quinta-feira, 23 de março de 2017

Agro só é tudo, quando a carne é fraca.

Por Clóvis Borges e Gilson Burigo Guimarães, Especial para Plurale

Não é de hoje que os esforços voltados à conservação da natureza no Brasil sofrem com pressões impostas pelo agronegócio. A enorme capacidade de influência exercida por esse setor é sentida no Congresso Nacional e na maioria das Assembléias Legislativas estaduais. O que acaba se refletindo pesadamente nos executivos, no âmbito federal e estadual.

É exemplar a mudança da legislação ocorrida em 2012, depois de alguns anos de muita polêmica. Deputados Federais e Senadores permitiram mudanças profundas no Código Florestal Brasileiro, com ajustes moldados à vontade dos ruralistas. Essas mudanças implicaram numa diminuição drástica de áreas naturais a serem mantidas na forma de Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente, além de permitir um conjunto de ajustes permissivos e contrários às normas técnicas que deveriam ser consideradas.
Não bastaram as posições de instituições científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras, demonstrando o equívoco proposital que estava sendo cometido, em prejuízo de toda a sociedade brasileira. Tampouco foram ouvidas as pesquisas que indicaram, à época, que 87% dos brasileiros eram contrários às mudanças mais profundas do Código Florestal. Liderados especialmente por políticos do Paraná e de Santa Catarina, essas alterações foram aprovadas com folga no Congresso Nacional.

A força e a influência política do ruralismo mostram-se tão intensos, que os próprios órgãos ambientais que têm a responsabilidade de atuar de maneira isenta para estabelecer condições mínimas de controle sobre excessos que degradam o Patrimônio Natural do Brasil, são hoje coibidos de atuar com a sua plenitude e sofrem um processo de desestruturação e intervenções veladas. Tal situação parece afetar igualmente a isenção e correção dos setores governamentais mais diretamente ligados ao agronegócio.

No Paraná, é de conhecimento público o domínio ruralista presente na atual gestão estadual, tanto no que se refere ao Legislativo como no Executivo. O Batalhão de Polícia Ambiental do Paraná (BPAmb), não pôde atuar em sua plenitude ao longo dos últimos seis anos por uma artimanha política que definiu que a fiscalização sobre caça e supressão de vegetação nativa não é uma prioridade. E teve como propalador dessa máxima, o próprio Governador Beto Richa, em inúmeras aparições em público.

A atual gestão do desestruturado Instituto Ambiental do Paraná (IAP) tem um íntimo atrelamento às vontades da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), uma instituição privada que influencia e assina os produtos que deveriam ser de responsabilidade única dos órgãos ambientais. Em especial o Código Florestal do Paraná e sua regulamentação foram desenvolvidos dentro da FAEP, com integralidade endossada pelo Governo do Estado e pela Assembleia Legislativa do Paraná. Uma relação de promiscuidade e de intervenção direta na gestão pública que nunca poderia ser admitida.

Recentemente, esta mesma Assembleia surge com uma proposta intempestiva e sem qualquer tipo de argumento plausível, que implica em diminuir em dois terços a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana, entre o primeiro e o segundo planaltos do Paraná. Para seguir com esse intento, o próprio IAP busca a orientação da Fundação ABC, entidade privada mantida 100% por grupos ligados ao agronegócio. Mesmo sem conseguir aportar argumentos factíveis, a proposta de impor essa agressão ao povo paranaense tem por lastro o próprio Governo Estadual.

A intensa atuação do ruralismo coibindo e estrangulando a agenda de conservação da natureza no Brasil é um fato. Como em outros exemplos que se sucedem no dia-a-dia, o excesso de poder e influência, concentrado em grupos setoriais, tem representado um risco importante para a sociedade brasileira, que se depara com situações de enorme constrangimento. Vivemos uma condição de permissividade que extrapola limites. E são muitos os exemplos que apontam para pesados prejuízos econômicos justamente em setores que amplificam sua influência de maneira excessiva e inadequada.

A incontestável relevância social e econômica do agronegócio é muito maior do que situações pontuais que possam advir de excessos e ilicitudes observadas em todos os ramos de atividades. O Brasil não pode abrir mão de preservar o patrimônio que representa a agropecuária e a agroindústria, um dos principais alicerces de nossa economia. No entanto, para manter essa pujança, as relações entre grupos setoriais e governos não pode se manter na condição de promiscuidade que hoje se apresenta.

A despeito de todo o poder político e financeiro de que disponha, para o próprio bem e segurança do agronegócio, deve haver mais respeito ao limite ético e legal que separa a gestão pública dos interesses setoriais. Afinal de contas, não se trata de novidade o fato de que, quando o domínio é demasiado, a carne é fraca.

Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental e Gilson Burigo Guimarães, geólogo e docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

Fonte: ENVOLVERDE

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