Dossiê do WWF-Brasil denuncia
perigoso retrocesso na legislação ambiental brasileira.
Colniza,
MT, Brasil: Área degradada no município de Colniza, noroeste do Mato Grosso.
(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Ofensiva abrange unidades de conservação federais
de Norte a Sul. Grilagem de terras e mineração são vetores do desmanche.
Um desmonte de quase 80 mil quilômetros quadrados –
equivalente ao território de Portugal – em áreas protegidas federais no Pará,
Amazonas e Santa Catarina é o que está prestes a acontecer no Brasil. São
parques nacionais, reservas biológicas e florestas nacionais que deveriam estar
sob o mais rigoroso cuidado devido à sua importância mundial, mas que sofrem
neste momento um ataque sem precedentes promovido com o apoio de setores do
governo e do Congresso Nacional e de interesses contrários ao meio ambiente. O
conflito não é novo. A novidade é a abrangência e a estratégia de desmanche da
investida.
De um lado estão produtores rurais que ocupam
irregularmente ou gostariam de ocupar essas áreas protegidas, empresas de
mineração ou grileiros de terras públicas. De outro, o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), que colocou o Brasil ao final da década passada
na posição de líder mundial em extensão de áreas protegidas.
Na medida em que um dos lados ganha mais força, o
impacto nas áreas protegidas pode resultar em mais desmatamento da Amazônia, com
prejuízo às metas brasileiras para a redução das emissões de gases de efeito
estufa na Convenção do Clima das Nações Unidas, além de implicar o desmonte do
Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e ameaçar os compromissos
assumidos pelo país na Convenção da Diversidade Biológica (CDB). O alerta está
em um dossiê lançado pelo WWF-Brasil.
Segundo o documento, o potencial do estrago é enorme.
Basta dizer que um dos projetos em tramitação no Congresso Nacional, o PL 3751,
torna caducos todos os atos de criação de unidades de conservação cujos
proprietários privados não foram indenizados no período de cinco anos.
Para se ter uma ideia do impacto dessa proposta, o
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) calculou em 56
mil quilômetros quadrados a extensão de terras privadas ainda não indenizadas
no interior de UCs federais, mas o número poderia chegar a 100 mil quilômetros
quadrados, segundo o próprio instituto.
Caso aprovada, a proposta representaria o
desaparecimento de aproximadamente dez por cento das áreas protegidas em UCs
federais no país, que somavam, em agosto passado, 788 mil quilômetros
quadrados. Isto é dez por cento do total do território protegido das UCs
federais.
A proposta apresentada pelo deputado Toninho
Pinheiro (PP-MG) em 2015 também impede a criação de novas UCs sem “prévia e
justa” indenização em dinheiro e é apenas um dos projetos que tramitam no
Congresso, exemplares do fenômeno que a literatura acadêmica trata como PADDD,
do inglês Protected Area Downgrading, Downsizing and Degazettement (redução,
recategorização e desafetação de áreas protegidas).
Alto impacto
A ofensiva contra as UCs vem ganhando fôlego desde
dezembro do ano passado, a partir da publicação de medidas provisórias pelo
presidente Temer, destaca o dossiê do WWF-Brasil. O alvo principal era a
Floresta Nacional do Jamanxin, criada para conter o desmatamento na região da
BR-163, no Pará.
A exposição de motivos assinada pelo ministro do
Meio Ambiente, José Sarney, chamava a atenção para a alta taxa de desmatamento
ilegal na Flona Jamanxim, problema atribuído aos conflitos fundiários
remanescentes e à atividade garimpeira ilegal na região de grande potencial
aurífero na Bacia do Tapajós.
Outra medida provisória editada no mesmo dia tinha
como justificativa a passagem de uma ferrovia para transporte de grãos. A Flona
Jamanxim perdia ali 57% de seu território, que deixavam de ser protegidos ou
passavam a ser menos protegidos, com a liberação de atividade econômica. Mas o
estrago ficaria bem maior no Congresso.
O texto do dossiê lembra que, antes, no início de
fevereiro, um grupo de parlamentares da bancada do Amazonas recebeu aceno
favorável do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) de que o Planalto encamparia
proposta de mudança em UCs no Estado, que compromete mais um milhão de hectares
atualmente protegidos.
O lobby tem como alvo a extinção ou redução de
cinco unidades de conservação criadas em 2016, em áreas previamente
regularizadas do ponto de vista fundiário: a Reserva Biológica Manicoré, o
Parque Nacional de Acari, a Floresta Nacional de Aripuanã, a Floresta Nacional
de Urupadi e a Área de Proteção Ambiental Campos de Manicoré.
Em abril, comissões especiais do Congresso Nacional
alteraram as medidas provisórias editadas por Temer em dezembro, ampliando o
tamanho do dano ambiental, para mais de um milhão de hectares que deixam de ser
protegidos. O avanço contra as UCs no Pará foi comemorado no plenário pelo
senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), uma espécie de ícone da luta contra as UCs no
Congresso.
Segundo o senador, o resultado das votações, a ser confirmado pelo
plenário antes de ir à sanção presidencial, “oferece oportunidade aos
produtores rurais de regularizarem suas áreas e atividades produtivas”.
Documentos a que o WWF-Brasil teve acesso mostram
que o ataque às áreas protegidas já havia ganho aliados dentro do próprio
governo. Em nota técnica, o Ministério de Minas e Energia endossa interesses
dos mineradores de ouro que atuam na região do Tapajós e sobretudo da empresa
Brazauro Recursos Minerais, subsidiária da Eldorado Gold, com sede no Canadá.
A nota alega que a empresa havia investido US$ 76
milhões no projeto “Tocantizinho”, no qual planeja investir mais de meio bilhão
de dólares. O MME contabilizou ainda dezenas de autorizações de pesquisa e
permissões de lavra garimpeira, que teriam de ser ressarcidos por conta da
alteração de limites das UCs proposta pelo governo, além de mais de 250
requerimentos de lavra garimpeira na região.
Santa Catarina
Além de a ampliação do Parque Nacional do Rio Novo
(uma medida compensatória as reduções propostas) ter sido barrada pelo
Congresso, o ICMBio calcula que a Floresta Nacional do Jamanxim perca quase 815
mil hectares de seu território com base nas propostas aprovadas nas comissões.
A perda para a biodiversidade também é grande na alteração dos limites da
Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, que protegem nascentes de
rios que formam as bacias do Xingu e do Tapajós.
“Temos de lembrar dos compromissos assumidos no
Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que apoia a gestão de UCs na
Amazônia, com aportes de recursos externos. Os financiadores deverão cobrar
explicações sobre o que está ocorrendo no Brasil”, adverte Maurício Voivodic,
diretor executivo do WWF-Brasil.
O avanço contra as UCs nas votações de abril
extrapolou os limites da Amazônia e alcançou até o Parque Nacional de São
Joaquim em Santa Catarina, que teve seus limites alterados, por pressão de
produtores rurais instalados na região. Trata-se de uma área de remanescentes
de mata de araucária, importante na recarga de aquíferos, segundo o ICMBio. Na
votação da Medida Provisória 756, o Parque perdeu 20% de seu território.
Mato Grosso
Também em abril, em outro expediente apressado, a
Assembleia Legislativa do Mato Grosso aprovou em primeira votação projeto que
extingue o Parque Estadual Serra Ricardo Franco, uma área de proteção integral
de mais de 158 mil hectares, criado há 20 anos.
O pretexto apresentado pelos deputados foi o fato
de a região estar bastante desmatada, não justificando a manutenção do status
de área protegida. O Parque abriga fazendas do chefe da Casa Civil de Temer,
Eliseu Padilha, que teve os bens bloqueados no final do ano passado pela
Justiça do Mato Grosso por degradação ambiental. Sinal que de que a ofensiva às
UCs não se limita às áreas federais.
Fonte: Eco
Debate
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