Automóveis,
poluição, doenças. Como mudar?
Washington Novaes* –
Por que dar incentivos fiscais e subsídios para um
equipamento ocioso em 80% do tempo?
No mesmo dia em que alguns jornais divulgavam a
notícia de que o Brasil é o país onde o proprietário passa mais tempo dentro do
automóvel – 4 anos e 11 meses de vida, ante 4 anos e 3 meses do argentino, 4
anos do europeu, 3 anos e 1 mês dos chineses (CSA Research, 3/3) –, informou-se
que o item mais importante para a redução de 20% nos acidentes (no Estado de
Goiás, por exemplo) foi o uso do farol, tanto no caso de acidentes com vítimas
como nos sem vítimas. Nos acidentes com vítimas de morte a redução num mesmo
período de 2016 e 2017 foi de 37,9%; nos acidentes com outras vítimas, redução
de 7,55%; e nos casos sem vítimas, de 29,6%. As estatísticas também foram
favoráveis nos casos de colisão e em mais de mil casos de atropelamento. São
números importantes num país onde os acidentes dessa ordem costumam ser altos.
Já a poluição atmosférica no Estado de São Paulo,
na visão de pesquisa coordenada pelo professor Paulo Saldiva, poderá explicar
15% dos casos de enfarte. Se reduzida em 10%, poderá evitar a morte em mais de
10 mil casos, além de se obterem avanços no tratamento de centenas de milhares
de casos de asma e reduzir a perda de milhões de horas de trabalho.
“Ambientes poluídos e insalubres matam 1,7 milhão
de crianças por ano” em todo o mundo, de acordo com relatório divulgado pela
Organização Mundial de Saúde (OMC) nesta semana. Uma em cada quatro mortes de
crianças com menos de 5 anos está relacionada com ambientes poluídos e
insalubres. Poluição do ar e da água, fumo passivo, falta de saneamento básico
e de infraestrutura adequada de higiene também são fatores muito relevantes. E
a maior parte deles poderia ser evitada. Principalmente com o acesso ao
saneamento básico e o uso de combustíveis limpos.
Além disso, enfatiza o relatório, a exposição a
ambientes insalubres pode começar durante a gravidez, aumentando o risco de
partos prematuros. E as crianças expostas à poluição atmosférica e ao fumo
passivo podem ter mais risco de contrair pneumonia e de desenvolver doenças
respiratórias crônicas, como a asma.
Serra Leoa é o país com a maior incidência dessas
doenças. Ali morrem 780,6 crianças de até 5 anos de idade por 100 mil
habitantes, por causa de doenças atribuídas ao meio ambiente. No Brasil, a taxa
é de 41,38 mortes. O principal problema é a falta de saneamento básico. Segundo
a OMS, a situação não é tão alarmante como a da China e da Índia. Há um esforço
para melhorar a qualidade do ar. A situação da água melhorou nos últimos anos,
“mas não é a ideal”.
O que mais impressionou os pesquisadores, em quase
todos os lugares, foi o impacto da poluição atmosférica dentro dos lares na
saúde infantil. E sob esse ângulo, a poluição advinda da energia é um fator
relevante. Precisa ser atacado, substituindo o querosene por lâmpadas solares;
o fogão a lenha pode ser substituído por fogões elétricos, tão eficientes
quanto os fogões a lenha, sem causar poluição. Quase 600 mil crianças morrem a
cada ano por causa da poluição, principalmente a gerada dentro dos lares,
ressalta a OMS.
Lixo eletrônico é outro problema que expõe as
crianças a toxinas que podem danificar os pulmões e levar ao câncer, além de
redução no desenvolvimento cognitivo e déficit da atenção.
Segue o relatório da OMS relatando problemas com
mudanças climáticas, como o aumento da temperatura e de níveis de dióxido de
carbono na atmosfera, que favorecem a liberação de pólen pelas plantas, que
está associado ao desenvolvimento da asma. Entre 11% e 14% das crianças abaixo
de 5 anos são as maiores vítimas da asma, 44% relacionadas com o ambiente.
Nesse panorama, é muito preocupante a notícia
divulgada pelas indústrias de automóveis de que até o final desta década o
número de carros nas ruas dobrará. Essa perspectiva está levando a muitos
programas de enfrentamento – BRTs e vias para bicicletas em Buenos Aires, trens
de alta velocidade em 6.800 quilômetros nos EUA, espaços compartilhados por
veículos e pessoas em vários países, pagamento de pedágio por automóveis em
vias urbanas.
Mas fica a pergunta para vários países, incluído o Brasil: por que conceder incentivos fiscais e subsídios para automóveis, equipamento que permanece ocioso em 80% do tempo?
De Roma, vem a notícia (Plurale, 2/3) de que o papa
Francisco aceitou a doação de uma instituição e “passará a usar um carro 100%
elétrico durante um ano, como parte de um projeto-piloto que visa a demonstrar
que essa tecnologia é boa para o ambiente e a economia. A consultoria doadora
também doou quatro estudos sobre como transformar o Vaticano num dos primeiros
Estados do mundo a usar 100% de energias renováveis, num ambiente com 100% de
mobilidade livre de emissões”.
Há muitos outros ângulos. A ONU, por exemplo, fez
um estudo em Barcelona, preocupada com os espaços urbanos, a perda de espaços
públicos, calçadas, praças, e com a insuficiência dos transportes públicos. Sua
recomendação é manter políticas participativas, tratar de relações entre
bairros antigos e mais novos, que têm necessidades diferentes. Hoje o espaço
público tem, no máximo, 30% da área total das cidades.
Mas é preciso lembrar que a população no mundo
chegará a 10 bilhões de pessoas em 2050 (hoje já são mais de 3,9 bilhões). E
lembrar o desafio, já presente, das megacidades. Tóquio tem 38 milhões de
pessoas; Délhi, 25 milhões; a Grande São Paulo já passou de 20 milhões. E no
centro de toda a questão está o problema da mobilidade urbana, a presença do
automóvel.
A cidade de Goiânia, por exemplo, que foi concebida
para ter, no máximo, 100 mil habitantes, hoje tem 1,43 milhão e uma frota de
1,15 milhão de veículos. Não é muito diferente de outras capitais de Estados e
grandes cidades – até porque, em geral, não temos políticas para áreas
metropolitanas.
- Washington
Novaes é jornalista – e-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Fonte: ENVOLVERDE
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