Agro só é tudo, quando a carne é fraca.
Por Clóvis Borges e Gilson Burigo
Guimarães, Especial para Plurale
Não é de hoje que os esforços voltados à
conservação da natureza no Brasil sofrem com pressões impostas pelo
agronegócio. A enorme capacidade de influência exercida por esse setor é
sentida no Congresso Nacional e na maioria das Assembléias Legislativas
estaduais. O que acaba se refletindo pesadamente nos executivos, no âmbito
federal e estadual.
É exemplar a mudança da legislação ocorrida em
2012, depois de alguns anos de muita polêmica. Deputados Federais e Senadores
permitiram mudanças profundas no Código Florestal Brasileiro, com ajustes
moldados à vontade dos ruralistas. Essas mudanças implicaram numa diminuição
drástica de áreas naturais a serem mantidas na forma de Reservas Legais e Áreas
de Preservação Permanente, além de permitir um conjunto de ajustes permissivos
e contrários às normas técnicas que deveriam ser consideradas.
Não bastaram as posições de instituições
científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e
outras, demonstrando o equívoco proposital que estava sendo cometido, em
prejuízo de toda a sociedade brasileira. Tampouco foram ouvidas as pesquisas
que indicaram, à época, que 87% dos brasileiros eram contrários às mudanças
mais profundas do Código Florestal. Liderados especialmente por políticos do
Paraná e de Santa Catarina, essas alterações foram aprovadas com folga no
Congresso Nacional.
A força e a influência política do ruralismo
mostram-se tão intensos, que os próprios órgãos ambientais que têm a
responsabilidade de atuar de maneira isenta para estabelecer condições mínimas
de controle sobre excessos que degradam o Patrimônio Natural do Brasil, são
hoje coibidos de atuar com a sua plenitude e sofrem um processo de
desestruturação e intervenções veladas. Tal situação parece afetar igualmente a
isenção e correção dos setores governamentais mais diretamente ligados ao
agronegócio.
No Paraná, é de conhecimento público o domínio
ruralista presente na atual gestão estadual, tanto no que se refere ao
Legislativo como no Executivo. O Batalhão de Polícia Ambiental do Paraná (BPAmb),
não pôde atuar em sua plenitude ao longo dos últimos seis anos por uma
artimanha política que definiu que a fiscalização sobre caça e supressão de
vegetação nativa não é uma prioridade. E teve como propalador dessa máxima, o
próprio Governador Beto Richa, em inúmeras aparições em público.
A atual gestão do desestruturado Instituto
Ambiental do Paraná (IAP) tem um íntimo atrelamento às vontades da Federação da
Agricultura do Estado do Paraná (FAEP), uma instituição privada que influencia
e assina os produtos que deveriam ser de responsabilidade única dos órgãos
ambientais. Em especial o Código Florestal do Paraná e sua regulamentação foram
desenvolvidos dentro da FAEP, com integralidade endossada pelo Governo do
Estado e pela Assembleia Legislativa do Paraná. Uma relação de promiscuidade e
de intervenção direta na gestão pública que nunca poderia ser admitida.
Recentemente, esta mesma Assembleia surge com uma
proposta intempestiva e sem qualquer tipo de argumento plausível, que implica
em diminuir em dois terços a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana,
entre o primeiro e o segundo planaltos do Paraná. Para seguir com esse intento,
o próprio IAP busca a orientação da Fundação ABC, entidade privada mantida 100%
por grupos ligados ao agronegócio. Mesmo sem conseguir aportar argumentos
factíveis, a proposta de impor essa agressão ao povo paranaense tem por lastro
o próprio Governo Estadual.
A intensa atuação do ruralismo coibindo e
estrangulando a agenda de conservação da natureza no Brasil é um fato. Como em
outros exemplos que se sucedem no dia-a-dia, o excesso de poder e influência,
concentrado em grupos setoriais, tem representado um risco importante para a
sociedade brasileira, que se depara com situações de enorme constrangimento.
Vivemos uma condição de permissividade que extrapola limites. E são muitos os
exemplos que apontam para pesados prejuízos econômicos justamente em setores
que amplificam sua influência de maneira excessiva e inadequada.
A incontestável relevância social e econômica do
agronegócio é muito maior do que situações pontuais que possam advir de
excessos e ilicitudes observadas em todos os ramos de atividades. O Brasil não
pode abrir mão de preservar o patrimônio que representa a agropecuária e a
agroindústria, um dos principais alicerces de nossa economia. No entanto, para
manter essa pujança, as relações entre grupos setoriais e governos não pode se
manter na condição de promiscuidade que hoje se apresenta.
A despeito de todo o poder político e financeiro
de que disponha, para o próprio bem e segurança do agronegócio, deve haver mais
respeito ao limite ético e legal que separa a gestão pública dos interesses
setoriais. Afinal de contas, não se trata de novidade o fato de que, quando o
domínio é demasiado, a carne é fraca.
Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de
Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental e Gilson Burigo Guimarães,
geólogo e docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG).
Fonte: ENVOLVERDE
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