Mais um
round contra a flexibilização do licenciamento ambiental acontece no Conama.
Autor Sucena Shkrada Resk -
23/06/2016
Manter a
conservação de ecossistemas e direito de populações são preocupação de
sociedade civil em relação a propostas de mudanças de regras do licenciamento
ambiental. Foto: Divulgação/ICV.
As propostas que tramitam no Congresso Nacional
(veja mais em Justiça e sociedade civil dizem não à PEC 65/2012, em audiência
pública em Cuiabá) e na instância do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama) para a flexibilização do licenciamento ambiental de obras
públicas se tornaram pivô de uma mobilização em nível nacional. Com isso,
a discussão está sendo realizada em diferentes frentes. Os membros do grupo de
trabalho da bancada ambientalista da sociedade civil na Câmara Técnica de
Controle Ambiental, que tratam da proposta de modificações das Resoluções
Conama 1/86 e 237/97,
apresentada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente
(Abema), lançaram um manifesto pela Ética, Qualidade Técnica e Participação no
Licenciamento Ambiental Brasileiro e se retiraram da avaliação. Os integrantes
consideram que o processo está sendo feito sob pressão. A questão voltará à
agenda do Conama, no mês de julho, quando haverá a primeira reunião dos
integrantes do conselho com o atual ministro de Meio Ambiente José Sarney
Filho.
A Abema propõe que haja um licenciamento unificado, além
das fases tripartite (licença prévia, de instalação e de operação) do
licenciamento ambiental em vigor. Também propõe ao empreendedor (de baixo e
médio potencial poluidor) o licenciamento por termo de adesão e compromisso e
outra modalidade de registro eletrônico de informações no órgão licenciador,
por exemplo, sem estudo de impacto ambiental. “Não é algo condizente à
realidade ambiental e está atendendo somente ao interesse do setor privado.
Estamos aguardando conversar com o ministro de meio ambiente em julho”, diz
Fideles Paixão, advogado e representante do Argonautas Ambientalistas da
Amazônia, que é um dos cinco conselheiros (representante da sociedade civil)
neste grupo de trabalho.
O advogado observa as semelhanças da proposta com
as da PEC 65/2012. “A ideia é desregulamentar o licenciamento para facilitar a
execução dos projetos. Não leva em consideração a questão da segurança
ambiental e do interesse público, mas do setor produtivo, que diz que o
processo é burocrático e demorado”. Paixão rebate que a alternativa a este
problema seria o investimento público na capacitação dos técnicos responsáveis
pelo licenciamento.
“As resoluções precisam ser aperfeiçoadas, mas não
na direção deste desmonte que propõe essa diminuição do tempo e suspensão de
etapa de avaliação, mas no direcionamento de melhorar seu conteúdo de interesse
público e qualidade ambiental. O ideal é que haja maior integração entre os
órgãos licenciadores municipais, estaduais e federais e melhores critérios de
avaliação de impacto ambiental”, considera.
Monitoramento e transparência
Ana Luiza Peterlini, promotora da 15ª Promotoria de
Justiça Cível de Defesa do Meio Ambiente Natural, em Mato Grosso, também foi
ouvida pelo ICV, afirmou que é preciso modernizar o processo de licenciamento,
mas de uma forma consentida com a participação da sociedade civil. “Hoje o
processo é burocrático, a demanda é grande e a estrutura dos órgãos ambientais
é muito tímida.
Precisamos de licenciamento de diferentes modelos e é
importante que os enquadramentos de baixo impacto não favoreçam nenhum segmento
em especial. Isso tem de ser discutido com os Conselhos de Meio Ambiente para
garantir a participação popular”, avalia. Segundo ela, audiências públicas a
respeito também são importantes neste processo e não podem ser rápidas, como
ocorreu com a proposta da Abema, que não tem especificados quais seriam
esses enquadramentos.
“Aqui em Mato Grosso, por exemplo, os projetos
agropecuários causam significativos impactos, que devem ser considerados. É
preciso deixar muito claro o monitoramento de todos os tipos de empreendimentos.
Na minha opinião, por exemplo, pode ser melhor por meio de auditorias
ambientais independentes, custeadas pelo empreendedor. Encontrar formas de
criar mecanismos de controle sem onerar o poder público”, diz.
João Paulo Soares de Andrade, coordenador do Núcleo
de Redes Socioambientais do Instituto Centro de Vida (ICV), que integra o Fórum
Teles Pires e a Rede Juruena Vivo, e é membro do Conselho Estadual do Meio
Ambiente (Consema), analisa que os conselhos devem ser fortalecidos. “O Estado
também não pode ser dispensado de monitorar e o modelo de auditoria
independente é uma opção a mais interessante”, concorda. Segundo ele, não deve
ser esquecido o princípio de precaução ao se estabelecer os empreendimentos.
Histórico: a toque de caixa
Paixão explica que a proposta da Abema foi
apresentada em dezembro passado, praticamente no período de festas de fim de
ano. “Com a entrada do documento, o governo federal começou a empurrar uma
agenda para a Câmara Técnica para a aprovação da matéria a toque de caixa”,
critica.
Ele relata que foi criado o grupo de trabalho para
estudar estas propostas, que manteve um total de quatro reuniões até que os
representantes das organizações da sociedade civil decidiram se retirar da
agenda como manifesto.
“O regimento do Conama permite que a Câmara
trabalhe na pauta até um ano, mas aprovaram que fosse, no máximo, em 60 dias.
Fomos contra, porque é um tema importante da base do Sistema Nacional de Meio
Ambiente (Sisnama)”. Paixão também explica que o fato de uma consulta virtual
sobre o tema ter sido feita somente por 10 dias, durante o período do Carnaval,
foi considerada errada pelo grupo. “Nesta época, as pessoas não estão atentas a
estes assuntos. Era preciso ouvir sociedade civil, técnicos e acadêmicos”,
justifica.
Manifesto
Como forma de repúdio ao processo, o grupo criou o
Manifesto. “Já contamos com mais de 300 adesões de organizações ambientalistas.
Também pedidos ao Ministério Público que notificasse o Ministério do Meio
Ambiente, porque vários princípios jurídicos estão sendo desrespeitados, como
da livre informação e da segurança jurídica das normas ambientais”, afirma.
Também se posicionam contra a proposta, a Associação Nacional de Órgãos
Municipais de Meio Ambiente (Anamma) e o Ministério Público.
Ao mesmo tempo, segundo o conselheiro do Conama, há
diferentes iniciativas no Congresso Nacional para flexibilizar o licenciamento
e as demais normas ambientais. “Um dos exemplos, além da PEC 65/2012, é o
projeto de alteração do Código de Mineração. É todo centrado na desregulamentação
e na facilitação da concessão de lavras. Já está em fase final de tramitação e
é liderado pelas bancadas corporativas”.
Mais uma pressão na esfera legislativa é de tirar o
poder deliberativo do Conama. “Um novo projeto, neste sentido, tramitou
liderado pela bancada ruralista, no ano passado. Mas quem ficaria responsável
por esta atribuição, que existe desde os anos 80 e conferiu credibilidade ao
conselho?”, questiona.
O Conama é formado por cerca de 100 membros;
desses, 22 representam a sociedade civil, sendo 11 eleitos, 3 são escolhidos
pelo presidente da república e os demais são representantes de outros
segmentos.
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Fonte: ICV
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