Oriente
Médio pode se tornar inabitável.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 15/3/2017 – Novos dados confirmam que
o Oriente Médio e o norte da África poderiam se tornar inabitáveis em algumas
décadas, já que a disponibilidade de água doce diminuiu quase dois terços nos
últimos 40 anos, algo que muitos cientistas já temiam. A escassez não afeta
apenas o já precário fornecimento de água potável na maioria dos 22 países da
região, onde vivem quase 400 milhões de pessoas, mas também a disponibilidade
desse recurso para a agricultura e a produção alimentar da população em rápido
crescimento.
A disponibilidade de água doce por habitante no
Oriente Médio e norte da África é dez vezes menor do que a média mundial. Por
outro lado, as mais altas temperaturas podem reduzir as safras de cultivos em
18 dias e diminuir os rendimentos agrícolas entre 27% e 55% até o fim deste
século.
Além disso, os recursos de água doce da região estão entre os menores
do mundo e a estimativa é que diminuam mais de 50% até 2050, segundo a
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Outro problema é que 90% da superfície total de
terra está em zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, enquanto 45% da
superfície agrícola total está exposta à salinidade, ao esgotamento dos
nutrientes do solo e à erosão hídrica do vento, acrescenta a FAO. A agricultura
regional utiliza cerca de 85% da água doce disponível, e mais de 60% dos
recursos hídricos procedem de zonas externas às fronteiras nacionais e
regionais.
O lençol freático está descendo nos oásis do
deserto do Egito, o que gera problemas de sustentabilidade. Foto: Cam
McGrath/IPS
Essa alarmante situação levou o diretor-geral da
FAO, José Graziano da Silva, a pedir medidas urgentes. O acesso a água é uma
“necessidade fundamental para a segurança alimentar, saúde humana e
agricultura”, e sua iminente escassez no norte da África e Oriente Médio exige
uma “resposta urgente e maciça”, ressaltou em sua visita ao Cairo, onde, no dia
9 deste mês, se reuniu com altas autoridades egípcias.
Enquanto isso, o aumento do nível do mar no delta
do Nilo – que abriga as terras mais férteis do Egito – expõe o país mais
habitado da região, com quase cem milhões de pessoas, à perda de partes
substanciais de sua terra fértil mais produtiva, devido à salinização. “A
competição entre os setores pelo uso da água se intensificará no futuro, entre
agricultura, energia, produção industrial e as necessidades das famílias”,
advertiu Graziano.
O diretor-geral participou de uma reunião de alto
nível sobre a colaboração da FAO com o Egito na iniciativa “1,5 milhão de
feddan” (equivalente a 0,42 hectare), um plano do governo para recuperar até
dois milhões de hectares de terras desérticas para uso agrícola e de outro
tipo. “O Egito precisa estudar seriamente a escolha dos cultivos e dos padrões
de consumo”, recomendou Graziano, lembrando o possível desperdício de água que
representa o cultivo de trigo.
Entre as “medidas urgentes” necessárias estão as
“destinadas a reduzir a perda e o desperdício de alimentos e reforçar a
resiliência dos pequenos camponeses e agricultores familiares, o que exige
implantar uma combinação de intervenções de proteção social, investimentos e
transferência de tecnologia”, detalhou Graziano. A FAO lidera a Iniciativa de
Escassez de Água no Oriente Médio e Norte da África que oferece assessoria em
matéria de políticas e ideias de melhores práticas sobre a governança nos
sistemas de irrigação e tem apoio de uma rede de mais de 30 organizações
nacionais e internacionais.
Vários estudos científicos sobre o impacto da
mudança climática em curso na região do Oriente Médio, particularmente na zona
do Golfo, já advertiam para o problema. “Neste século, partes da região do
Golfo Pérsico poderiam ser afetadas por eventos sem precedentes de calor mortal
como resultado da mudança climática, segundo um estudo de modelos climáticos de
alta resolução”, alertava uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos.
A pesquisa, intitulada O Golfo Pérsico Poderia
Experimentar Calor Mortal, revela o que acontecerá se as emissões de
gases-estufa se mantiverem iguais às atuais, mas também mostra que a redução
das mesmas poderia prevenir esses “extremos mortais da temperatura”. O estudo,
publicado pela revista Nature Climate Change, foi elaborado por Elfatih
Eltahir, professor de engenharia civil e ambiental do MIT, e Jeremy Pal, da
Universidade Loyola Marymount.
Os autores concluíram que as condições na região do
Golfo, incluindo suas águas pouco profundas e o sol intenso, a convertem em um
“ponto estratégico regional, onde a mudança climática, na falta de mitigação
significativa, provavelmente afetará gravemente a habitabilidade humana no
futuro”.
Ao aplicar versões de alta resolução de modelos
climáticos correntes, Eltahir e Pal descobriram que muitas cidades poderiam
superar um ponto de inflexão para a sobrevivência humana, inclusive em espaços
sombreados e bem ventilados. Eltahir diz que esse umbral, “pelo que sabemos,
nunca foi reportado em nenhum lugar do planeta”. Por sua vez, a última
avaliação do IPCC prevê que o clima árido e quente se acentuará na maior parte
do Oriente Médio e do norte da África.
Fonte: ENVOLVERDE
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