Área de
cerrado endêmico no Vale do Paraíba será transformada em Parque.
por Júlio
Ottoboni, especial para a Envolverde –
A criação de um parque público do cerrado em
São José dos Campos ocorrerá possivelmente ainda em 2017, preservando uma
formação vegetal única.
Uma área na zona sul dde São José dos Campos
(SP), que ainda detém o bioma de um cerrado endêmico, surgido dentro de uma
área de predominância de Mata Atlântica, abrigará tanto um novo espaço com um
centro de estudos. Para os pesquisadores isso é mistério a ser desvendado, pois
é totalmente atípica essa ocorrência.
Essa mancha de cerrado, que só ocorre na zona sul
para uma estreita faixa na zona leste do município, pegava também onde se
encontra o aeroporto local, da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a empresa Avibras, além de
alguns pontos do início da Rodovia dos Tamoios. Atualmente a vegetação
típica de cerrado só se encontra as margens da pista de pouso e decolagem e em
poucos terrenos nas proximidades.
Os cientistas do Inpe chegaram a pesquisar a
formação que surge em meio a Mata Atlântica para saber se é alguma
característica peculiar do solo ou de um microclima formado na região há
milhares de anos. A possibilidade é que as savanas, conhecidas no Brasil como
cerrado, já existam na região há 20 milhões de anos e a Mata Atlântica a cerca
de dois mil anos.
O pesquisador Paulo Roberto Martini, ainda nos
anos 90, já salientava a importância de se preservar ao máximo essa formação,
tanto em sua flora como fauna. Ele não tem dúvida que as savanas eram
predominantes na região do Vale do Paraíba, inclusive no território hoje
ocupado por São José dos Campos. Inclusive de onde vem o próprio nome do
município. A mancha de cerrado era muito maior, pois ocupava todos os
platôs da região e a áreas serranas era de predominância de Mata Atlântica.
Em alguns pontos ainda é possível se ver áreas de
transição, que são formadas quando existe uma diferenciação gradativa das
espécies vegetais entre os dois perfis. Entre esses pontos está a Serra da
Jambeiro, que faz divisa com São José dos Campos.
“É uma formação única, endêmica, não temos nada
parecido a centenas de quilômetros daqui. Isso precisa realmente ser preservado
e muito bem estudado, em algum momento no tempo geológico isso surgiu como a
vegetação primária, original, e que depois foi tomada pela Mata Atlântica
devido a mudanças climáticas. Mas o nível de resiliência essa savana é
muito mais alto que o da floresta. Mesmo assim estamos diante de um fenômeno
único”, comentou o pesquisador do Inpe.
A faixa do Sudeste, Sul, Centro Oeste brasileiro,
passando pelo Uruguai, grande parte da Argentina, Chile e Paraguai se encontram
na faixa dos desertos do hemisfério sul do planeta. A área que pega São Paulo,
Minas Gerais e Paraná, por exemplo, não são grandes desertos pelo regime de
chuvas provocado pela Mata Atlântica. A própria floresta também provocou
mudanças no clima costeiro do país até 100 quilômetros para dentro do
continente.
“Note que nos períodos de estiagem essas savanas
remanescentes e a própria região voltam a se comportar com um deserto. A
floresta pode acabar pela interferência do homem ou pelas mudanças climáticas,
mas esse cerrado permanecerá tal sua resiliência”, observou Martini.
A área que será o futuro parque foi trocada por
uma divida com a prefeitura. Ela se encontra em bom estado de conservação. O
objetivo de vereadores, técnicos da prefeitura e representantes da pastoral do
meio ambiente, ligada a igreja católica, é implementar o parque e preservar sua
biodiversidade o quanto antes, sem que sofra mais interferência da urbanização
que a circunda ou ações que desfigurem o bioma.
Para isso já fizeram um debate na Câmara
Municipal, que foi acompanhado por cerca de 60 pessoas. O evento foi organizado
pela Diocese e que simboliza um gesto concreto da Campanha da Fraternidade
2017, que tem como tema “Biomas brasileiros e defesa da vida” e como lema
“Cultivar e guardar a criação”. A Diocese de São José dos Campos defende
a preservação do bioma cerrado por meio da criação de um parque público.
O secretário de Urbanismo e Sustentabilidade,
Marcelo Manara, reafirmou a intenção em manter as áreas de preservação integral
da cidade e afirmou o interesse da prefeitura em implantar um parque do
cerrado. “Existe um processo para criar um parque do cerrado na Cetesb e temos
a intenção de prosseguir com o projeto”.
Segundo ele, uma área remanescente de cerrado de
cerca de 40 hectares, que equivale a 40 campos de futebol, na região sul deve
realmente abrigar o parque público. Segundo Manara, o núcleo possui grande
biodiversidade de espécies, além de ser única no Estado de São Paulo.
Em 2010 a prefeitura concluiu um estudo com o
mapeamento e levantamento florístico detalhado dos fragmentos de cerrado
presentes no município. As principais manchas de cerrado cortam toda a região
sul, passando pela área pertencente ao Departamento de Ciência e Tecnologia
Aeroespacial (DCTA) até a região leste.
A pesquisa contemplou o georreferenciamento das
áreas, a caracterização das fisionomias encontradas, entre espécies arbóreas,
herbáceas (arbustos e vegetação rasteira) e epífitas (como bromélias e
orquídeas), o levantamento florístico por amostragem e a documentação fotográfica
das áreas. Foram identificadas mais de 150 espécies, sendo que destas, 17
são endêmicas, exclusivas do cerrado da região, não ocorrendo em outras áreas
de cerrado do Estado de São Paulo.
Segundo a bióloga Letícia Brandão, do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o estudo demonstrou a
existência de espécies ameaçadas de extinção do cerrado e espécies encontradas
somente na região do Vale do Paraíba. Este estudo foi pioneiro no mapeamento
desta vegetação dentro do bioma ‘ Cerrado no Vale do Paraíba’, se se tornou um
importante instrumento para a conservação da biodiversidade regional.
O projeto temático Viabilidade de Conservação dos
Remanescentes de Cerrado do Estado de São Paulo, coordenado por Marisa Dantas
Bitencourt, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que
se desenvolve no âmbito do Programa Biota-FAPESP, desenvolvido no começo do ano
2000.
“Embora não estivesse no nosso roteiro original,
visitamos as ilhas de Cerrado do Vale do Paraíba, em São José dos Campos,
Caçapava e Taubaté. Lá, nos surpreendemos ao encontrar, encravadas em pleno
domínio da Floresta Ombrófila Densa (Mata Atlântica), áreas razoavelmente
extensas de Cerrado com todas as fisionomias campestres: campo limpo, campo
sujo, campo cerrado e cerrado stricto sensu, que não tínhamos visto nas outras
regiões. Também nos decepcionamos: em razão provavelmente de incêndios, a flora
do Cerrado no Vale do Paraíba é muito pobre”, comentou a pesquisadora da USP.
* Júlio Ottoboni
é jornalista diplomado, tem 31 anos de profissão, foi da primeira turma de
pós-graduação de jornalismo científico do Brasil, atuou em diversos veículos da
grande imprensa brasileira, tem cursos de pós-graduações no ITA, INPE,
Observatório Nacional e DCTA. Escreve para publicações nacionais e
estrangeiras sobre meio ambiente terrestre, ciência e tecnologia aeroespacial e
economia. É conselheiro de entidades ambientais, como Corredor Ecológico Vale
do Paraíba, foi professor universitário em jornalismo e é coautor de diversos
livros sobre meio ambiente. É colaborador Attenborough fixo da Agência
Envolverde e integrante da Rebia.
Fonte: ENVOLVERDE
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