Amazônia
deve ter recorde de queimadas.
Queimada na Amazônia. Foto: Greenpeace
Previsão divulgada pela Nasa e pela Universidade da
Califórnia aponta que solo da floresta está mais seco em 2016 do que nos anos
de seca extrema de 2005 e 2010; El Niño é principal culpado.
Por Claudio Angelo, do OC –
A Amazônia deverá ter neste ano a pior temporada de
queimadas de sua história desde o início dos registros, em 2001. A previsão foi divulgada
nesta quarta-feira pela Nasa, a agência espacial americana, e pela Universidade
da Califórnia em Irvine (EUA).
O risco de incêndios graves é maior do que 90% em
todas as dez regiões analisadas, que incluem seis Estados da Amazônia
brasileira, a Bolívia e o Peru. O risco mais alto é em Mato Grosso (97%) e no
Pará (98%), justamente os Estados tradicionalmente campeões de desmatamento. No
Amazonas, onde a floresta queima relativamente menos, o risco neste ano é de
96%.
Análises feitas com auxílio de satélites mostram
que a quantidade de água no solo na floresta este ano é a mais baixa desde o
início das medições, com 2016 superando 2005 e 2010, anos em que a Amazônia
viveu duas de suas piores secas de todos os tempos.
A temporada de queimadas da Amazônia geralmente
começa no inverno – o período seco, chamado de “verão” amazônico. O pico de
focos de calor ocorre em setembro, com um declínio a partir de novembro, quando
começa a estação de chuvas (o “inverno” amazônico).
Em 2016, porém, mesmo os meses de “inverno” já
registraram queimadas acima da média. No Amazonas, foram 3.469 focos de calor
registrados por satélites em fevereiro, um dos meses mais chuvosos do ano. O
recorde para o mês na série histórica foi 250, em 2004. Mesmo em 2015, o ano
mais quente da história até aqui, o número de queimadas no Amazonas em
fevereiro foi apenas 130.
Em Mato Grosso, foram 2.576 focos em fevereiro de
2016, contra 2.286 do recorde anterior, do ano passado. No Pará, onde fevereiro
de 2015 também havia batido recorde para o mês (1.425 focos), em 2016
registrou-se mais do que o dobro disso (3.601). Para as dez regiões avaliadas,
a soma do número de focos de calor em fevereiro era mais do que o dobro do
recorde anterior, de 2015 (12.974 contra 5.268). Veja todos os dados aqui.
Número de focos de calor entre 2003 e 2016 (linha
vermelha)
“Nossa expectativa é de que este ano vá bater o
recorde”, disse ao OC Douglas Morton, pesquisador do Centro Goddard de Voo
Espacial, da Nasa, e um dos responsáveis pela previsão.
O culpado pelo risco neste ano é o El Niño, o
aquecimento cíclico das águas do Oceano Pacífico que eleva as temperaturas no
mundo inteiro e deixa a Amazônia e o Nordeste mais secos do que o normal. O
fenômeno começou em 2015 e ajudou a secar o solo da floresta, enfraquecendo a
temporada de chuvas. Seu impacto deverá ser plenamente sentido neste ano.
“Em Santarém, por exemplo, a temporada de queimadas
termina em novembro. Mas a do ano passado continuou em 2016 por causa do El
Niño”, afirmou o americano, que faz pesquisas no Brasil desde o início da
década passada.
Segundo Morton, o padrão de seca observado em
2015-2016, a chamada “anomalia de precipitação”, é muito semelhante ao visto em
1998 (veja imagem abaixo). Naquele ano, um mega-El Niño causou incêndios
catastróficos em Roraima e botou as relações entre clima, fogo e floresta no
radar dos cientistas.
Comparação entre secura na Amazônia entre 1998
(esq.) e 2016; quanto mais vermelho, mais seco.
A suscetibilidade da região a incêndios varia em
função da temperatura do oceano – e, neste ano, tanto o Pacífico quanto o
Atlântico estão muito quentes. Um Atlântico mais quente desloca o cinturão de
chuvas da região equatorial (a chamada Zona de Convergência Intertropical) para
o norte, secando a Amazônia e turbinando os furacões na América do Norte.
Morton pondera que ainda existe a possibilidade de
que uma mudança brusca na superfície do Atlântico ocorra no segundo semestre e
produza chuvas, interrompendo a tendência. Isso aconteceu em 2013.
O modelo de previsão usado pela Nasa e pela
Universidade da Califórnia em Irvine não é perfeito, seus criadores esclarecem.
Afinal, ele só considera a base física das queimadas. A correspondência entre o
modelo e as observações depende, claro, de outro fator: os produtores rurais e
madeireiros da Amazônia e a tendência do desmatamento num dado ano.
“A exploração de madeira descontrolada deixa a
floresta mais seca e com troncos e folhas mortas, que são altamente
inflamáveis. O uso do fogo para limpar as áreas agrícolas e incêndios
acidentais em pastos secos chegam às florestas degradadas e se espalham
rapidamente. Nos anos mais secos, o fogo se espalha ainda mais, pois as
políticas de combate ao desmatamento são insuficientes para lidar com os
incêndios”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia).
Hoje não é possível separar essas duas grandes
variáveis e atribuir peso a cada uma. Não dá para saber ainda o quanto a
agropecuária e a grilagem de terras vão influenciar na taxa final de queimadas.
Mas a situação de Mato Grosso, por exemplo, acendeu uma luz amarela nos
pesquisadores. “Em 2003, quando Mato Grosso teve sua maior taxa de
desmatamento, as queimadas começaram mais cedo”, disse Morton.
“As metas frouxas do Brasil para combate ao
desmatamento, o corte de recursos para a área ambiental e fiscalização,
associado aos planos do PMDB e aliados para o país – retrocessos na legislação
e ameaças de flexibilização ainda maior do Código Florestal – podem pôr ainda mais
gasolina nessa fogueira”, disse Carlos Rittl, secretário-executivo do
Observatório do Clima.
Fonte: Observatório do Clima
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