China
pode acabar com a indústria do marfim e ajudar a preservar os elefantes
africanos.
Por Janes Rocha*, de São Paulo, especial para a
Envolverde –
Entrevista com a ativista Paula Kahumbu, da
ONG WildLifeDirect, que já atuou no controle do marfim para o governo do Quênia
agora dedica seu trabalho para a preservação de elefantes e combate ao tráfico
de suas presas.
Até o fim do ano, o governo chinês deverá encerrar
um setor inteiro de atividade baseado no marfim. Começou em 31 de março com o
anúncio, pela autoridade florestal, de cassação de 67 licenças, incluindo 12
das 35 fábricas de entalhe de peças e dezenas dos mais de 130 varejistas
autorizados.
Quando concluído o processo, terá sido o último
capítulo de uma fracassada experiência internacional de comércio legal de
presas de elefantes. Em 2008, os chineses conseguiram aprovar junto à convenção
internacional sobre comércio de espécies ameaçadas da flora e da fauna (Cites,
na sigla em inglês) uma cota para comercialização de marfim de forma legal. Mas
ao invés da caça controlada pela demanda previsível do consumo, a investida da
China fez disparar o preço do marfim no mercado internacional, estimulando
ainda mais a caça ilegal.
“Foi uma experiência muito infeliz”, avalia a
queniana Paula Kahumbu, da ONG WildLifeDirect, uma das mais conhecidas na luta
pela preservação animal. O encerramento do mercado legal foi uma vitória para
ativistas da defesa dos elefantes como Paula, já que a China é de longe o maior
consumidor de produtos fabricados com os dentes dos animais que, devido à
matança, estavam entrando para a lista de ameaçados de extinção.
Paula
Kahumbu, da ONG WildLifeDirect
PhD em Ecologia pela Universidade de Princeton,
Paula passou por São Paulo semana passada para promover a campanha
#namethemsavethem, patrocinada pela fabricante de licores Amarula, e visitar o
primeiro santuário de elefantes da América Latina, situado no Mato Grosso. A
seguir, alguns trechos da entrevista exclusiva dela para o Envolverde.
Por que o sistema de cotas de caça de elefantes
para a China não deu certo?
Paula Kahumbu – O problema é que o consumo de marfim na China é
astronômico, porque é um produto muito tradicional, é considerado um talismã,
dá prestígio, as pessoas querem e têm dinheiro para pagar. Com essa abertura de
comércio legal, os preços subiram para 2.000 dólares o quilo (em 2014, agora
caíram para cerca de 700 dólares com a notícia da saída da China).
Qual o reflexo sobre os animais?
PK – A matança de elefantes para suprir essa demanda é
grande, perdemos centenas de animais, assassinados por pessoas armadas por carteis
criminosos que suprem essas armas. É uma atividade também ligada a terrorismo.
É similar ao caso dos leões? Como o Cecil, morto
(em 2015) por um caçador americano?
PK – Não, é diferente. Existe licença para matar leões e
as armas usadas são legais. No caso de Cecil mataram o leão errado, mas com
armas legais.
No caso dos elefantes, as armas são ilegais? São as
mesmas armas?
PK – Não, no caso dos elefantes são armas russas e
checas, adquiridas ilegalmente. É uma situação muito diferente da caça, existe
caça legal de animais em Zimbábue, Botswana e África do Sul, um negócio
altamente controlado. Por isso fizeram vistas grossas para o assassinato do
Cecil porque os governos destes países não querem interromper a vinda de
americanos para caça. No caso do marfim, o mercado não é para caça, é para
comércio e tráfico. É o mesmo dinheiro que circula no tráfico de armas e
drogas. Como uma milícia do Sudão consegue armas? Eles não têm dinheiro, então
vendem o que aparecer – marfim, madeira, minérios – para fazer caixa e comprar
as armas com as quais cometem as atrocidades que temos visto em países como
Sudão e Congo. O marfim é parte de um problema muito maior de segurança na
África.
E como está a mobilização para combater o tráfico?
PK – Tem sido feita em vários níveis e, no nosso caso,
no Quênia, como organização, nós trabalhamos com o governo para expor o
problema e endereçar as atividades ilegais, mover os processos, levar à prisão
dos envolvidos. Mas agora outros governos africanos estão agindo em conjunto,
no âmbito nas Nações Unidas. Porque agora se reconhece que houve um equívoco
quando se decidiu fazer uma venda legal como experiência.
Quais os resultados até agora?
PK – Muitos governos estão agindo para levantar recursos
para impedir o tráfico e educar as pessoas para interromper a demanda. A China
anunciou o ano passado que finalmente vai interromper o comércio legal este
ano, em novembro ou dezembro. Outros países estão agindo em outras frentes,
queimando os estoques de marfim. No Quênia queimamos 105 toneladas de marfim no
ano passado para eliminar qualquer possibilidade de venda. China e Hong Kong
recentemente esmagaram uma enorme quantidade do produto.
A China é o maior comprador, quais são os outros?
PK – Japão, Vietnam, Filipinas, Tailândia. A Europa e a
América foram grandes compradores nos anos 1960 e 1970 até 1980 para a produção
de teclas de pianos, bolas de bilhar, escovas de cabelo, etc. Hoje a demanda de
marfim nestes países é por pequenas peças para joias. É um problema – não tão
grande quanto a China – mas ainda ameaça a vida de elefantes.
Conte um pouco sobre o esforço da WildLifeDirect e
como você entrou nessa luta.
PK – Eu sou queniana, comecei a me interessar pela
questão do marfim quando deixei a escola.
Trabalhava em um escritório de
contabilidade das reservas de marfim do governo e, junto com uma equipe,
fazíamos o rastreamento e identificação dos animais.
Reservas do governo?
PK – Sim, em todos os países da África que têm
elefantes, o marfim é considerado uma espécie de reserva, como se fosse
guardado em um cofre.
E continuou pesquisando?
PK – Sim, foi o tema do meu PhD. O Quênia tem a quarta
maior população de elefantes da África e eles vêm sendo estudados há muitos
anos no país. Em alguns locais conhecemos os elefantes pelo nome. Com a
reabertura da venda legal, eu decidi partir para uma ação mais política, mas
quando vi que não podíamos parar o mercado, mudei para o setor privado.
O que aconteceu depois da abertura da cota para a
China?
PK – Quando foi aberto o comercio legal para a China, a
caça ilegal voltou a crescer. Nós denunciamos, as pessoas diziam que estávamos
mentindo, mas investigamos, fotografamos e comprovamos. Em uma de nossas buscas
fotografamos 12 elefantes assassinados. Com a análise de DNA verificamos que
todo o marfim traficado de outros países como Tanzânia, Congo ou Uganda,
passava pelo Quênia e questionamos o porquê disso. Descobrimos que a penalidade
era muito baixa, se fosse flagrado, pagava uma multa de no máximo 400 dólares;
passavam propina para a polícia, todo sistema estava corrompido. Então
solicitamos ao presidente que declarasse desastre nacional.
E qual foi a reação?
PK – Claro que disseram que estávamos doidos, que
estávamos inventando história, sofremos retaliações. Mas em 2013 ganhamos a
adesão da primeira dama (Margaret Kenyatta) para conter a caça ilegal e o
comércio. Nosso argumento era que os caçadores ilegais eram um problema, mas o
grande criminoso era quem pagava a eles, esse deveria ser preso. E esse era o
traficante Faisal Mohamed Ali (empresário queniano). Descobrimos que ele
organizava toda a operação, mas parecia intocável, ninguém conseguia prendê-lo
porque, depois se soube, a polícia o protegia. Ele fugiu do país, mas pedimos
ajuda da Interpol, publicamos fotos dele por todo o país. Em novembro de 2014
ele foi preso na Tanzânia e trazido para o Quênia para julgamento. Embora ele
tenha destruído ou desaparecido com muitas das provas, foi condenado a 20 anos
de cadeia.
A prisão de Faisal trouxe resultados positivos para
a campanha contra a caça ilegal?
PK – Sim, a prisão dele mandou uma mensagem muito forte
para todos. E com isso a caça diminuiu dramaticamente e, consequentemente, a
morte de elefantes caiu de 400 por ano em 2012 para 60 em 2016.
E sobre a parceria com a Amarula, o que espera?
PK – A parceria nos deu uma grande exposição, porque a
Amarula está em mais de cem países. A mensagem pode ser lida em todos estes
mercados, e a campanha #namethemsavethem vai no coração das pessoas. Há muitas
razões para não querer a caça ilegal, o tráfico, mas o que queremos é que as
pessoas não comprem marfim. Essa campanha faz com que as pessoas se
identifiquem como indivíduos, quase como seres humanos, porque os elefantes têm
personalidade. É uma campanha bem legal, divertida, criativa.
E sobre o Santuário dos Elefantes no Mato Grosso,
qual a importância da iniciativa?
PK – Não conheci ainda, mas a intenção é apoia-los.
Elefantes cativos em zoológicos e outros locais é um tema relevante no Quênia
também. Temos uma abordagem para a vida selvagem que é diferente de outros
países. Muitos dos elefantes africanos que hoje estão na América do Sul, do Norte
ou em outros países, vieram do sudeste da África (Zimbábue, Botswana). Essa é a
diferença: o Quênia não vende animais selvagens, especialmente elefantes.
Referências:
*Janes Rocha é jornalista com destacada atuação em
meios econômicos como DCI, Gazeta Mercantil, jornal Valor Econômico e outras
importantes publicações brasileiras.
Fonte: ENVOLVERDE
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