Resposta
etíope à seca terá resultado?
Jovens conduzem um burro que carrega água na
Etiópia. Foto: James Jeffrey/IPS.
Por James Jeffrey, da IPS –
Idaga Hamus, Etiópia, 2/2/2016 – A seca que atinge
a Etiópia é a pior em 50 anos, segundo algumas estimativas, mas até agora não
há cenas que recordem a de 1984, quando mais de um milhão de etíopes morreram
em consequência da falta de chuva. A avaliação da seca depende de uma confusa
mistura entre êxito parcial do Estado etíope e a possibilidade de uma crise iminente
agravada pela falta de reação da comunidade internacional.
“Há confusão de informação. Esta chegou tarde aos
meios de comunicação do mundo”, afirmou SebhatuSeyoum, coordenador da
Secretaria Católica Diocesana de Adigrat (SCDA), uma organização sem fins
lucrativos que arrecada fundos para ajudar as clínicas de saúde em regiões como
Tigray, a mais setentrional desse país do Chifre da África de quase cem milhões
de habitantes.
“As pessoas não estão morrendo de fome, mas estão perto disso.
Temos que enfrentar a situação agora mesmo, antes que piore”, ressaltou.
A gravidade da seca se deve ao fenômeno climático
El Niño, que está provocando chuvas extraordinariamente intensas em algumas
partes do mundo e seca em outras.A produção agrícola em Tigray e Afar caiu
entre 50% e 90% em algumas áreas e fracassou completamente em outras. Estima-se
que já foram perdidas centenas de milhares de cabeças de gado. Inicialmente, a
Etiópia tentou enfrentar a situação sozinha, com emprego de uma complexa rede
de segurança alimentar desenvolvida durante décadas, desde que as imagens da
fome de 1984 chegaram a estigmatizar o país.
O Programa de Rede de Segurança Produtiva é uma
iniciativa de seguridade social e mudança de trabalho, que permitiu que seis
milhões de pessoas trabalhassem em obras de infraestrutura pública em troca de
alimentos ou dinheiro. Também existe uma reserva nacional de alimentos e
sistemas de alerta nas woredas, organizações administrativas locais.A
capacidade e os meios que o país tem para dar ajuda de emergência mudaram
radicalmente desde 1984.
Além disso, as circunstâncias que acompanham esta
seca são totalmente diferentes. A fome de 32 anos atrás também foi o resultado
da guerra civil no norte do território etíope. Hoje a Etiópia é um país
política e economicamente muito mais estável, capaz de ajudar a si mesmo e de
adotar medidas enérgicas. Mas os esforços internos encontraram um obstáculo
quando a seca teve consequências. Calcula-se que em outubro havia 8,2 milhões
de pessoas afetadas. Agora o país está pedindo ajuda.
“Tínhamos uma vaca, mas tivemos que vender por
comida. Os animais de outros perderam tanto peso que não podem ser vendidos”,
contou o agricultor BerheKahsay, de 80 anos, em Awo, povoado próximo à
fronteira com a Eritreia. “Esse tipo de seca é cada vez pior por causa da
mudança climática. Esperamos que Deus nos abençoe com uma mudança positiva”,
acrescentou.
Se isso não ocorrer, a Etiópia terá que competir
pelos fundos internacionais com outras emergências humanitárias graves, com as
da Síria e do Iêmen, e a crise de refugiados. A isso se soma o fato de as
engrenagens burocráticas do sistema internacional de doadores terem começado a
girar tardiamente, após a tentativa do governo de enfrentar a situação por
conta própria.
O governo já recebeu críticas por não reconhecer a
gravidade da situação antes e de tentar manter o discurso de grande
renascimento econômico da Etiópia, que alcançou uma expansão anual de 10% na
última década. E também há aquele que possivelmente seja o maior obstáculo de
todos. Muitas pessoas no resto do mundo simplesmente se aborrecem em saber da
existência de outra seca etíope, embora esta possa ter um impacto estratégico
nas perspectivas de longo prazo do país, além das necessidades humanitárias
imediatas.
As agências de ajuda alertam que os consideráveis
avanços dos últimos anos em segurança alimentar, educação e saúde, correm
perigo em partes da Etiópia. “As consequências poderiam repercutir em várias
gerações”, afirmou o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A leste de Tigray há um vizinho mais árido, Afar,
famoso porque ali se encontra a depressão de Danakil, o lugar mais quente do
planeta. “Normalmente essa região sofre seca, por isso a vida da comunidade
depende do governo e das organizações não governamentais”, pontuouDawitHegos,
professor escolar em Mawo, uma localidade de Afar. “Esta seca é um grande
problema. Não é razoável esperar que o governo faça tudo. Outros países com
crises precisam de ajuda, não se trata apenas da Etiópia”, ressaltou.
A cerca de dois quilômetros da escola, há uma
represa construída pela SCDA em 2012 com fundos estrangeiros, que criou um
açude para o gado da região. “Antes da represa, não tínhamos acesso a água e
precisávamos levar o gado até às montanhas para encontrar os rios. Agora é mais
necessário ainda, já que os animais não têm força para percorrer longas
distâncias em busca de água”, explicou Hussein Esmael, membro da guerrilha
local, com seu rifle AK-47 ao ombro.
Muitos dos habitantes de Tigray e Afar compartilham
um ditado que diz que“os animais são os primeiros a morrer”. Os trabalhadores
de ONGs dizem que, historicamente, depois de uma seca, a situação piora a
partir de janeiro, quando as pessoas já consumiram suas reservas de alimentos
ou o pouco que conseguiram colher.A população já está reduzindo os alimentos,
portanto, para alguns uma refeição consiste em café pão, ou injera, um
pão esponjoso com forma de panqueca, com um pouco de sal e sem o acompanhamento
habitual de hortaliças e molhos de carne.
“Muitas mães nos dizem que não têm nada nos peitos.
E pedem algo para elas e seus bebês”, contou SolomonSibhat, enfermeiro em um
centro de saúde de Alitena, em Tigray. “A coisa está pior, mas não temos nada
para ajudá-las. Por isso, lhes pedimos desculpas”, reconheceu.A ajuda financeira
estrangeira está chegando, no total de US$ 167 milhões até o momento. Além
disso, o governo etíope prometeu a quantia sem precedentes de US$ 192 milhões
para ajudar a prevenir as mortes pela seca.
Porém, a resposta total à emergência poderia custar
US$ 1,4 bilhão, segundo as agências de ajuda, sobretudo se o El Niño alterar a
próxima temporada de chuvas. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que
essa situação poderia provocar, em meados deste ano, escassez de alimentos,
desnutrição, ou mesmo a morte de mais de 15 milhões de etíopes, a menos que as
doações aumentem.
Este mês, a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO) anunciou um plano de resposta de emergência
no valor de US$ 50 milhões para proteger o gado e reconstruir a produção
agrícola da Etiópia.O plano pretende ajudar 1,8 milhão de agricultores e
pecuaristas a restaurarem a produção e a renda agrícola. Sua primeira fase, de
janeiro a junho (a principal safra de semeadura e colheita) implica “uma mescla
de distribuição de sementes de emergência, projetos de irrigação em pequena
escala e iniciativas de jardinagem para empoderar os grupos de mulheres com
ferramentas, conhecimentos e acesso ao microcrédito”.
“Nos sentimos muito culpadas quando vemos o que
deveríamos fazer mas não podemos por falta de recursos e capacidades”, afirmou
a madre Azalech, diretora da clínica de saúde Filhas Católicas de Santa Ana, em
IdagaHamus. Perguntada sobre o que falta para resolver a situação, uma palavra
se destaca claramente na resposta da freira em Tigrinya: dinheiro.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário