quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Vencer a pressão do consumo é a maior festa.
Foto: Shutterstock

Por Maria Helena Masquetti*

Ok, festa infantil gera canseira. Mas para Iris e uma família inteira empenhada em preservar-lhe a magia da infância, poderia durar a semana inteira. Na contratação dos atores, nem pagamento ou parcelamento, e muito menos discriminações. Bastou alguém gritar primeiro “Eu vou ser isso ou aquilo”, já estava contratado mediante o compromisso de arranjar uma fantasia pertinente com a história da Branca de Neve, tema escolhido pela pequena. Nunca se viu tanta inventividade e, pela escassez de personagens da história, nunca se viu tantos anões de idades e tamanhos tão variados em uma fábula só. E como espetáculo que se preze, tem que contar com a força dos bastidores, tias, tios, pais e avós fizeram bonito com cenários, cartazes e arranjos que deixariam de grife caída as mais badaladas empresas de eventos.

A medir pela audiência se escangalhando de rir com as gags do elenco, a encenação valeria um registro de direitos autorais. Apenas Iris não titubeou numa vírgula do script, confirmando a capacidade genial das crianças de viver suas fantasias como realidade concreta. Mas, seguramente, dois fatores essenciais contribuíram para que a festa pudesse se consolidar em uma das melhores lembranças da infância de Iris: a autenticidade do afeto que é o que toda criança mais precisa para crescer segura e a ausência da exploração comercial que tanto tem padronizado a diversão e o brincar. Pelo menos nessa festa, a fábula triunfou sem a intermediação do marketing e as almas dos irmãos Green certamente abriram mão de descansar em paz só para brincarem junto.

Não é proibido a ninguém encontrar formas de ganhar seu dinheiro, porém, nem reis, nem fadas, princesas, bruxas, anões ou dragões combinam com argumentos de vendas. Ninguém precisa dizer às crianças como e do quê brincar. Elas são doutoras nessa arte. Basta lhes dar livros com boas histórias e colocar à disposição delas nossas habilidades adultas para ajudá-las a materializar o reino encantado de sua imaginação. Calçar os saltos altos da mãe ou imitar o pai se barbeando nada tem a ver com um desejo infantil por produtos adultos. O modo como a criança tateia o mundo é imitando o que vê, mas do seu modo lúdico, de acordo com suas motivações individuais e, sobretudo, de dentro para fora.

David Reeks, cineasta e pesquisador sobre a cultura da infância, acerta em cheio ao dizer que as primeiras etapas do brinquedo – concepção e fabricação – estão nas mãos do fabricante, restando apenas o final do processo para a criança ao recebê-lo finalizado, ainda mais por adultos. E é em razão disso que, muitas vezes, as crianças quebram o brinquedo novo: “Como não foi a criança que construiu e inventou, ela quer saber o que tem lá dentro”.

Como se tivesse ocorrido um movimento pela independência do brincar, enquanto a folia findava, várias outras crianças negociavam festas no mesmo estilo com seus familiares. Devidamente longe dali, o marketing amargou uma perda nas locações e vendas de parafernálias eletrônicas, serviços de animação e decorações pronta entrega. E ao morder fortemente a maçã, em lugar de consumir o veneno, a princesa brincante, suada e descabelada como manda o protocolo da infância, fez despertar a certeza de que a felicidade não está em pagar caro (e sem levar) por aquilo que o amor e o respeito à infância produzem de graça e num passe de mágica.

* Maria Helena Masquetti é graduada em Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto Alana. Também é colunista do site Envolverde, onde o artigo foi originalmente publicado.


Fonte: ENVOLVERDE

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