15 frases
de políticos sobre clima que não fazem o menor sentido.
Observatório do Clima, que está completando 15
anos de atividades
Uma das tragédias sobre a mudança
climática é o fato de que os políticos, que deveriam liderar a solução do
problema, demonstram conhecimento limitado do assunto – seja por ignorância,
seja por má fé, seja simplesmente por escorregões de discurso.
Na semana em que completa 15 anos, o OC
selecionou 15 bobagens ditas por políticos de vários países a respeito de temas
de clima, como energia, agricultura e florestas. A lista, evidentemente, não é
exaustiva.
1 – “O conceito de aquecimento global foi criado pelos e para os chineses de forma a tornar a manufatura americana não-competitiva.” (Donald Trump, 2016).
O tuíte mais famoso de Trump sobre o tema durante
a campanha revela a extensão de sua ignorância.
Obviamente o conceito de
aquecimento global não foi criado pelos chineses. Dependendo do que você
entende por “conceito de aquecimento global”, ele foi criado pelos franceses,
pelos britânicos ou pelos suecos, e muito antes de os EUA se tornarem líderes
industriais do mundo. Em 1824, o francês Joseph Fourier descobriu o efeito
estufa; em 1859, o irlandês John Tyndall descobriu o papel dos gases de efeito
estufa para explicar a descoberta de Fourier; e em 1896 o sueco Svante
Arrhenius disse que, a quantidade de CO2 na atmosfera dobrasse, o aquecimento
global seria da ordem de 5oC.
A expressão “aquecimento global” foi
usada pela primeira vez num trabalho científico em 1975, muito antes da
ascensão econômica da China. E seu autor é um americano.
2 – “Ela não tem espaço, a fantasia. Eu não posso falar: ‘olha é possível só com eólica de iluminar o planeta’. Não é. Só com solar, de maneira alguma.” (Dilma Rousseff, 2012)
A então presidente usou sua primeira reunião do
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, às portas da conferência Rio +20, para
espezinhar as energias renováveis com a sutileza de sempre. Quando Dilma
cometeu esse discurso, a energia eólica já tinha preço equivalente ao da
hidrelétrica. E hoje é a fonte que mais cresce no Brasil – e o Brasil foi o quarto
país que mais investiu em eólica em 2015, ano em que a recessão produzida
por Dilma e sua equipe bateu à nossa porta.
3 – “O meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável” (Dilma Rousseff, 2009)
Até hoje ninguém sabe o que a presidenta, então
ministra da Casa Civil, quis dizer com essa pérola, enunciada em seu discurso
inaugural na conferência do clima de Copenhague.
4 – “A Floresta Nacional do Jamanxim [era] a unidade de conservação que mais desmatava no país e (…) a alteração de seus limites aumentaria as chances de preservação” (Sarney Filho, 2017)
O ministro Sarney Filho vem lutando bravamente
contra os retrocessos ambientais do governo Temer e de seus aliados na bancada
ruralista. Mas mandou mal na carta enviada à Folha de S.Paulo
para contestar um artigo do OC segundo o qual a redução
da área da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, foi um presente aos
desmatadores da Amazônia. A carta parece advogar a solução “jogue fora o sofá”
para o problema do desmatamento em áreas protegidas: em vez de punir quem
desmatou, o governo deixa de proteger a área, e “Shazam! Seus problemas
acabaram!” Estudos têm mostrado que a redução do Jamanxim, feita por Medida
Provisória, beneficiou
grileiros que ocuparam a Flona depois de sua criação.
5 – “O presidente deixou claro (…) Não vamos gastar mais dinheiro com isso. Isso é um desperdício do seu dinheiro” (Mick Mulvaney, 2017)
O diretor de Orçamento do governo Trump estava se
referindo à mudança climática, setor que foi particularmente vitimado pelos
cortes orçamentários propostos pelo presidente dos EUA. O que Mulvaney
provavelmente sabe, mas preferiu omitir, é que combater a mudança do clima é
investimento, não gasto. Onze anos atrás, o célebre Relatório Stern já mostrava
que os efeitos do aquecimento global custariam 5% do PIB do planeta por ano,
contra 1% do custo de evitá-los. Em 2015, o Departamento de Defesa, principal
beneficiário do orçamento de Trump, publicou um relatório qualificando a mudança climática
como uma ameaça à segurança. E o próprio secretário de Defesa de Trump,
James Mattis, disse que a segurança nacional estava ameaçada pela mudança do
clima. Portanto, gastar mais em armamentos sem cuidar do clima é enxugar gelo.
Ou, nas palavras de Mulvaney, um “desperdício do seu dinheiro”.
6 – “Você não conseguiu ainda a tecnologia para estocar vento” (Dilma Rousseff, 2015)
Dilma estava
querendo dizer, possivelmente, que usinas eólicas têm baixo fator de
capacidade, ou seja, que quando não venta elas não geram energia, portanto,
seriam menos “confiáveis” que as grandes hidrelétricas que a ex-presidente
tanto amava. Ocorre que o Brasil tem, sim, uma forma bastante eficiente de
“estocar vento”: são justamente os reservatórios das hidrelétricas. Quando
chove no Sul do país está ventando no Norte, e vice-versa; como o sistema é
interligado, na prática a energia hídrica abastece os consumidores quando as
eólicas não estão gerando, e as eólicas abastecem os consumidores na época da
seca.
7 – “Eu não concordaria que [o CO2] seja um contribuinte primário para o aquecimento global que nós vemos hoje” (Scott Pruitt, 2017)
A incapacidade do advogado Scott Pruitt para
gerir a Agência de Proteção Ambiental, o equivalente ao Ministério do Meio
Ambiente dos EUA, já foi cantada em prosa e verso. Mas o insistente
negacionismo das mudanças climáticas de Pruitt não pode ser atribuído a outra
coisa senão má-fé. Qualquer pessoa com acesso à internet consegue achar em dois
cliques o gráfico acima, produzido dez anos atrás
pelo IPCC (o painel de climatologistas da ONU). Ele mostra que a única maneira
pela qual os modelos climáticos conseguem reproduzir o aquecimento global
observado no último século (linha preta) é incluindo nas simulações os efeitos
do CO2 produzido por atividades humanas (faixa rosa).
8 – “Ess a questão do clima é delicada porque o mundo é redondo. Como o mundo gira e a gente passa debaixo de onde está mais poluído a responsabilidade é de todos” (Luiz Inácio Lula da Silva, 2009)
Lula não entende nada de momento angular ou de força de
Coriolis. Mas encontrou uma explicação instintiva muito didática, ainda que
errada, para o fato de os gases-estufa se misturarem na atmosfera do planeta e
afetarem a todos, independente de onde sejam produzidos. Mais do que isso, Lula
usou a expressão certa – “responsabilidade de todos” – para se referir ao
problema. Seus sucessores podem ter até mais conhecimento de circulação
atmosférica, mas não têm dado a mesma importância que ele deu ao tema.
9 – “Os cientistas continuam discordando quanto ao grau e à extensão do aquecimento global e sua conexão com as ações da humanidade. Esse debate deveria ser incentivado – em salas de aula, em fóruns públicos e nos salões do Congresso. Ele não deveria ser silenciado com ameaças de perseguição” (Scott Pruitt)
Pruitt propositalmente ignora o consenso
científico em torno da “extensão do aquecimento global e sua conexão com as
ações da humanidade”: 97% dos cientistas concordam que, sim, o aquecimento
global é grave e é provocado primariamente por ações humanas – mais
especificamente, pelas atividades da indústria dos combustíveis fósseis, que
Pruitt passou sua carreira defendendo. No entanto, concordamos com a segunda
parte da declaração do chefe da EPA: o debate deve ser estimulado e não
silenciado. Sem essa de impor lei da mordaça aos cientistas da agência, como o
governo Trump fez já na sua primeira semana de mandato, ou de perseguir
cientistas do clima, como os republicanos fizeram durante o governo George W.
Bush.
10 – “Está bem frio lá fora. Estão chamando de uma grande onda de frio, semanas antes do normal. Cara, bem que a gente podia ter uma dose gorda de aquecimento global!” (Donald Trump)
Trump comete aqui a falácia mais comum dos
negacionistas do clima: a de afirmar que qualquer onda de frio desmente o
aquecimento global. Isso é uma asneira por duas razões:1) Confundir tempo com
clima – o tempo é algo que experimentamos cotidianamente, enquanto o clima é a
média do tempo ao longo dos anos. Mesmo em climas mais quentes haverá episódios
de tempo frio.2 ) Achar que aquecimento global pressupõe um dia mais quente que
o outro até o fim dos tempos – obviamente não é assim. Há uma variabilidade
natural enorme no sistema climático, e ondas de frio fazem parte dela (curioso
é que os negacionistas reconhecem essa variabilidade para negar o papel humano
no clima, mas deixam-na de lado quando repetem o chavão do frio, como Trump fez
acima). Na verdade, como explicamos
neste vídeo, o aquecimento da Terra pode até mesmo favorecer ondas de frio.
11 – “A NBC acabou de chamar de o grande congelamento – o tempo mais frio em anos. Será que nosso país ainda está gastando dinheiro na FRAUDE DO AQUECIMENTO GLOBAL?” (Donald Trump)
Sério, Trump?
12 – “O cientificismo positivista que você opõe à minha devoção ao materialismo dialético (…) não terá o condão de me converter à doutrina de fé que é a teoria do aquecimento global. De verdade, não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza” (Aldo Rebelo, 2014)
Neste trecho de uma carta
enviada a Márcio Santilli, o deputado comuno-ruralista Aldo Rebelo, um
nacionalista de carteirinha que já quis
proibir palavras estrangeiras e trocar o Halloween pelo Dia do Saci,
papagueia três clichês da direita americana, que ele passou a vida combatendo:
aquecimento global é “questão de fé”, não há “comprovação científica de suas
projeções” e ocorre “por causa de fenômenos da natureza”.As evidências
científicas maciças acumuladas nos últimos 25 anos reservam a essas alegações
um lugar especial na lata do lixo da história (do ladinho do comunismo, dirão
os maldosos). Em seu último relatório de avaliação, produzido por centenas de
especialistas e amplamente revisado por governos de 195 países, o IPCC afirma
ser “extremamente provável” que o aquecimento observado no sistema climático se
deva sobretudo a atividades humanas. Isso significa mais de 95% de certeza.
Quando a meteorologia prevê mais de 95% de chance de chuva, você leva um
guarda-chuva ao sair de casa, certo?A questão da “comprovação científica” das
“projeções” do aquecimento global é mais sutil do que a atribuição de sua
causa. Há menos estudos sobre impactos específicos da mudança do clima – em
ecossistemas, por exemplo – do que sobre sua base física.
Ocorre que já passou
tempo suficiente para confirmar ou não alguns impactos previstos pelo IPCC há
dez ou 20 anos. E vários deles têm se mostrado mais graves do que sugeriam os
modelos: o mar está esquentando mais e subindo mais rápido; o gelo do Oceano
Ártico está derretendo mais depressa; e a mortalidade em massa de corais da
Austrália, vaticinada para 2020, ocorreu quatro anos antes.
13 – “Isto é carvão. Não tenha medo, ele não vai lhe fazer mal” (Scott Morrison, 2017)
O deputado conservador australiano resolveu levar
um pedaço de carvão para o Congresso durante um discurso no qual negou as
mudanças climáticas, espezinhou o Acordo de Paris e fez loas ao combustível
fóssil do qual a Austrália é o principal exportador. Enquanto discursava, o
carvão já estava fazendo mal ao seu país: estima-se que 22% dos corais da
Grande Barreira tenham morrido na pior epidemia de branqueamento da história,
causada pelo aquecimento anormal do oceano. O carvão é o principal causador do
aquecimento global observado hoje.
14 – “Estaremos afundados até o pescoço
em corujas e sem emprego para todos os americanos” (George Bush, 1992)
O ex-presidente americano usou essa frase para
combater o “extremismo ambiental” de seu rival político Al Gore. Numa cantilena
que seria usada uma década mais tarde por seu filho George W. Bush para
abandonar o Protocolo de Kyoto, Bush pai equiparava a ação ambiental à
destruição de empregos.Mas tempo é o senhor da razão: as energias renováveis
hoje criam empregos 12 vezes mais rápido que o restante da economia americana:
cerca de 4 milhões de trabalhadores estão empregados nas indústrias eólica e
solar. Curiosamente, os Estados campeões em energia eólica são governados por
republicanos.
15 – “Para mim, a agricultura faz parte da solução do problema que nós temos a discutir. Ela não é a vilã do aquecimento global que aí está” (Blairo Maggi, 2016)
O ministro da Agricultura saiu-se com essa
durante a conferência do clima de Marrakesh. A segunda parte da frase é,
digamos, um “fato alternativo”: dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão
de Gases de Efeito Estufa) mostram que o setor agropecuário foi responsável por
quase 70% das emissões de gases-estufa do Brasil em 2015 – seja diretamente,
pelo metano do rebanho, seja indiretamente, pelo desmatamento. O Brasil, por
sua vez, é um dos dez maiores emissores do mundo.
Portanto, a agricultura tem,
sim, parcela imensa de culpa no problema. Mas Blairo acertou ao dizer que seu
setor faz parte da solução: vários estudos têm mostrado que a recuperação de
pastagens, por exemplo, pode transformar a pecuária brasileira em ralo de
carbono em vez de fonte – com lucro para o produtor. Um bom lugar para começar
seria zerar o desmatamento e dedicar 100% do crédito agrícola a atividades de
baixa emissão de carbono. Mas os aliados de Blairo na bancada ruralista não
estão muito a fim disso. No momento, estão mais ocupados tentando desmontar a
legislação ambiental e a proteção às terras indígenas.
Fonte: ENVOLVERDE
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