Guerra ao
vírus zika em várias frentes.
A presidente Dilma Rousseff supervisiona em
Brasília uma das operações militares contra o mosquito Aedes Aegypti, que
acontecem em nível nacional para pôr fim à propagação do vírus zika. Foto:
Roberto Stuckert Filho/PR.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 2/2/2016 – Com uma operação
de guerra e mobilização de 220 mil militares, o Brasil responde à comoção
nacional pelo nascimento de milhares de crianças com o crânio reduzido, mas o
mosquito Aedes aegypti impõe batalhas em muitas frentes, incluindo a
científica e a farmacêutica. Ao vírus zika, transmitido por esse mosquito,
assim como a dengue e a chikungunya, é atribuída a epidemia de microcefalia,
que atemoriza os brasileiros e que pode ter impacto nos Jogos Olímpicos, que
acontecerão no Rio de Janeiro entre os dias 5 e 21 de agosto.
Além disso, reavivou o debate sobre o direito ao
aborto no Brasil, atualmente penalizado a não ser quando a gravidez coloca a
mãe em perigo ou seja fruto de violação.“São indispensáveis medidas imediatas
para dar assistência às mães de recém-nascidos com microcefalia, que são em
quase sua totalidade pobres e estão tendo uma sobrecarga de trabalho enorme,
sem contar com ajuda doméstica”, ressaltou Silvia Camurça, coordenadora do SOS
Corpo Instituto Feminista para a Democracia.
“Imagine uma mãe com mais de um filho, sem marido.
As creches não estão preparadas para receber crianças com essa enfermidade, que
já são muitas e serão muitas mais com as que estão por nascer nos próximos
meses. É desesperador. A atenção pública às suas famílias é urgente”, enfatizou
Camurça à IPS.Segundo a ativista, a multiplicação dos abortos clandestinos, em
condições precárias e com risco de morte, é “muito provável, já que muitas
mulheres sabem que não contarão com políticas públicas para apoiá-las. E esse
quadro se agrava pela crise econômica e pelo desemprego”.
Pernambuco, Estado onde fica a sede da organização
não governamental SOS Corpo, ostenta o recorde em casos de nascimentos com
suspeita ou confirmação de microcefalia. Até 23 de janeiro, o Ministério da
Saúde havia registrado 1.373 notificações nesse Estado, das quais 138
confirmadas, 110 descartadas e 1.125 ainda em investigação.No total, no Brasil
já são 270 microcéfalos comprovados e 3.448 casos pendentes de exames. Também
houve 68 mortes de recém-nascidos e fetos por má formação congênita, das quais
12 atribuídas ao zika.
Não existem dados da incidência da infecção por
esse vírus, cujos sintomas são febre moderada, erupções na pele, conjuntivite e
mal-estar que dura de três a sete dias, e muitos não se dão conta de que
sofreram da doença. O Brasil se converteu no epicentro do debate sobre esse
vírus por concentrar a maior quantidade de infectados e por ter identificadoa
relação entre o zika e a microcefalia, no Instituto de Pesquisa Joaquim Amorim
Neto, na cidade de Campina Grande, também no Nordeste, a região mais pobre do
país e a mais afetada por essas enfermidades.
O Conselho Executivo da Organização Mundial da
Saúde (OMS), reunido em Genebra no dia 28 de janeiro, considerou que o vírus se
propaga “de forma explosiva” e divulgou previsões de que o Brasil poderá ter
1,5 milhão de infectados este ano, e o continente americano, no total, entre
três e quatro milhões.Embora a OMS indique que “ainda não foi estabelecida uma
relação causal entre a infecção pelo vírus zika e as malformações congênitas e
síndromes neurológicas”, no Brasil não há dúvidas de que o Aedes aegypti é
o portador da nova tragédia nacional.
A fumigação contra o mosquito vetor do zika e
outros vírus, o Aedes aegypti, foi intensificado nas cidades do país. Foto:
Cristina Rochol/PMPA.
Além de Exército, Marinha e Aeronáutica, o governo
procura mobilizar a população e funcionários que visitam praticamente todas as
residências, como os das empresas de energia elétrica, que leem mensalmente os
medidores de consumo. A missão é eliminar todos os criadouros do mosquito, como
embalagens vazias, pneus e outros recipientes com água parada, nos 49,2 milhões
de domicílios brasileiros.
Repelentes de mosquitos são distribuídos às
mulheres grávidas. “Mas esse produto já escasseia no mercado e os adequados às
gestantes são mais caros”, menos acessíveis às mulheres pobres, afirmou a
socióloga Camurça.Ela também se queixou da falta de informação e conhecimento
sobre as epidemias. Em Pernambuco a dengue estava sob controle, o que inclui o
mosquito Aedes, segundo as autoridades sanitárias, “mas de repente somos
campeões em zika”, uma contradição que ainda não foi explicada, afirmou.
O primeiro infectado pelo vírus no Brasil ficou
conhecido em abril de 2015. A partir de então, a propagação foi fulminante. A
doença já está presente em 23 países das Américas, segundo a OMS. Os
epidemiologistas consideram insuficientes os dados sobre as enfermidades transmitidas
pelo Aedes aegypti,porque sua notificação não era obrigatória, o que
provocava muitas omissões. Agora se notifica a microcefalia, não suas causas,
e, sem estatísticas confiáveis do passado e sobre as infecções associadas, o
conhecimento perde uma alavanca.
A microcefalia tem outras causas, como sífilis,
toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes viral e diferentes
infecções.Entretanto, a ciência é outra frente de batalha que pode ser decisiva
nessa guerra a médio e longo prazos. Em alguns anos, espera-se que a população
possa dispor de uma vacina eficiente para neutralizar o zika, pelo menos em seu
efeito mais traumático, a microcefalia.
Nesse campo desempenha um papel central a
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da
Saúde, estimulando estudos nos principais centros de pesquisa sanitária do
Brasil. Seu titular, o médico epidemiologista Eduardo Costa, acredita que o
Brasil poderá desenvolver a vacina, “apesar das dificuldades burocráticas para
importar material biológico, reagentes e outros insumos necessários” às
pesquisas, atrasando-as e encarecendo-as.
Costa afirmou à IPS que “é uma responsabilidade
brasileira produzi-la, e uma dívida com a África”. Já há avanços em centros
especializados, como o Instituto Butantan, na cidade de São Paulo, que
desenvolve uma vacina que oferece 80% de proteção contra os quatro tipos de
dengue e que poderia se estender ao zika. “Faltam estudos clínicos”, que custam
caro e exigem tempo, explicou.Também o Instituto Evandro Chagas, no Estado do
Pará, avança em um medicamento que atenua os efeitos do zika. E um laboratório
da Universidade de São Paulo (USP) pesquisa possibilidades de engenharia
genética.
Esses centros brasileiros estão associados com
universidades ou empresas farmacêuticas no exterior, e seus resultados poderão
contar com produção nitidamente nacional, em Bio-Manguinhos, unidade industrial
de imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocuz), um importante centro de
pesquisa do Ministério da Saúde, pontuou Costa.
Outras tecnologias em estudo no Brasil buscam
controlar a reprodução do Aedes aegypti. Um exemplo é a bactéria wolbachia,
que impede o mosquito de transmitir a dengue. A Fiocruz está soltando, em um
bairro do Rio de Janeiro, mosquitos com essa bactéria para infectar todos os Aedes
locais.Outra iniciativa busca, mediante mosquitos transgênicos, que os Aedes
percam capacidade de reprodução. Também se testa o uso de piriproxifem, um
inibidor do crescimento, para bloquear o amadurecimento das larvas e impedir
que cheguem a ser insetos reprodutores.
Também faltam exames para comprovar se uma mulher
tem o vírus zika. Os testes existentes precisam ser aplicados nos três supostos
dias em que a infecção está ativa. “É preciso um exame eficaz na pós-infecção,
que identifique os anticorpos remanescentes e ofereçam mais informações sobre o
que acontece com o vírus”, explicou o epidemiologista.
O Brasil já erradicou uma vez o Aedes aegypti,em
1954, para combater a febre amarela, a enfermidade que se propagava até então,
recordou Costa. O mosquito voltou em focos intermitentes nas décadas seguintes,
passando a transmitir a dengue.Agora, com um repertório mais amplo de vírus e
contando com cidades muito mais povoadas e sem saneamento, com muito lixo e
embalagens abertas por todo canto, erradicá-lo novamente é impossível,
inclusive para os 220 mil soldados. Mas a tecnologia e a mobilização nacional
poderão controlar sua população e sua agressividade.
Fonte: ENVOLVERDE
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