segunda-feira, 13 de março de 2017

Universidade investe na recuperação de animais silvestres.
Por Júlio Ottoboni*

A Universidade do Vale do Paraíba ( Univap) se tornou a principal  referência no atendimento a fauna silvestre dentro do eixo São Paulo – Rio de Janeiro. O Centro de Recuperação de Animais Silvestres (Cras), situado no campus Urbanova, em São José dos Campos, conquistou um grau de excelência que possibilitou atrair empresas parceiras para o projeto, que teve início em 1999.

Instalado nas proximidades do Rio Paraíba do Sul e de um dos maiores residuais de Mata Atlântica existentes no trecho entre Jacareí e São José dos Campos, o Cras tem 8,3 mil metros quadrados de área, que inclui tanto a área construída e de solário, além de duas alas para quarentena e de recuperação dos animais.

Atualmente em expansão de sua área, o núcleo conta com investimentos das concessionárias de rodovias CCR Nova Dutra, Tamoios, além da Engep Ambiental e empresa farmacêutica Drogavet. Na parceria as empresas que necessitam recebem treinamento de pessoal, teórico e prático, para contenção, manejo, cuidados com animais feridos e transporte.

A responsável técnica do Cras e professora da universidade, a doutora em engenharia biomédica Karla Andressa Ruiz Lopes, que é bióloga de formação, tem notado um crescimento no volume de chegada de exemplares apreendidos pela Polícia Ambiental como levados por particulares. Isso se dá tanto pela eficiência do centro, como por ações policiais mais incisivas e também pela expansão da malha urbana sobre áreas com ecossistemas naturais minimamente preservados.
“Depois de tratados e verificada as condições de êxito na reinserção na natureza, os animais são destinados para o ecossistema original e em sua área de ocorrência. Já tivemos exemplares que seguiram para o Mato Grosso, para a Bahia por exemplo”, comentou a bióloga. “Não tem meio termo, ou o animal pode ser reabilitado e reintroduzido com 100% de sucesso ou não será feito”.

Tratamento – Os animais chegam ao Cras de diversas maneiras e estado de saúde. Seja por doação, atropelamento e apreensão,  em sua maioria.  Cerca de 70% das espécies são aves, seguidos por 20% de mamíferos e 10% de répteis.  O tempo do tratamento varia muito tanto pela condição física e emocional do animal, como pelo período de recuperação de cada espécie. O histórico do centro registra uma loba guará internada por três anos e papagaios que ficam oito meses.

No entanto, existem os que serão cativos durante toda a vida. Como no caso de híbrido de arara, que por lei não pode ser reintroduzida, saguis de intercruzamento de espécies, animais exóticos, inclusive uma Arara Canindé que tem estresse crônico e vários outros com deficiências que os impossibilitam a sobrevivência no meio ambiente de origem.
Quanto ao volume de recepção de animais, entre as aves, os papagaios e periquitos lideram, seguidos por araras e espécies menores da Mata Atlântica. Já em termos de variedade, os mamíferos são quase insuperáveis. O Cras tem entrada de capivaras, saguis, ratão do banhado, tatus, tamanduás mirim, preguiças, gatos do mato, veados campeiros e até de uma onça parda que chegou a óbito. Os gambás são os líderes absolutos em incidência.

Apesar de quase não receber anfíbios, os répteis apresentam uma elevada concentração em diversidade. São tartarugas, jabotis, jacarés, lagartos diversos, iguana e serpentes. O aumento de abandono de animais exóticos, como lagartos e serpentes, também é notado.

Justiça – Apesar de ser crime ambiental, previsto em lei federal, ter a posse e aprisionamento de animais silvestres sem autorização do Ibama, os profissionais do Cras já se depararam com situações, no mínimo, constrangedoras causadas pela justiça.
Como o de animais apreendidos em péssimas condições de saúde, debilitados física e emocionalmente, que foram totalmente recuperados e no período de reintrodução o antigo ‘dono’ surge com uma ordem judicial para a devolução da posse. Ou mesmo com direito a visita periódica, o que aconteceu no caso de duas araras prontas para serem libertas na natureza e uma veio a óbito pelo estresse que passou neste processo de reaproximação do antigo tutor.

A bióloga e coordenadora do centro, Karla Ruiz, conta que por interferência judicial já foram devolvidos vários passarinhos, saguis entre outros animais. Isso depois de meses de tratamento e cuidados para prepara-los para a soltura.

A Lei 5.197/1967 , de Proteção a Fauna, diz em seu artigo 1º-“ Os animais silvestres de quaisquer espécies, em qualquer fase de seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedade do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.”

Os juízes hoje se baseiam na Lei 9605/1998  prevê: “No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. E numa, polêmica, no mínimo, decisão do Conama, de 2013, na qual há facilitações para o infrator continuar com a posse do animal silvestre  mediante a uma autorização por um Termo de Depósito de Animal Silvestre (TDAS).

“Todo nosso trabalho é feito com metodologia científica, contamos com uma médica veterinária, estagiários e colaboradores da faculdade de biologia, biólogos, tratadores e em infraestrutura temos o ambulatório e equipamentos. Em casos cirúrgicos mais graves encaminhamos para outros centros. Atualmente as espécies mais bem sucedidas na reintrodução são os papagaios e araras, além do gambá”, observou Karla Ruiz.

A capacidade instalada do Cras é entre 400 até 600 animais, com a reforma da área de recepção e manutenção feita pelas empresas parceiras há condições de receber mamíferos maiores, como onças. A população atual gira em torno de 350 animais, em recintos coletivos e individuais.

O Cras faz parte de uma estrutura maior concebida e mantida pela Univap, o Centro de Estudos da Natureza, que está ligado ao núcleo de biologia da universidade e contempla ainda um borboletário, um serpentário e uma área de cultivo de plantas medicinais. 

* Júlio Ottoboni é jornalista diplomado, tem 31 anos de profissão, foi da primeira turma de pós-graduação de jornalismo científico do Brasil, atuou em diversos veículos da grande imprensa brasileira, tem cursos de pós-graduações no ITA, INPE, Observatório Nacional e DCTA. Escreve para publicações nacionais  e estrangeiras sobre meio ambiente terrestre, ciência e tecnologia aeroespacial e economia. É conselheiro de entidades ambientais, como Corredor Ecológico Vale do Paraíba, foi professor universitário em jornalismo e é coautor de diversos livros sobre meio ambiente.  É colaborador Attenborough fixo da Agência Envolverde e integrante da Rebia.


Fonte: ENVOLVERDE

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