Vai ser
tão ruim assim?
O governo de Trump, que começa hoje, terá impactos
sérios sobre a luta contra a mudança do clima; mas suas loucuras deverão ser
limitadas por aquilo que o presidente mais preza – o capitalismo.
Por Claudio Angelo, do OC –
Donald Trump. Foto: Observatório do Clima
Todo mundo sabe como a história começa: nesta
sexta-feira, o magnata/mitômano/agressor sexual Donald Trump toma posse como o
45o presidente dos Estados Unidos. Como todo mundo também sabe, Trump encheu
seu gabinete com uma turma da pesada de negacionistas do aquecimento global e
homens do petróleo. A comunidade internacional entrou em pânico: todas as
indicações serão de que os Estados Unidos, sob Trump, não farão nada para combater
os gases de efeito estufa – ou tentarão ativamente torpedear os esforços
globais de redução de emissões representados no Acordo de Paris.
Mas, paixões à parte, quão ruim para o clima pode
realmente ser o novo governo? Especialistas ouvidos pelo OC respondem: muito
ruim. Mas não ilimitadamente ruim.
É muito provável que Trump desmonte regulações
antipoluição do governo Obama, tente dar uma sobrevida ao moribundo carvão,
libere a construção de oleodutos para permitir a exportação do betume do Canadá
e empurre as negociações internacionais de clima com a barriga. Mas analistas
dentro e fora dos EUA dizem que o novo presidente pode fazer muito pouco para
mudar a trajetória do sistema energético do país – e esta está francamente
voltada para a descarbonização, com emissões caindo ano a ano devido
principalmente à substituição do carvão mineral pelo gás natural, mais barato,
na geração de eletricidade.
O pior prejuízo causado por Trump é passar o sinal
errado para o mercado e os outros países de que os EUA estão desacelerando a
saída dos combustíveis fósseis. O timing não poderia ser pior: os principais
serviços de monitoramento climático do mundo confirmam três quebras de recorde
de temperatura em três anos seguidos; a ciência diz que será preciso acelerar de
forma inédita a redução de emissões se quisermos ter alguma chance de
estabilizar o aquecimento em menos de 2oC, a meta estabelecida em Paris. Neste
momento, qualquer coisa que não seja mais ambição poderá significar o mergulho
da humanidade num aquecimento global perigoso.
Num artigo publicado entre o Natal e o Ano Novo no
periódico Nature Climate Change, o americano Ben Sanderson, do NCAR (Centro
Nacional de Pesquisa Atmosférica), e o suíço Reto Knutti, da Politécnica de
Zurique, botaram pela primeira vez números nesse temor. Eles usaram modelos de
emissão de gases de efeito estufa e traçaram um cenário hipotético, mas não
implausível: o que aconteceria caso Trump adiasse por oito anos (dois mandatos)
o corte de emissões nos EUA e outros países fossem estimulados a fazer o mesmo.
E inseriram duas outras variáveis: o que aconteceria caso Trump conseguisse
reverter por alguns anos o inevitável declínio do carvão e cortasse
investimentos em pesquisa de energia limpa – na campanha, ele disse que faria
as duas coisas.
A conclusão da dupla foi que cada um desses três
fatores teria o potencial de elevar as emissões globais em pelo menos 350
bilhões de toneladas de CO2. Juntos, os três significariam emissões cumulativas
de 750 bilhões a 1,35 trilhão de toneladas de gás carbônico equivalente neste
século. É mais do que o dobro do que a humanidade pode emitir se quiser ter
chance de cumprir a meta de 2oC. Nesse cenário, Trump eliminaria a
possibilidade do planeta de evitar o aquecimento perigoso.
“Nosso objetivo foi ilustrar as consequências do
fracasso no curto prazo para o clima no longo prazo”, disse Sanderson.
Numa passagem incomum para um artigo científico,
tipo de texto onde não cabem avaliações pessoais nem sentimentos, o americano e
seu colega reconhecem: “Não é fácil manter-nos desapaixonados vendo um futuro
incerto se desdobrar”. Questionado, Sanderson explicou: “Me pareceu
particularmente importante destacar isso, diante de um período potencialmente
mais desafiador para o Acordo de Paris. Se a retração da ambição de um único
Estado se traduzir no colapso de todo o acordo, isso provavelmente faria com
que a meta de temperatura ficasse para sempre fora de alcance”.
“Marginal”
O cientista político David Victor, da Universidade
da Califórnia em San Diego, discorda do artigo de Sanderson e Knutti. Não
porque ele ache que Trump não terá efeito sobre a ambição global, mas por
pensar que a meta de 2oC de Paris provavelmente já foi perdida anos atrás,
devido à inação dos líderes políticos. “O efeito de Trump na trajetória de
emissões dos EUA e na possibilidade de o mundo se manter nos 2oC é marginal”,
afirmou.
Segundo Victor, o sistema energético dos EUA tem
uma inércia que torna difícil reverter o declínio do carvão. “Não vai
acontecer”, disse. Até porque, como lembra o americano, entre os apoiadores de
Trump existem pessoas que defendem a energia nuclear e o gás natural, ambos
concorrentes do carvão. Os incentivos dados por Barack Obama às energias
renováveis igualmente não poderiam ser revertidos em menos de dois ou três
anos.
O impacto do novo governo, segundo Victor, viria em
dois lugares. Primeiro, na EPA (Agência de Proteção Ambiental), que Trump
entregou ao ex-advogado-geral de Oklahoma Scott Pruitt – a quem Victor chama de
“francamente maluco”. Na quarta-feira, em sabatina no Senado, Pruitt disse que é “questão de debate”
se o clima está mudando e se as atividades humanas contribuem para isso. Obama
usou a EPA para regular emissões de termelétricas e implementar o Plano de
Energia Limpa, que é o instrumento de cumprimento da NDC (Contribuição
Nacionalmente Determinada) dos EUA. É improvável que a agência, sob comando de
Pruitt, mantenha essas regulações de pé. “A EPA deve ficar paralisada por uns
dois anos, até que fique claro que regulações ambientais interessam à população
americana”, disse Victor.
O brasileiro Juscelino Colares, professor de
Direito na Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, e especialista em
litigância ambiental, diz concordar com essa visão sobre a EPA. “O que vão
tentar fazer é matar o Plano de Energia Limpa e desacelerar as regulações
contra o carvão. Aí vão ver se as emissões vão seguir caindo naturalmente”, disse.
“Tentarão usar o argumento das forças de mercado contra o carvão .”
O cenário mais provável, para Colares, é que seja
adiado o fechamento de algumas termelétricas a carvão, sem que novos
investimentos sejam realizados. “A indústria sabe que é perigoso investir.
Ninguém mais vai botar dinheiro em carvão, a não ser investimentos que já
tenham sido feitos.”
“Não há como a política de Trump possa fazer com
que as termelétricas voltem; não é econômico”, concorda Eduardo Viola,
professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. “O complexo
das energias renováveis se tornou competitivo e isso é irreversível. O problema
é que a velocidade de avanço é muito lenta em relação à dinâmica do aquecimento
global.”
Multilateralismo em baixa
Segundo Victor, a segunda área em que Trump poderá
ter um impacto negativo real é a política internacional, com investidas contra
a globalização e uma provável suspensão dos pagamentos ao Fundo Verde do Clima,
para o qual os EUA ainda devem US$ 2 bilhões (em sua última semana de governo,
Obama depositou mais US$ 500 milhões no fundo). Sintomático desse risco,
aponta, foi o fato de o presidente da China, Xi Jinping, ter aberto o Fórum
Econômico Mundial, em Davos, defendendo a globalização e a ação contra as
mudanças climáticas. “A presidente da Suíça, Doris Leuthard, fez um discurso
muito curto na abertura em Davos. E ainda assim encontrou tempo de destacar o
tema climático e a importância do Acordo de Paris. Isso reflete a ansiedade
europeia em torno do que Trump significa para a ordem mundial”, afirmou.
Viola afirma que precisamente a ordem mundial é uma
dimensão-chave do impacto negativo da eleição do americano: Trump,
nacionalista, antiglobalista e vocalmente contrário ao livre-comércio, aumenta
a conflitividade do sistema internacional. “O neonacionalismo de Trump, aliado
ao nacionalismo de Vladimir Pútin, e a extrema direita europeia aumentam o
conflito e diminuem a cooperação, e cooperação internacional é fundamental para
a governança climática”, pondera.
O professor da UnB, como Ben Sanderson, do NCAR, vê
também um risco real de que outros países se escorem na inação americana para
desacelerar a própria ambição. “Não dirão isso no discurso”, raciocina Viola,
“mas podem pensar: por que vou me esforçar?” Um dos países que correm esse
risco, segundo ele, é o Brasil, cujo governo é “totalmente insensível à
economia de baixo carbono”.
Fonte: Observatório do Clima
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