É
empreendendo que se inova.
Por Fernanda Macedo, do Página 22 –
Pequenos negócios no Brasil ganham mais
importância e os desafios deste século dão o tom das novas oportunidades.
Ervas daninhas são uma ameaça à colheita. Os
fazendeiros as arrancam e sentem-se aliviados em restabelecer a ordem e o
controle sobre a plantação. Mas, nesse monó- tono e pouco diverso ambiente,
não haverá adubo para a inovação. Victor W. Hwang, consultor do tema no
Vale do Silício, compara empresas sem capacidade de inovar a monoculturas,
enquanto ambientes propícios à criatividade lembram mais o cenário de uma
floresta tropical. A diversidade e a imprevisibilidade das espécies que ali
surgem abrem caminho para a inovação. Inovar é saber identificar de antemão
qual erva daninha pode ser a boa ideia que mudará as regras do jogo.
E é melhor mudar logo. Em um mundo com o desafio
de erradicar a pobreza e garantir prosperi- dade a 7,46 bilhões de habitantes
com recursos naturais limitados, isso não será fácil [1]. A mudança
exigirá mais eficiência para transformar esses recursos e atender às
necessidades humanas.
A agilidade para essa transformação pode ser
encontrada nos pequenos negócios. Grandes empresas têm recorrido a start-ups
para conseguir sobreviver. Alguns estudos mostram que mudanças na cadeia de valor
estão fortemente relacionadas à inovação no modelo de negócios, um
objetivo corporativo que tem sido perseguido à risca por empresas que
encontram um mercado em constante transformação . Por exemplo, o mercado da
música ao enfrentar a concorrência dos dispositivos e serviços de música
digital nas últimas décadas, ou o setor de telecomunicações, que passou a
ver a telefonia móvel e a indústria de computadores disputando o mesmo
cliente assim que o iPhone chegou ao mercado.
Mas o Brasil precisa se apressar. Isso porque a
inovação no País não anda lá muito bem ava- liada.
Um relatório do Global
Entrepreneurship Monitor (GEM) e do Fórum Econômico Mundial indica que a
ambição de inovação empresarial do País é a mais baixa entre as nações
estudadas. Essa pesquisa avalia especificamente o campo do empreendedorismo,
partindo do princípio de que, quanto mais inovadores forem os novos
empresários, mais competitiva será a economia.
Potencial empreendedor
Mas, embora os empreendedores não figurem neste
estudo como protagonistas da inovação, não se pode ignorar seu imenso peso
na economia brasileira. Pequenos negócios já somam 99% da quantidade de
empresas do Brasil e são responsáveis por 52% dos empregos . A pesquisa internacional realizada anualmente pelo
GEM compara o Brasil com cinco outros países semelhantes em aspectos
socioeconômicos.
Um pouco mais da metade da população brasileira
(55,5%) percebe boas oportunidades para start-ups na área onde vivem. Apenas
os Estados Unidos (50,9%) e o México (48,9%) têm taxas comparáveis.
Além
disso, 50% da população afirma ter habilidades e experiência necessárias
para se tornar um empreendedor. Novamente, o estudo destaca a visão positiva
dos brasileiros sobre suas capacidades e habilidades, colocando-o atrás apenas
dos EUA (53,3%) e México (53,5%), mais uma vez. Esses resultados situam o
Brasil entre os países com os melhores níveis de percepções sobre as
oportunidades empreendedoras.
O potencial empreendedor do brasileiro vai além.
Sem medo de fracassar, a pesquisa do GEM indica também que para 60,9% da
população a chance de insucesso não é uma razão para não empreender.
Apenas a Alemanha (36,4%) apresenta uma taxa mais baixa.
A jornada empreendedora guarda alguns obstáculos,
como a burocracia, a ineficiência e a corrupção que, em certa medida,
incentivam a informalidade de trabalhos e limitam o crescimento das empresas. Mas a qualificação de mão
de obra, antigo problema do País, tem melhorado. Nos últimos anos, o acesso
ao ensino superior e técnico foi facilitado por meio de financiamento
estudantil como o Fies e o Prouni, e programas como o Pronatec. Mesmo assim, as
pesquisas indicam que são necessários mais investimentos em educação de
qualidade.
Embora haja ainda tantos desafios, algumas
políticas de governo são ressaltadas pela pesquisa do GEM como grandes
incentivos ao empreendedorismo no País. É o caso da Lei Geral da Micro e
Pequena Empresa, o Microempreendedor Individual e, mais recentemente, o
programa Start-Up Brasil e a expansão do Simples Nacional. Essas iniciativas
representam um progresso na redução da burocracia, da complexidade e da carga
tributária envolvidas na formalização das empresas de menor porte.
Ecossistemas
Com tanto potencial, por que não existe um Vale do
Silício no Brasil? Em seu vídeo TED [2], Hwang questiona: “Como você
cria ambientes para coletar ideias de uma floresta tropical e, ao mesmo tempo,
lida com o fato de que o mercado e as empresas ainda são como as plantações,
as monoculturas?”
Para isso, é preciso fazer uso do ambiente da
própria floresta, ou seja, do ecossistema da inovação.
Esse termo
corresponde a um exemplo bem-sucedido de aglomeração, seja ele geográfico,
como o Vale do Silício, seja ele o polo tecnológico indiano de Bangalore, ou
ainda plataformas virtuais, como aplicativos de negócios sem a necessidade de
presença física em um determinado local e hora.
Nesses ambientes, diferentes atores – start-ups,
grandes empresas, investidores, entidades de pesquisa, incubadoras, governo
etc. – do ecossistema interagem e fazem a “mágica” acontecer. Mas a diferença
está em quebrar zonas de conforto. Em visita ao Brasil, Hwang comentou que a
natureza humana nos faz criar hábitos e rotinas que resultam em estruturas
muito rígidas, afastando a intera- ção que alimenta esse sistema. “O que
devemos pensar é como redesenhar a comunidade, onde as ervas daninhas
positivas comecem a crescer novamente, criando os nutrientes para se tornarem
as instituições do futuro.”
Foto: Shutterstock
Oportunidade
Identificar as start-ups – ou ervas daninhas – que
se tornarão as instituições do fu- turo é a missão deste Guia. Para isso,
basta entender de que nutrientes elas se alimentam. Sergio Risola, diretor-executivo
do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) e membro do
grupo de especialistas que compõem o Comitê Seletor, acredita que a
inovação para a sustentabilidade na grande maioria dos pequenos negócios já
é parte do seu propósito inicial.
“Noventa por cento de todos os negócios inovadores
e em todas as áreas do conheci- mento como Química, Energia, Saúde e Ele-
trônica que chegam ao Cietec para avaliação apresentam um claro e forte
viés para a sus- tentabilidade; mesmo aqueles relacionados a Tecnologias da
Informação e Comunicação”, comenta Risola.
Uma pesquisa do Sebrae indicou
que 48% das micros e pequenas empresas percebem a sustentabilidade como uma
oportunidade aos seus negócios. As 22 empresas reunidas em duas edições do
Guia são mais uma evidência dessa tendência.
“Exemplos como a Faex [destinada a tratar o desafio
de pequenos geradores de resíduos perigosos, que fornece serviços para
negócios cumprirem aspectos legais, normas e condições de responsabilidade
ambiental, são fundamentais para permitir que seus clientes garantam sobrevivência
e atendam mercados que compram de empresas com responsabilidade”, comenta
Suênia Sousa, gerente do Centro Sebrae de Sustentabilidade.
Ela também faz parte do Comitê Seletor e destaca
o caso da Quinta da Estância [projeto pedagógico que permite experiências
vivenciais para aprendizados da sala de aula]. “A Quinta nasceu com uma
estratégia de sustentabilidade em seu modelo de negócio, ocupando e crescendo
dentro de critérios integrados de responsabilidade social, sendo detentora de
prêmios internacionais que reconhecem sua forma de empreender”, comenta a
gestora.
Rebeca Rocha, gerente da Aspen Network of
Development Entrepreneurs (Ande) no Brasil, uma rede internacional de
empreendedorismo, acredita que os pequenos negócios são importantes para
trazer inovação e novas ideias para o mercado. Também integrante do Comitê
Seletor, ela destaca os casos da BrasilOzônio [empresa que desenvolveu
tecnologia capaz de gerar ozônio a baixos custos com diversas aplicabilidades]
e da TerpenOil [fabricante de produtos de limpeza 100% naturais]. “Eles mostram
a habilidade que os empreendedores têm de inovar, reduzindo custos, trazendo
mais eficiência para o mercado”, observa.
Lacunas e futuro
No filtro do Cietec, negócios voltados para a
eficiência energética, uso racional da água, tratamento de resíduos e
inovações no campo da saúde são cada vez mais frequentes. Mas Risola
acredita que o empreendedor brasileiro deve também procurar oportunidades em
áreas ainda muito carentes do País, como a infraestrutura urbana,
especialmente em saneamento e habitação. “Aí reside um campo de grandes
oportunidades, não totalmente presente na agenda de inovação, relegada ainda
ao tradicional discurso político”, alerta.
Suênia Sousa vê também forte necessidade de
encontrar no meio empreendedor brasileiro negócios que pensem em tornar as
cidades mais resilientes, ou seja, soluções para a mobilidade urbana,
bem-estar, atendimento aos idosos, pessoas com deficiência. “Em países que
conseguiram estudar e implantar estratégias desse tipo, vemos uma densidade de
pequenos negócios fornecendo serviços especialmente na indústria criativa,
negócios digitais, ecoturismo, fornecimento e indústria de transformação
para alimentos saudáveis, entre outros segmentos empresa- riais que surgem
desta agenda de cidades inteligentes e sustentáveis”, diz.
Além dessa vertente, a inovação aberta pelos
pares será cada vez mais um indutor de transformações na sociedade para que
o avanço tecnológico aconteça na velocidade que precisamos .
Antigamente, a inovação era vista como um
processo interno da empresa, limitado a seus funcionários e laboratórios.
Hoje, ideias como a metáfora da floresta tropical, apresentada por Hwang, que
valorizam o ecossistema da inovação, ressaltam a importância de a empresa
conectar-se com o mundo lá fora, com instituições de pesquisa, fornecedores
de diferentes portes e até mesmo com concorrentes, em uma tentativa de
complementar esforços para a inovação. O exemplo da Tesla de abrir suas
patentes de armazenagem de energia pode refletir em avanços tecnológicos
decisivos em outros campos, como o uso de energia solar e eólica em todo o
mundo.
O campo do empreendedorismo deverá também ser
impactado por transformações que o setor de educação precisará fazer em
seus cursos. O ensino em sala de aula aliado à experiência prática e
vivência em campo serão capazes de formar de maneira mais adequada os alunos
para a vida empreendedora, seja para uma carreira solo, seja para a carreira
dentro das organizações sociais ou empresariais que precisam deste olhar em
seu capital humano. “A tendência é que o empreendedorismo ocupe um posto
principal na preferência das novas gerações”, acredita Risola, que vê essa
transformação acompanhada de uma profissionalização da carreira de
empreendedor, e uma abordagem mais estruturada por parte não apenas do ensino
superior, como também do ensino técnico e na formação básica .
O Guia de Inovação para Sustentabilidade em MPE
surgiu na academia como um projeto de pesquisa aplicada e com a ambição de
contribuir na prática para o avanço do empreendedorismo na agenda do
desenvolvimento sustentável. Segundo Risola, a marca Fundação Getulio Vargas
(FGV) valoriza e dá credibilidade ao empreendedor. Rebeca Rocha destaca que o
Guia posiciona os empreendedores que já estão inovando em sustentabilidade e
contribui para aumentar o impacto de suas ideias.
Para Sousa, do Sebrae, a publicação reconhece os
esforços das empresas diante dos de- safios da sustentabilidade e as ajuda a
conhecer os gaps para uma atuação mais inovadora. Além disso, serve de
inspiração a empresários, empreendedores, gestores de empresas públicas e
privadas, pois dá luz a trajetórias empresariais que conseguiram ser
protagonistas da agenda do desenvolvimento sustentável do País.
Muitas “ervas daninhas” estão brotando, inspiradas
pelos desafios da sustentabilidade, e transformando a paisagem do País em uma
“floresta tropical” composta de uma enorme diversidade de pequenos negócios.
Referências
[1] A Oxfam aborda os desafios de garantir um
espaço seguro e justo para a humanidade, considerando os limites ambientais do
planeta. Acesse aqui.
[2] TED é a sigla para Technology, Entertainment
and Design, iniciativa sem fins lucrativos que organiza conferências com o
propósito de disseminar ideias.
Fonte: Página 22
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