Energia
no Brasil, quase um jogo de azar.
Uma usina de açúcar e etanol na cidade de
Sertãozinho, no Estado de São Paulo. A indústria da cana retrocedeu no Brasil
durante o governo de Dilma Rousseff, por seu subsídio à gasolina, golpeando seu
competidor direto, o etanol. Foto: Mario Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 26/1/2016 – O Brasil, que
se vangloria de ter uma matriz energética das mais limpas do mundo, agora tem
suas grandes apostas nessa área castigadas por corrupção, mercado adverso e
decisões desastradas, uma maldição quase fatal.Com 42% de fontes renováveis, o
triplo da média mundial, o país pretende também se converter em grande
exportador de petróleo, desde que descobriu, em 2006, gigantescas jazidas de
óleo sob a camada de sal em bacias marítimas situadas a 300 quilômetros da
costa, o chamado pré-sal.
Megaprojetos de refinarias e petroquímicas, dezenas
de estaleiros distribuídos por toda a costa e o sonho de converter a nova
riqueza em melhor educação futura perderam o encanto diante do escândalo de
corrupção que estourou em 2014, revelando o desvio de milhares de milhões de
dólares dos negócios da Petrobras.Quase duas centenas de pessoas são acusadas,
pela Polícia Federal e pela Procuradoria Geral da República, de pagar ou
receber subornos nos contratos da empresa petroleira. Meia centena é de
políticos, a maioria ainda em seus cargos legislativos.
Dirigentes das maiores construtoras do Brasil foram
detidos, afetando o mercado imobiliário e grandes obras de infraestrutura. As
investigações ganharam grande força ao conseguirem, de mais de 30 acusados, a
chamada “delação premiada”, a disposição de contar o que sabem para reduzir
suas penas.O escândalo é um dos fatores da crise econômica e política que afeta
o país, com a queda do produto interno bruto estimada em mais de 3% em 2015,
uma inflação em alta, um perigoso déficit fiscal, a ameaça de impeachment da
presidente Dilma Rousseff e o caos no parlamento.
Além da corrupção que alimentou as campanhas
eleitorais de vários partidos, a Petrobras sobre os efeitos somados da queda
dos preços do petróleo, que ameaça seus investimentos no pré-sal, e das perdas
que acumulou durante anos de congelamento dos preços dos derivados de
petróleo.O governo aproveitou o monopólio do refino nas mãos da empresa para
conter a inflação por meio do controle de preços, principalmente da gasolina. O
destape, depois das eleições nas quais Dilma foi reeleita, em outubro de 2014,
acelerou a inflação, cuja taxa já é superior a 10% ao ano.
Com a Petrobras em crise financeira e tendo que
vender muitos de seus ativos para reduzir sua imensa dívida, nenhuma de suas
quatro refinarias planejadas foi concluída. Duas ficaram na terraplenagem,
outra está inacabada, com mais de 80% das obras realizadas, e a única
inaugurada, opera com apenas metade de sua capacidade prevista.A quebra dos
estaleiros, que esperam fornecer as sondas de perfuração, plataformas e navios
petroleiros para a produção do pré-sal, é quase generalizada, frustrando os
planos governamentais de construir uma forte indústria naval.
A prioridade concedida ao petróleo, em desprezo ao
combate à mudança climática, e os baixos preços subsidiados da gasolina
atropelaram o etanol, que vivia um novo auge desde o surgimento, em 2003, do
automóvel com motor flexível, que permite o uso de etanol ou gasolina, ou a
mistura dos dois em qualquer proporção.A inovação tecnológica teve total êxito
ao resgatar a confiança dos consumidores no etanol, destruída na década
anterior pelo desabastecimento.
Com o motor flexível, o consumidor não depende de
um único combustível e pode escolher o mais barato em cada momento.O uso do
etanol, atualmente quase no mesmo volume nacional da gasolina, quebrou o
monopólio dos combustíveis fósseis, contribuindo decisivamente para o alto
índice de energia renovável no Brasil.Mas o preço subsidiado da gasolina
quebrou muitas destilarias de etanol e provocou a desnacionalização de um terço
da agroindústria da cana. Muitas empresas do setor, em dificuldades
financeiras, venderam suas centrais açucareiras e destilarias a transnacionais
agrícolas, como Bunge, Cargill, Louis Dreyfus e Tereos.
O Brasil praticamente desistiu de sua intenção de
criar um mercado internacional de etanol, promovendo o consumo e a produção do
biocombustível derivado da cana-de-açúcar em outros países. O ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) foi muito ativo nessa campanha, mas o
mesmo não aconteceu com sua sucessora.Outro fator decisivo para a matriz
renovável é o predomínio da fonte hídrica no setor elétrico. Nos últimos anos,
cresceu aceleradamente a geração eólica e um pouco menos a da biomassa, com o
aproveitamento do bagaço da cana.
Parte do que seria a sala de turbinas da
hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará, uma megaobra que já tem 80% de
suas estruturas construídas e estará finalizada em 2019. Foto: Mario Osava/IPS.
Mas a opção por gigantescas hidrelétricas na
Amazônia, como Belo Monte, no rio Xingu, colocou em xeque essa fonte. Uma forte
resistência indígena e ambientalista, mais a ação da Procuradoria paralisaram
sua construção dezenas de vezes. O consequente atraso das obras já passa de um
ano. Atualmente, uma sentença judicial suspendeu a licença de operação da
central e pode impedir o enchimento das represas necessário para a geração de
eletricidade, uma fase prevista para começar em março deste ano.
Quando atingir sua operação plena em 2019, Belo
Monte terá capacidade instalada de 11.233 megawatts (MW), mas sua geração
efetiva será quase nula nos meses de estiagem. O rio Xingu apresenta uma
extrema variação em seu caudal e sua represa não armazena água suficiente para
mover as turbinas nos meses secos.Daí ser alvo de duras críticas, inclusive dos
partidários da hidroeletricidade, como o físico José Goldemberg, especialista
em energia.
As controvérsias sobre Belo Monte ameaçam os planos
oficiais para o rio Tapajós, a oeste do Xingu, nova fronteira hidrelétrica na
Amazônia. Há dois anos, o governo tenta leiloar a construção e concessão de São
Luiz do Tapajós, uma central para 8.040 MW de potência. A presença de indígenas
do povo munduruku ao longo do rio, inclusive na área da represa de São Luiz,
dificulta a licença ambiental para a construção.
A diversidade de fontes relevantes na matriz
elétrica brasileira, as experiências negativas anteriores e a complexidade do
sistema nacional integrado convertem quase em um jogo de azar as decisões sobre
energia no país. Centrais hidrelétricas construídas na Amazônia durante a
década de 1980, como Tucuruí e Balbina, provocaram desastres ambientais e sociais
que ensombrecem as fontes hídricas. Belo Monte acrescentou novos obstáculos.
Alternativas como a energia nuclear também
acrescentam experiências negativas. A terceira central, atualmente em
construção em Angra dos Reis, a 170 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro,
está atrasada em mais de 30 anos. Integrava um pacote de oito centrais que os
militares decidiram construir durante as duas décadas de ditadura (1964-1985),
e para isso assinaram, em 1975, um acordo com a Alemanha para fornecimento de
tecnologia e equipamentos.
A crise econômica interrompeu o programa nos anos
1980. Uma foi concluída em 2000 e a outra segue em construção, porque seus
equipamentos já haviam sido importados há mais de 30 anos. Os custos finais
serão elevadíssimos.
O governo e os setores que decidem a política
energética no Brasil consideram inimaginável renunciar à hidroeletricidade.Mas,
os avanços da energia eólica, as novas tecnologias de armazenamento energético,
e especialmente o barateamento da geração solar ampliam o risco de deixar
obsoletas as centrais hidrelétricas construídas para operarem mais de um
século.
Fonte: ENVOLVERDE
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