Por Maria Helena Masquetti*
Ok, festa infantil gera canseira. Mas para Iris e
uma família inteira empenhada em preservar-lhe a magia da infância, poderia
durar a semana inteira. Na contratação dos atores, nem pagamento ou
parcelamento, e muito menos discriminações. Bastou alguém gritar primeiro “Eu
vou ser isso ou aquilo”, já estava contratado mediante o compromisso de
arranjar uma fantasia pertinente com a história da Branca de Neve, tema escolhido
pela pequena. Nunca se viu tanta inventividade e, pela escassez de personagens
da história, nunca se viu tantos anões de idades e tamanhos tão variados em uma
fábula só. E como espetáculo que se preze, tem que contar com a força dos
bastidores, tias, tios, pais e avós fizeram bonito com cenários, cartazes e
arranjos que deixariam de grife caída as mais badaladas empresas de eventos.
A medir pela audiência se escangalhando de rir com
as gags do elenco, a encenação valeria um registro de direitos autorais. Apenas
Iris não titubeou numa vírgula do script, confirmando a capacidade genial das
crianças de viver suas fantasias como realidade concreta. Mas, seguramente,
dois fatores essenciais contribuíram para que a festa pudesse se consolidar em
uma das melhores lembranças da infância de Iris: a autenticidade do afeto que é
o que toda criança mais precisa para crescer segura e a ausência da exploração
comercial que tanto tem padronizado a diversão e o brincar. Pelo menos nessa
festa, a fábula triunfou sem a intermediação do marketing e as almas dos irmãos
Green certamente abriram mão de descansar em paz só para brincarem junto.
Não é proibido a ninguém encontrar formas de ganhar
seu dinheiro, porém, nem reis, nem fadas, princesas, bruxas, anões ou dragões
combinam com argumentos de vendas. Ninguém precisa dizer às crianças como e do
quê brincar. Elas são doutoras nessa arte. Basta lhes dar livros com boas
histórias e colocar à disposição delas nossas habilidades adultas para
ajudá-las a materializar o reino encantado de sua imaginação. Calçar os saltos
altos da mãe ou imitar o pai se barbeando nada tem a ver com um desejo infantil
por produtos adultos. O modo como a criança tateia o mundo é imitando o que vê,
mas do seu modo lúdico, de acordo com suas motivações individuais e, sobretudo,
de dentro para fora.
David Reeks, cineasta e pesquisador sobre a cultura
da infância, acerta em cheio ao dizer que as primeiras etapas do brinquedo –
concepção e fabricação – estão nas mãos do fabricante, restando apenas o final
do processo para a criança ao recebê-lo finalizado, ainda mais por adultos. E é
em razão disso que, muitas vezes, as crianças quebram o brinquedo novo: “Como
não foi a criança que construiu e inventou, ela quer saber o que tem lá
dentro”.
Como se tivesse ocorrido um movimento pela
independência do brincar, enquanto a folia findava, várias outras crianças
negociavam festas no mesmo estilo com seus familiares. Devidamente longe dali,
o marketing amargou uma perda nas locações e vendas de parafernálias eletrônicas,
serviços de animação e decorações pronta entrega. E ao morder fortemente a
maçã, em lugar de consumir o veneno, a princesa brincante, suada e descabelada
como manda o protocolo da infância, fez despertar a certeza de que a felicidade
não está em pagar caro (e sem levar) por aquilo que o amor e o respeito à
infância produzem de graça e num passe de mágica.
* Maria Helena Masquetti é graduada em
Psicologia e Comunicação Social, possui especialização em Psicoterapia Breve e
realiza atendimento clínico em consultório desde 1993. Exerceu a função de
redatora publicitária durante 12 anos e hoje é psicóloga do Instituto
Alana. Também é colunista do site Envolverde, onde o artigo foi originalmente publicado.
Fonte: ENVOLVERDE
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