segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Resposta etíope à seca terá resultado?
Jovens conduzem um burro que carrega água na Etiópia. Foto: James Jeffrey/IPS.

Por James Jeffrey, da IPS – 

Idaga Hamus, Etiópia, 2/2/2016 – A seca que atinge a Etiópia é a pior em 50 anos, segundo algumas estimativas, mas até agora não há cenas que recordem a de 1984, quando mais de um milhão de etíopes morreram em consequência da falta de chuva. A avaliação da seca depende de uma confusa mistura entre êxito parcial do Estado etíope e a possibilidade de uma crise iminente agravada pela falta de reação da comunidade internacional.

“Há confusão de informação. Esta chegou tarde aos meios de comunicação do mundo”, afirmou SebhatuSeyoum, coordenador da Secretaria Católica Diocesana de Adigrat (SCDA), uma organização sem fins lucrativos que arrecada fundos para ajudar as clínicas de saúde em regiões como Tigray, a mais setentrional desse país do Chifre da África de quase cem milhões de habitantes. 

“As pessoas não estão morrendo de fome, mas estão perto disso. Temos que enfrentar a situação agora mesmo, antes que piore”, ressaltou.

A gravidade da seca se deve ao fenômeno climático El Niño, que está provocando chuvas extraordinariamente intensas em algumas partes do mundo e seca em outras.A produção agrícola em Tigray e Afar caiu entre 50% e 90% em algumas áreas e fracassou completamente em outras. Estima-se que já foram perdidas centenas de milhares de cabeças de gado. Inicialmente, a Etiópia tentou enfrentar a situação sozinha, com emprego de uma complexa rede de segurança alimentar desenvolvida durante décadas, desde que as imagens da fome de 1984 chegaram a estigmatizar o país.

O Programa de Rede de Segurança Produtiva é uma iniciativa de seguridade social e mudança de trabalho, que permitiu que seis milhões de pessoas trabalhassem em obras de infraestrutura pública em troca de alimentos ou dinheiro. Também existe uma reserva nacional de alimentos e sistemas de alerta nas woredas, organizações administrativas locais.A capacidade e os meios que o país tem para dar ajuda de emergência mudaram radicalmente desde 1984.

Além disso, as circunstâncias que acompanham esta seca são totalmente diferentes. A fome de 32 anos atrás também foi o resultado da guerra civil no norte do território etíope. Hoje a Etiópia é um país política e economicamente muito mais estável, capaz de ajudar a si mesmo e de adotar medidas enérgicas. Mas os esforços internos encontraram um obstáculo quando a seca teve consequências. Calcula-se que em outubro havia 8,2 milhões de pessoas afetadas. Agora o país está pedindo ajuda.

“Tínhamos uma vaca, mas tivemos que vender por comida. Os animais de outros perderam tanto peso que não podem ser vendidos”, contou o agricultor BerheKahsay, de 80 anos, em Awo, povoado próximo à fronteira com a Eritreia. “Esse tipo de seca é cada vez pior por causa da mudança climática. Esperamos que Deus nos abençoe com uma mudança positiva”, acrescentou.

Se isso não ocorrer, a Etiópia terá que competir pelos fundos internacionais com outras emergências humanitárias graves, com as da Síria e do Iêmen, e a crise de refugiados. A isso se soma o fato de as engrenagens burocráticas do sistema internacional de doadores terem começado a girar tardiamente, após a tentativa do governo de enfrentar a situação por conta própria.

O governo já recebeu críticas por não reconhecer a gravidade da situação antes e de tentar manter o discurso de grande renascimento econômico da Etiópia, que alcançou uma expansão anual de 10% na última década. E também há aquele que possivelmente seja o maior obstáculo de todos. Muitas pessoas no resto do mundo simplesmente se aborrecem em saber da existência de outra seca etíope, embora esta possa ter um impacto estratégico nas perspectivas de longo prazo do país, além das necessidades humanitárias imediatas.

As agências de ajuda alertam que os consideráveis avanços dos últimos anos em segurança alimentar, educação e saúde, correm perigo em partes da Etiópia. “As consequências poderiam repercutir em várias gerações”, afirmou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

A leste de Tigray há um vizinho mais árido, Afar, famoso porque ali se encontra a depressão de Danakil, o lugar mais quente do planeta. “Normalmente essa região sofre seca, por isso a vida da comunidade depende do governo e das organizações não governamentais”, pontuouDawitHegos, professor escolar em Mawo, uma localidade de Afar. “Esta seca é um grande problema. Não é razoável esperar que o governo faça tudo. Outros países com crises precisam de ajuda, não se trata apenas da Etiópia”, ressaltou.

A cerca de dois quilômetros da escola, há uma represa construída pela SCDA em 2012 com fundos estrangeiros, que criou um açude para o gado da região. “Antes da represa, não tínhamos acesso a água e precisávamos levar o gado até às montanhas para encontrar os rios. Agora é mais necessário ainda, já que os animais não têm força para percorrer longas distâncias em busca de água”, explicou Hussein Esmael, membro da guerrilha local, com seu rifle AK-47 ao ombro.

Muitos dos habitantes de Tigray e Afar compartilham um ditado que diz que“os animais são os primeiros a morrer”. Os trabalhadores de ONGs dizem que, historicamente, depois de uma seca, a situação piora a partir de janeiro, quando as pessoas já consumiram suas reservas de alimentos ou o pouco que conseguiram colher.A população já está reduzindo os alimentos, portanto, para alguns uma refeição consiste em café pão, ou injera, um pão esponjoso com forma de panqueca, com um pouco de sal e sem o acompanhamento habitual de hortaliças e molhos de carne.

“Muitas mães nos dizem que não têm nada nos peitos. E pedem algo para elas e seus bebês”, contou SolomonSibhat, enfermeiro em um centro de saúde de Alitena, em Tigray. “A coisa está pior, mas não temos nada para ajudá-las. Por isso, lhes pedimos desculpas”, reconheceu.A ajuda financeira estrangeira está chegando, no total de US$ 167 milhões até o momento. Além disso, o governo etíope prometeu a quantia sem precedentes de US$ 192 milhões para ajudar a prevenir as mortes pela seca.

Porém, a resposta total à emergência poderia custar US$ 1,4 bilhão, segundo as agências de ajuda, sobretudo se o El Niño alterar a próxima temporada de chuvas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que essa situação poderia provocar, em meados deste ano, escassez de alimentos, desnutrição, ou mesmo a morte de mais de 15 milhões de etíopes, a menos que as doações aumentem.

Este mês, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) anunciou um plano de resposta de emergência no valor de US$ 50 milhões para proteger o gado e reconstruir a produção agrícola da Etiópia.O plano pretende ajudar 1,8 milhão de agricultores e pecuaristas a restaurarem a produção e a renda agrícola. Sua primeira fase, de janeiro a junho (a principal safra de semeadura e colheita) implica “uma mescla de distribuição de sementes de emergência, projetos de irrigação em pequena escala e iniciativas de jardinagem para empoderar os grupos de mulheres com ferramentas, conhecimentos e acesso ao microcrédito”.

“Nos sentimos muito culpadas quando vemos o que deveríamos fazer mas não podemos por falta de recursos e capacidades”, afirmou a madre Azalech, diretora da clínica de saúde Filhas Católicas de Santa Ana, em IdagaHamus. Perguntada sobre o que falta para resolver a situação, uma palavra se destaca claramente na resposta da freira em Tigrinya: dinheiro.


Fonte: ENVOLVERDE

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