Polêmica:
INPE questiona investimento do MMA em novo satélite.
Por Claudio Angelo, do Observatório do Clima
Em plena alta do desmatamento na Amazônia e sem dinheiro para ampliar a
fiscalização em campo, o governo brasileiro resolveu olhar não para a febre,
mas para o termômetro: o Ministério do Meio Ambiente lançou um edital de R$ 78,5 milhões para a contratação
de um novo sistema de monitoramento por satélite da devastação. Ele duplicará a
função do Deter, sistema do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de
detecção de desmate em tempo real usado para municiar os fiscais do Ibama e
considerado um dos principais responsáveis pela redução das taxas entre 2005 e
2012.
O secretário-executivo do MMA, Marcelo Cruz, afirma
que o novo monitoramento, que será contratado de uma empresa privada, é
necessário como “complementação”, porque o Deter deixou de atender às
necessidades de fiscalização da Amazônia. Mas o criador do Deter, o ex-diretor
do Inpe Gilberto Câmara, diz que a crítica “não se sustenta cientificamente” e
que o tipo de serviço que o edital visa contratar é muito mais caro e
inadequado para a tarefa.
Monitoramento por satélite – Desmatamento em
Rondônica
O edital foi lançado no dia 20 de abril, um dia
depois da exoneração da diretora de Políticas de Combate ao Desmatamento do
MMA, Thelma Krug. Oriunda do Inpe, Krug havia brigado com Cruz justamente por
se opor à criação de um novo sistema de monitoramento, como o OC informou no dia 19.
A publicação do edital ocorreu sem alarde: pessoas
do próprio ministério desconheciam a peça até sua existência ser revelada, na
última quarta-feira (3), pelo portal Uol/Direto da Ciência e pelo jornal O
Estado de S.Paulo. O fato foi noticiado à véspera do pregão digital,
inicialmente marcado para esta quinta-feira (4). Uma petição on-line lançada ontem pelo
pesquisador da UFMG Raoni Rajão demanda o cancelamento do edital.
Coincidentemente, chegaram ontem ao MMA dois
pedidos de impugnação, feitos por duas potenciais concorrentes: um da Funcate,
uma fundação que presta serviços ao MCTIC (Ministério da Ciência e Tecnologia),
e um da empresa de sensoriamento remoto HexGIS, de Brasília. A Hex já havia
sido contratada no passado pelo Ibama para prestar serviços semelhantes aos
descritos no edital. Os pedidos devem causar o adiamento do pregão por oito
dias úteis.
A polêmica com o Inpe, porém, não deve arrefecer.
“O edital rompe com a ordem estabelecida”, disse
Dalton Valeriano, coordenador de Observação da Terra do Inpe e responsável pelo
Deter e pelo sistema Prodes, que dá a taxa anual de desmatamento da Amazônia
desde 1989. Segundo Valeriano, a atribuição de monitorar o desmatamento foi
dada ao Inpe pelos decretos presidenciais que criaram os planos de combate ao
desmatamento na Amazônia, em 2004, e no cerrado, em 2010. “Estranhamos que o
MMA, sem consulta aos órgãos técnicos, lance um edital de tal abrangência e que
desrespeita as atribuições que vêm sendo dadas ao Inpe pelo governo federal. ”
“O edital tem sérias falhas técnicas”, disse
Câmara. “As exigências para as concorrentes são estranhas ao espírito de um
pregão e podem reduzir os concorrentes a uma única empresa. O edital contrata
serviços de monitoramento do desmatamento apenas especificando o número de
homens-hora estimado. Não há descrição dos produtos a serem gerados, nem uma
metodologia técnica sólida que garanta a qualidade dos produtos. Sem
especificação técnica que garanta a qualidade, há um enorme risco de
desperdício e duplicação de recursos públicos”, prosseguiu.
O edital, de 161 páginas, prevê a contratação de
“serviços especializados de suporte à infraestrutura de geoprocessamento e
atividades de sensoriamento remoto”. Ele lista uma série de serviços de
monitoramento a serem prestados a uma série de órgãos, como o Ibama, a Agência
Nacional de Águas e a Funai. Apesar do custo total elevado, os serviços serão
contratados sob demanda, ou seja, apenas o que for solicitado pelos órgãos será
desembolsado, afirma o MMA.
Entre esses serviços, pelo menos quatro se chocam
diretamente com atribuições do Inpe: 1) Analisar, inserir e manter bases
cartográficas e temáticas georreferenciadas em banco de dados espacial; 2)
Cálculo de emissões de gases de efeito estufa; 3) Processamento e interpretação
de imagens do tipo SAR [radar] para identificação de alterações da cobertura
vegetal; e 4) Desenvolvimento e aplicação de modelos matemáticos e/ou
algoritmos e/ou redes neurais. Somados, tais serviços custariam em média R$ 10
milhões ao ano. O custo de monitoramento de todos os biomas brasileiros hoje é
estimado pelo Inpe em R$ 5 milhões ao ano.
Dos quatro serviços, o mais dispendioso no edital é
o primeiro, que duplica justamente funções do Prodes – o sistema que dá a taxa
anual de devastação. O terceiro seria a criação de um Deter “alternativo”, com
uso de imagens de radar para poder enxergar sob nuvens.
“INTELIGÊNCIA”
“O Deter
funcionou bem no início, mas nos moldes de hoje ele não atende mais”, disse
Sano.
Em entrevista ao OC, Marcelo Cruz e
Edson Sano, chefe do Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, negaram que
queiram duplicar funções do Inpe ou terceirizar o Prodes. “Eu não quero ser o
cara que vai medir o desmatamento; quero ser o cara que vai impedir o
desmatamento”, afirmou o secretário-executivo, que tem um longo histórico de
serviço público implantando sistemas de tecnologia de informação em outros
ministérios.
Segundo ele, o objetivo é “complementar” as
informações geradas pelo Inpe de forma a evitar “um novo susto como o que
tomamos em 2016”. Naquele ano, dados do Deter apontavam desmatamento estável,
mas o Prodes revelou um aumento de 30% na taxa, que surpreendeu o ministro
Sarney Filho (PV-MA).
“O Deter funcionou bem no início, mas nos moldes de
hoje ele não atende mais”, disse Sano. Segundo o chefe do Ibama, a inadequação
ocorre por dois motivos: primeiro, porque o Deter não enxerga sob nuvens, o que
permite monitorar o desmatamento “só quatro ou cinco meses por ano”.
Depois,
porque o perfil da devastação mudou desde a criação do Deter. Hoje se desmata
mais em períodos de chuva e em polígonos menores, que escapam à resolução do
satélite que fornece as imagens para o Deter.
Daí a necessidade de incorporar imagens de radar,
uma tecnologia que permite enxergar sob nuvens (em oposição aos satélites
Landsat, CBERS e Modis, que monitoram a Amazônia hoje e são ópticos).
O Ibama
já tem à sua disposição há anos imagens do radar japonês Alos. Segundo Sano,
porém, o Alos tem resolução “grosseira”, de 100 metros – desmates ocorrem em
áreas menores que essa –, e leva 45 dias para cobrir a Amazônia. O Deter “do B”
que o edital quer contratar visa corrigir esse problema integrando imagens de
um radar europeu, o Sentinel-1.
Gilberto Câmara, do Inpe, diz que o plano não vai
funcionar. “O Sentinel-1é voltado para monitoramento marinho. Décadas de
pesquisa científica mostram que imagens de radar do tipo Sentinel-1 são
inadequadas para monitoramento rápido do desmatamento. Não é recomendável
contratar serviços de mapeamento por radar, ainda mais por esse valor, sem
suporte científico sólido. ”
Segundo ele, “não é por falta de informação que o
desmatamento está avançando, mas pela falta de recursos alocados no combate às
atividades ilegais na Amazônia”.
Nos últimos anos, o orçamento do Ibama vem
declinando à medida que o desmatamento sobe. A verba da fiscalização caiu quase
à metade entre 2013 e 2016 – de R$ 121 milhões para R$ 65 milhões. A quantidade
de fiscais diminuiu 30% nesse período. O desmatamento, por sua vez, aumentou
35% entre 2013 e 2016 – somente nos últimos dois anos a alta foi de 60%.
No ano passado, a penúria foi tão extrema que o
ministro Sarney Filho precisou recorrer a R$ 15 milhões do Fundo Amazônia,
dinheiro de doação internacional, para recompor o orçamento do Ibama e manter a
fiscalização de pé – apenas para ver o orçamento de todo o MMA cair 53% no
corte imposto pelo governo federal em março. Neste ano, a previsão é de mais R$
45 milhões do Fundo Amazônia para o Ibama. O secretário-executivo afirmou que o
Fundo Amazônia é uma das fontes de recurso que ele pretende captar para o novo
sistema.
Questionado sobre se o dinheiro não seria melhor
empregado reforçando a fiscalização, Cruz disse que o monitoramento é “a
inteligência do sistema”, e repetiu que não quer calcular taxas anuais. “A
gente pode até subsidiar o Inpe. Todo mundo é governo.”
Fonte: Observatório
do Clima
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