É possível um mundo sustentado
por 100% de energia renovável até 2050? artigo de José Eustáquio Diniz Alves.
“Se você
construiu castelos no ar, não pense que desperdiçou seu trabalho;
eles estão
onde deveriam estar. Agora construa os alicerces”
Duzentos
anos do nascimento de Henry Thoreau (1817-1862)
Existe um
sonho na praça que vai acirrar o debate entre os tecnófilos e os tecnofóbicos.
O mundo pode ser abastecido 100% pelas energias renováveis até 2050. A lógica
para tal revolução energética adviria dos altos custos ambientais da energia
fóssil e da possibilidade do custo das energias renováveis (solar, eólica,
geotérmica, ondas, etc.) permanecer abaixo do custo de produção dos
combustíveis fósseis. Nesta situação, o fim dos subsídios aos combustíveis
fósseis e as próprias forças do mercado promoveriam a substituição das fontes
geradoras de altos níveis de dióxido de carbono para as fontes de baixa geração
de carbono.
Artigo de
Thomas Overton, no site Power Mag (03/01/17), mostra que o boom das energias
renováveis, impulsionado pela queda dramática dos custos, levou alguns
especialistas e figuras políticas a começar a falar seriamente sobre o que
outrora era ficção científica: um mundo totalmente alimentado por geração de
energia renovável. Ele questiona se é realmente viável ou econômico viabilizar
tal projeto. O gráfico abaixo mostra que o preço da energia solar caiu 100
vezes de 1911 a 2013 (e continua caindo). Desta forma, uma série de estudos
sugere que é – embora com algumas ressalvas importantes.
O artigo
relembra que, em 1950, a ideia de alimentar um país inteiro com energia solar
era ficção científica. Mas em 2017, muitos especialistas e políticos estão
falando que é um objetivo inteiramente viável. Diversos municípios em todo o
mundo fizeram da meta de 100% renováveluma questão de lei. Grandes corporações
como Google, Apple e Amazon declararam intenções de atender todas as suas
necessidades de energia a partir de fontes
renováveis. Até alguns países como a Dinamarca estão alvejando a geração 100%
renovável. O tratado climático da COP21, o Acordo de Paris, estabeleceu uma
meta de 100% de renováveis em todo o mundo até 2050, no conceito “equivalente
a 100% renovável”.
Diversos
trabalhos acadêmicos publicados tratam da meta “100% renovável”. O professor
Mark Jacobson e o pesquisador Mark Delucchi escreveram uma série de estudos
detalhando como o mundo e os EUA poderiam satisfazer todas as necessidades
energéticas com uma combinação de geração hidrelétrica, geotérmica, eólica e
solar. Eles descrevem como uma estimativa de 20,6 TW da demanda mundial total
de energia em 2050 poderia ser fornecida por cerca de 52,1 TW de capacidade
renovável mais ganhos de armazenamento e eficiência energética:
■ 2,5 milhões de turbinas eólicas
de 5 MW (mistura 60/40 de on- e off-shore) (37%)
■ 409.000 geradores de onda de 0,75
MW (0,5%)
■ 935 usinas geotérmicas de 100 MW
(0,7%)
■ 1.058 usinas hidrelétricas de 1,3
GW (4%)
■ 30.000 turbinas de maré de 1 MW
(0,06%)
■ 1,8 bilhões de sistemas
residenciais fotovoltaicos (PV) de telhado residencial de 5 kW (15%)
■ 75 milhões de sistemas fotovoltaicos
comerciais de 100 kW (12%)
■ 250.000 usinas fotovoltaicas de
50 MW (21%)
■ 21.500 centrais de 100 MW de
energia solar concentrada (CSP em inglês) com armazenamento térmico (10%)
■ 13.000 CSP de 100 MW
A combinação
de tecnologias que os autores chamam de “vento, água, e solar” (ou WWS em
inglês) poderia fornecer o mix energético necessário. A lista acima inclui
recursos já existentes, particularmente hidroelétricos. A estimativa pressupõe
avanços em eficiência energética, redução da demanda e redução do consumo de
energia em um mundo sem combustíveis fósseis. Sob este cenário, o mundo
alcançaria 80% de fontes renováveis até 2030 e cerca de 95% até 2040.
O roteiro
para a transição para 100% de energia renovável global prevê um mundo
alimentado quase inteiramente por energia solar e eólica, com pequenas
quantidades de energia hidrelétrica e geotérmica. Mas existem gargalos em
termos de recursos naturais. Um dos quais é a disponibilidade de neodímio (Nd)
necessária para geradores de turbinas eólicas, pois a produção mundial de Nd
precisaria ser quintuplicada para atender à demanda, algo que talvez não seja
viável. O mesmo acontece com o Lítio que é um recurso escasso e pode não ser
suficiente para as baterias caseiras e dos carros elétricos. A reciclagem destes
materiais teria que ser de uma eficiência além do que é conhecido hoje.
Quanto
custaria tudo isso? Segundo Thomas Overton, custaria muito. Em valores de 2013,
o custo estimado é de US$ 125 trilhões, mais do que o PIB mundial atual. Mas se
argumenta que grande parte desse dinheiro seria gasto de qualquer maneira em
outros recursos energéticos fósseis. O principal beneficiário seria evitar
impactos na saúde e ao desastre das mudanças climáticas. Ainda segundo o
artigo, embora a maioria dos estudos recomendem uma variedade de políticas para
apoiar a transição, a questão de saber se tal programa é politicamente e
socialmente viável permanece aberta.
Artigo de
David Roberts (Vox, 07/04/2017) diz que há razões para ceticismo e para
otimismo em relação à meta de 100% energia renovável até 2050. Para o caso dos
EUA, o vento e a energia solar geram um pouco mais de 5% da eletricidade
(Nuclear gera 20 por cento). A luta para passar de 5% para 60% deverá ser
épica. As barreiras políticas e sociais devem retardar esse crescimento do que
qualquer limitação técnica, especialmente a curto e médio prazo. Os
especialistas em energia entrevistados pela REN21, acreditarem que a previsão
de 100% das energias renováveis é uma hipótese “razoável e realista”, mas eles
não esperem que isso aconteça em meados do século.
Contudo, mesmo que os 100% de energia renovável na rede elétrica sejam
alcançados, a mudança da matriz energética é apenas um dos elementos para
evitar a degradação do meio ambiente. Pode ser que 2050 já seja uma data muito
remota para evitar o colapso ambiental e o agravamento da crise ecológica até
um ponto de não retorno. As necessidades de transformação do modelo
“Extrai-Produz-Descarta” e o aumento da entropia requerem uma grande
transformação da forma de produção e consumo do mundo. As mudanças requeridas
são gigantescas. Mas, certamente, a mudança da matriz energética é uma
necessidade indispensável e inadiável na busca de qualquer solução para salvar
o Planeta.
Referência:
ALVES, JED.
Energia renovável: um salto na evolução? Ecodebate, RJ, 29/01/2010
ALVES, JED.
Energia renovável com baixa emissão de carbono, RJ, Cadernos Adenauer 3, 2014
ALVES, JED.
100% energia renovável, Rio de Janeiro, Cidadania & Meio Ambiente, n. 54,
v. X, p. 6-10, 2015. (2177-630X) http://pdf.ecodebate.com.br/rcman54.pdf
Thomas Overton. A 100% Renewable Grid: Pipe Dream or Holy Grail?,
PowerMag, 03/01/2017
David Roberts. Is 100% renewable energy realistic? Here’s what we know.
Vox, 07/04/2017
José
Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território
e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas –
ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate
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