uso de combustíveis fósseis, em especial para o setor de
transportes, mas também para a geração de energia elétrica através das usinas
termelétricas – que vêm aumentando sua participação na matriz elétrica. Já há
algum tempo que o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) prevê cerca de 70%
de todos os recursos a serem investidos para os combustíveis fósseis.
Em relação ao setor elétrico especificamente,
podemos afirmar que o mesmo possui a característica de privilegiar os grandes
empreendimentos hidrelétricos e as termelétricas, relegando para segundo plano
as fontes renováveis de menor impacto socioambiental. Atualmente estas duas
fontes respondem por 92,3% de toda capacidade instalada de nossa matriz
elétrica. Qualquer pessoa pode acompanhar a evolução dessa capacidade instalada
através do Banco
de Informações de Geração, disponibilizado pela ANEEL.
Por fim, temos que reconhecer que as fontes
renováveis não convencionais vêm ganhando espaço na matriz elétrica – a eólica,
por exemplo, é a que mais vem crescendo recentemente. A grande questão é que
alguns empreendimentos acabam sendo implementados com a mesma lógica das
grandes hidrelétricas, ou seja, sem muita preocupação com impactos
socioambientais, como é o caso de muitos parques eólicos pelo Nordeste. Isso
nos leva a uma conclusão importante: não basta que a fonte seja “limpa” e
renovável se continuar causando impactos desnecessários e violando direitos de
populações.
Esta é uma das razões pelas quais defendemos que a
expansão destas fontes deve se dar não a partir de grandes empreendimentos, mas
a partir das pessoas em suas residências através da microgeração de energia,
pois nesta modalidade quase inexistem impactos socioambientais relevantes.
ICV – Quais cenários são possíveis construir nos
próximos anos quanto a essa geração distribuída no Brasil?
Joilson Costa – Essa é uma pergunta que não é tão
fácil de responder, pois quando tratamos de cenários pode se chegar a um número
bem considerável de respostas, a partir das premissas e variáveis que
consideramos.
No entanto, no campo do que podemos considerar como
bem factível e provável nesta área o Greenpeace Brasil, que é uma das
organizações que fazem parte da Frente por uma Nova Política Energética para o
Brasil, lançou recentemente o resultado
de um estudo – cuja leitura eu recomendo, sobre como o incentivo à energia
solar fotovoltaica pode transformar o Brasil.
Como atualmente cerca de 97,5% de todas as 3.455 instalações
de mini e microgeração distribuída no país são de sistemas solares
fotovoltaicos é justificável que o estudo aborde somente esta fonte, que possui
a maior possibilidade de penetração nos grandes centros urbanos.
O estudo avalia três cenários até o ano de 2030: 1)
O Brasil continua o mesmo, em que a evolução dos sistemas fotovoltaicos
é analisada a partir das condições e preços atuais de mercado, sem nenhum tipo
de incentivo; 2) FGTS para comprar placas solares, a evolução leva em
consideração a possibilidade do cidadão utilizar seu FGTS para a compra do
sistema fotovoltaico e; 3) ICMS cai em todos os estados, em que é
considerada a isenção do ICMS sobre a energia excedente em todos os estados do
Brasil.
O segundo cenário considera três tipos de adesão ao
incentivo e na adesão considerada ‘agressiva’ o estudo prevê a instalação de
mais de 2,5 milhões de sistemas fotovoltaicos, o que representaria 14.927 MWp
de potência instalada. Segundo informações dos sistemas devidamente instalados
e registrados na ANEEL, até o dia 26/06 deste ano esses números são de 3.369
sistemas fotovoltaicos e 25.633 kWp. A quantidade de sistemas projetada
significaria cerca de R$ 157 bilhões adicionados à economia, R$ 3,2 bilhões em
tributos e a geração de mais de um milhão e duzentos mil empregos.
Apesar de haverem muitos outros cenários que podem
ser considerados, a partir dos vários incentivos que poderiam ser adotados no
Brasil, como já disse, reconheço que estes apresentados pelo Greenpeace no estudo
são os mais prováveis no país hoje.
O segundo cenário pode se tornar real em breve,
caso o PLS 371/2015, que trata da questão e que já foi aprovado pela Comissão
de Infraestrutura do Senado, seja votado e aprovado pela Comissão de Assuntos
Sociais. Importante ressaltar que a votação do mesmo está prevista para a próxima
quarta-feira (29).
ICV – Pode citar alguns exemplos de onde estas
alternativas estão sendo melhor sucedidas no país?
Joilson Costa – Mesmo que não seja regulamentado
pela Resolução nº 482 da ANEEL, acredito que a melhor experiência na área da
geração distribuída no país seja um projeto de geração de energia e renda
promovido pelo Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal e pela empresa
Brasil Solair em dois condomínios do programa Minha Casa Minha Vida em
Juazeiro, no estado da Bahia. Nestes dois condomínios, Morada do Salitre e
Praia do Rodeadouro, cerca de 9 mil painéis fotovoltaicos foram instalados nos
telhados das unidades residenciais, totalizando 2.103 kWp em potência
instalada.
Joilson Costa – A energia elétrica gerada pelos
painéis fotovoltaicos é vendida no mercado de energia e 90% de todo recurso gerado
é destinado ao condomínio, sendo 60% divididos igualitariamente entre as 1.000
famílias e 30% destinado a um fundo condominial, através do qual os condomínios
estão provendo vários serviços que o estado não consegue oferecer à comunidade,
como atendimento médico, dentário, cursos de capacitação e etc. Para quem tiver
interesse em conhecer e difundir este projeto recomendo o vídeo produzido pela
Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil (conferir o mesmo aqui).
O grande problema é que esta é uma experiência
piloto e que, apesar de seu potencial transformador não apenas da configuração
de nossa matriz elétrica, mas principalmente da vida de pessoas, infelizmente
ainda não vislumbramos a sua replicação em outros lugares.
Em relação aos sistemas com maior potencial de
crescimento, que são os aderentes ao Sistema de Compensação de Energia
Elétrica, acompanhamos algumas experiências. O Greenpeace Brasil, por exemplo,
vem desenvolvendo iniciativas muito interessantes, como a solarização de
escolas ou de entidades beneficentes.
Outra organização da Frente que vem promovendo
excelentes experiências é o Comitê de Energias Renováveis do Semiárido (CERSA),
que reúne várias organizações, instituições de ensino, poder público,
pesquisadores, estudantes e lideranças que acreditam nas potencialidades que os
recursos energéticos – em especial a energia solar, oferecem para uma melhor
convivência com o semiárido brasileiro.
Uma das experiências é o projeto
“Padaria Solar”, que conta com o apoio do Fundo Socioambiental CASA, e que
objetiva instalar um sistema fotovoltaico em uma padaria da Associação
Comunitária Várzea Comprida dos Oliveiras, em Pombal (PB). A padaria servirá
para a fabricação de pães, bolos e bolachas para a venda em escolas públicas da
região através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal,
e beneficiará diretamente 21 microempreendedoras da comunidade.
Projetos como este, que começam a se multiplicar
pelo país, evidenciam uma das vantagens dos sistemas de geração distribuída que
supera a economia na fatura de energia elétrica: a possibilidade de gerar
emprego e renda.
Em Várzea
Comprida, Paraíba, moradores demonstram como fazem manutenção de equipamento.
Foto: Divulgação/Aires Umberto
ICV – Como o cidadão comum pode estar inserido de
forma proativa nesta campanha?
A partir da Campanha Energia para Vida, a Frente
por uma Nova Política Energética para o Brasil chegou à conclusão de que era
necessário intensificarmos as ações em favor da energia solar fotovoltaica e
para isso apresenta a Campanha “Nossa Casa Solar”.
Esta campanha possui como uma ação de base a
realização de oficinas de capacitação com a intenção de promover uma
compreensão popular das principais questões relacionadas à mini e microgeração
de energia elétrica, em especial a partir da energia solar fotovoltaica:
regulamentação, processo junto às distribuidoras, custo-benefício, retorno do
investimento, financiamentos existentes e empresas instaladoras. Ao final da
oficina apresentamos algumas sugestões de contribuição a partir do local.
A pessoa pode estudar a possibilidade de aderir ao
Sistema de Compensação de Energia Elétrica. Hoje existem muitas empresas
surgindo nesta área e é relativamente fácil realizar uma estimativa inicial na
própria internet. Particularmente recomendo o Portal Solar, que
considero uma das melhores referências na área. Neste site, além da estimativa
é possível obter três orçamentos de empresas próximas à cidade do/a
interessado/a.
Mesmo que chegue à conclusão de que ainda não tem
condições de instalar um sistema, uma possibilidade é a pessoa apoiar a
campanha se tornando uma espécie de “multiplicador solar”, acompanhar nosso site e página no Facebook e
começar a falar sobre a microgeração distribuída e sobre a energia solar
fotovoltaica com todas as pessoas possíveis: família, amigos, vizinhos, colegas
de escola, de faculdade ou de trabalho, comerciantes… Muitas pessoas ainda não
sabem que já podem gerar sua própria energia. Por isso, apenas criar a
curiosidade e o interesse pelo tema já é uma grande ação.
Outra possibilidade é reivindicar dos poderes públicos
municipais a criação de políticas de incentivo à mini e microgeração de energia
elétrica. Entre estas políticas podemos citar a adoção de sistemas de
microgeração nos prédios e espaços públicos (prefeitura, câmara legislativa,
escolas, hospitais, museus, parques, praças…); adoção de sistemas de
microgeração em unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, onde
este programa existe; criação de um fundo municipal de incentivo; desonerações
fiscais para adotantes do sistema de microgeração distribuída (como ISS, IPTU,
Iluminação Pública…).
Sobre políticas municipais não podemos deixar de
considerar as eleições municipais como uma oportunidade de fazer este debate
entrar em cena com mais força na sociedade através da proposição aos/às candidatos/as
e a Frente pretende construir um conjunto de propostas que sirvam para os
interessados em inserir esta discussão na campanha eleitoral deste ano.
As oficinas “Nossa Casa Solar” já foram realizadas
nas cidades de Santarém (PA), Macapá (AP), Brasília (DF), Cajazeiras e João
Pessoa (PB), Caxias, Codó e Rosário (MA) e a Frente se coloca à disposição de
realizar a mesma em qualquer cidade do Brasil, bastando os interessados
entrarem em contato por meio do e-mail: c.energiaparavida@gmail.com .
Fonte: ICV
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