Enfrentamento
por direito à cidade.
Cidade do Panamá, uma das que têm maior crescimento
na América Latina. A Habitat III, que acontecerá em outubro, em Quito,
estabelecerá a Nova Agenda Urbana. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Juan Duhalde, diretor do Centro de Pesquisa Social
da organização não governamental Um Teto para Meu País, destaca que “o direito
à cidade é essencial para se alcançar uma mudança de modelo e não reprodução do
atual, que vela pela rentabilidade de uma elite e não pelo bem-estar coletivo”.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 29/6/2016 – A declaração
da terceira Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento
Urbano Sustentável (Habitat III), que deverá ser aprovada em outubro, em Quito,
no Peru, fez colidir, novamente, as posições do Norte industrializado e do Sul
em desenvolvimento.
As do Sul defendem a inclusão no documento do
direito à cidade, o financiamento da Nova Agenda Urbana que se originará da
reunião, e a reestruturação da ONU Habitat para que isso se concretize. Por
outro lado, o bloco encabeçado por Estados Unidos, Japão e os países da União
Europeia procura minimizar esses temas.
Para representantes de organizações da sociedade
civil, esses temas devem ser materializados na Declaração de Quito Sobre
Cidades Sustentáveis e Assentamentos Humanos Para Todos, cujo rascunho é
debatido pelos Estados membros em uma série de reuniões prévias.
Juan Duhalde, diretor do Centro de Pesquisa Social
da organização não governamental Um Teto para Meu País, afirmou à IPS que esses
temas são “fundamentais” e devem ser incluídos na discussão paraque se
concretizem em um plano de ação. “São as linhas gerais que vão promover
políticas públicas nacionais. A única forma é que estes compromissos gerem
acordos futuros e de longo prazo. Agora é mais uma discussão política, que pode
ficar curta em relação ao que se deve avançar”, apontou.
Duhalde destacou que “o direito à cidade é
essencial para se alcançar uma mudança de modelo e não reprodução do atual, que
vela pela rentabilidade de uma elite e não pelo bem-estar coletivo”. A brecha
ficou evidente durante a primeira rodada de conversações informais
intergovernamentais, realizada em Nova Yorkentre os dias 16 e 20 de maio, e
seguirão sendo motivo de debate durante outra série de sessões informais, a
primeira delas de três dias, entre 29 de junho e 1º de julho.
No caminho da Habitat III, que acontecerá na
capital do Peru entre os dias 17 e 20 de outubro, Equador e França presidem em
conjunto as negociações preparatórias, enquanto Filipinas e México são os
facilitadores do processo.Brasil, Chile, Equador e México encabeçam um bloco
que promove a cidade que, junto com os mecanismos de acompanhamento da
declaração, o financiamento da Nova Agenda Urbana e os meios de execução, são
os assuntos mais importantes dos encontros.
Para os meios de aplicação, se busca a criação de
um fundo para que os países em desenvolvimento fortaleçam suas capacidades.O
direito à cidade, assim batizado pelo filósofo francês Henri Lefebvre
(1901-1991) no livro homônimo de 1968, abarca o exercício simultâneo dos
direitos dos habitantes da cidade, comoa alimentação, moradia, migração, saúde,
educação, ambiente, espaços públicos, participação política, não discriminação,
entre outros.
Despejo de uma família no centro histórico da
Cidade do México. A Habitat III abordará o direito à cidade e os problemas da
população que viveem assentamentos humanos. Foto: Cortesia de Emilio Godoy.
Lorena Zárate, presidente da organização não
governamental Coalizão Internacional para o Habitat, com sede regional no
México, defende a inclusão da produção social do habitat na declaração, que não
é mencionada abertamente no rascunho.“Queremos que seja incluída. Se não, seria
não reconhecer a metade ou um terço do que está construído no mundo. Mas há
pouco espaço para negociar coisas novas, porque há medo de reconhecê-las e será
preciso chegar a um consenso”, pontuou a especialista argentina participante
das reuniões em Nova York.
Esse conceito reconhece todos aqueles processos
geradores de espaços habitáveis, componentes urbanos e moradias, que são
realizados sob controle de autoprodutores e outros agentes sociais que operam
sem fins lucrativos.
O rascunho da declaração, cuja versão mais recente
é do dia 18 deste mês, emprega o conceito “cidades para todos”, e reconhece que
este é assumido por alguns países como o direito à cidade, “buscando garantir
que todos os habitantes sejam capazes de viver, usar e produzir cidades justas,
includentes, acessíveis e sustentáveis, que existem como um bem comum essencial
para a qualidade de vida”.
Os Estados parte ressaltam que a ONU Habitat deve
garantir “acompanhamento coordenado, um monitoramento eficaz e o informe da
execução da Nova Agenda Urbana”.Também enfatizam a importância de seu
fortalecimento e convidam a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) a “garantir recursos financeiros, estáveis, adequados e previsíveis, e
melhorar a habilidade do órgão para desenvolvercapacidades em nações em
desenvolvimento, no desenho, planejamento, aplicação e manejo sustentável de
assentamentos urbanos e de outros tipos”.
Além disso, solicitam que a ONU Habitat prepare “um
informe de progresso periódico” sobre a aplicação da Nova Agenda Urbana, para
promover uma análise qualitativa e quantitativa do progresso realizado. O
processo de preparação do informe deve incorporar as visões dos governos
nacionais, subnacionais e locais, bem como o sistema das Nações Unidas,
organismos multilaterais, sociedade civil, setor privado, comunidades e outros
grupos e atores não estatais.
Edifício em reforma em Havana, capital de Cuba. Os
países em desenvolvimento querem que da Habitat III saia o financiamento
necessário para promover a nova agenda para as cidades, que deverá ser
articulada pela ONU Habitat. Foto: Cortesia de Emilio Godoy.
O esboço integra seções sobre prosperidade
sustentável e inclusiva e oportunidades para todos, desenvolvimento urbano
sustentável para a inclusão social e erradicação da pobreza, desenvolvimento
urbano ambientalmente adequado e resiliente, planejamento e gestão do
desenvolvimento urbano espacial,e meios de aplicação, acompanhamento e revisão.
“É uma telenovela dramática. Agora tentamos
apresentar ideias para dar força à proposta do direito à cidade. No rascunho o
tema está claro, queremos que continue assim”, enfatizou à IPS um funcionário
latino-americano que participa das negociações. “Os Estados Unidos e a China
não querem um texto que se refira aos direitos humanos”, acrescentou, pedindo
para não ser identificado.
O rascunho deve ficar definido durante a reunião do
comitê preparatório da Habitat III (PrepCom3) na Indonésia, entre os dias 25 e
27 de julho, de modo que os Estados a aprovem na conferência de Quito.Para
evitar a repetição das sequelas das conferências de Vancouver, em 1976, e
Istambul, 20 anos depois, de não avaliar seu cumprimento, Duhalde e Zárate
coincidem em formular um programa de acompanhamento integral.
“É necessário estabelecer metas de longo prazo que
gerem indicadores de gestão mensuráveis por governos e atores sociais, que
levem em conta a experiência da produção social do habitat, a população que
vive em assentamentos informais, e que construa cidades com suas capacidades e
habilidades”, ressaltou Duhalde.“O que interessa é a geração de evidência e a
promoção da pesquisa sobre problemas reais no território para gerar soluções”,
acrescentou.
Para Zárate, não se pode avançar no debate de uma
nova agenda sem revisar o cumprimento da anterior. “Revisar o que é novo e o
que continua vigente, o que se cumpriu e o que não foi cumprido, porque sim,
porque não e quais são os atores. Nunca houve mecanismos claros de
monitoramento nem priorização”, afirmou. “Insistimos para que isso não se
repita. Mas não vão incluir metas ou indicadores, não há muita clareza sobre
mecanismos de acompanhamento e monitoramento”, destacou.
O funcionário latino-americano que não quis ser
identificado relativiza os alcances imediatos da cúpula. “A Habitat III será
apenas uma referência. No dia 21 de outubro não trará grandes mudanças. Os governos
nacionais farão o que lhes ocorrer fazer, com seus próprios recursos, suas
próprias forças, sua governança”, pontuou.
Fonte: ENVOLVERDE
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