Trump, os
bancos e as bombas.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 19/1/2017 – Os Estados membros da
Organização das Nações Unidas (ONU) se reunirão em março para reiniciar as
negociações sobre “um instrumento legalmente vinculante que proíba as armas
nucleares a fim de avançar para sua total eliminação”. As conversações
prosseguirão em junho e julho. A ONU adotou, no dia 27 de outubro de 2016, uma
resolução que relança as negociações para um tratado que ponha fim a duas
décadas de paralisação dos esforços de desarmamento.
Em uma reunião do Primeiro Comitê da Assembleia
Geral da ONU, dedicado ao desarmamento e à segurança internacional, 123 nações
votaram a favor da resolução, 38 contra e 16 se abstiveram. A Campanha
Internacional para Abolir as Armas Nucleares (Ican), com sede em Genebra e presente
em 80 países, aplaudiu a iniciativa porque é um grande avanço para “uma mudança
fundamental na forma como o mundo enfrenta essa ameaça gigante”.
“Há sete décadas a ONU alerta para os perigos das
armas nucleares, e em todo o mundo as pessoas defendem sua abolição”, disse a
diretora executiva da Ican, Beatrice Fihn. “Atualmente, a maioria dos Estados
decidiu proibi-las”, destacou. A resolução da ONU foi adotada, apesar da
pressão dos Estados nucleares. Cerca de 57 países, encabeçados por África do Sul,
Áustria, Brasil, Irlanda, México e Nigéria, apoiaram o documento.
A resolução foi aprovada horas depois de o
Parlamento Europeu adotar um documento sobre o mesmo assunto, com 415 votos a
favor, 124 contra e 74 abstenções, que convida os integrantes da União Europeia
a “participarem de forma construtiva” das negociações deste ano, recordou a
Ican. As armas nucleares são as únicas de destruição em massa que ainda não
estão proibidas de forma universal, apesar das consequências humanitárias e
ambientais estarem bem documentadas, segundo a organização.
“Um tratado contra as armas nucleares fortaleceria
a norma global contra seu uso e sua posse, preenchendo um dos maiores vazios do
direito internacional e exortando a adotar as demoradas medidas em matéria de
desarmamento”, destacou Fihn. As armas biológicas e químicas, as minas
antipessoais e as bombas de fragmentação estão explicitamente proibidas pelo
direito internacional, mas no tocante às armas atômicas só existem proibições
parciais.
Teste com bomba atômica no atol de Bikini em 1946.
Foto: Departamento de Defesa dos Estados Unidos via Wikimedia Commons.
A Ican também recordou que o desarmamento nuclear é
um tema prioritário para a ONU desde sua criação, em 1945. “Os esforços para
concretizar esse objetivo estão parados nos últimos anos, quando as nações
nucleares realizaram grandes investimentos na modernização de seus arsenais”,
destacou a organização.
Outras entidades que defendem o desarmamento
nuclear também aplaudiram a resolução da ONU.
Entre elas se destacam a PAX, uma
associação entre o IKV (Conselho Intereclesiástico para a Paz) e a Pax Christi,
a Soda Gakai International (SGI), organização budista em favor da paz, da
cultura e da educação em torno do respeito à dignidade da vida, e a Associação
Internacional de Médicos para a Prevenção de uma Guerra Nuclear (AIMPGN).
Quando, em outubro, as organizações da sociedade
civil aplaudiram a nova resolução da ONU, que fixa para este ano o início das
negociações nucleares, não esperavam que pouco depois seria eleito nos Estados
Unidos o empresário Donald Trump, que no dia 20 assumirá como 45º presidente
desse país. E muito menos imaginaram que anunciaria seu interesse em aumentar o
poder nuclear de seu país.
“Os Estados Unidos devem fortalecer muito e ampliar
suas capacidades nucleares até que o mundo recupere a cordura em matéria de
armas nucleares”, escreveu Trump no Twitter @realDonaldTrump, no dia 22 de
dezembro de 2016. Se isso se concretizar, será um dos grandes desafios para o
movimento a favor da abolição.
A campanha internacional para impedir que bancos e
instituições financeiras destinem fundos à produção e modernização de armas
nucleares conseguiu alguns avanços. “Os governos decidiram negociar um tratado
de proibição de armas nucleares em 2017, e é hora de as seguradoras e os fundos
de pensão se disporem a acabar com sua relação com empresas envolvidas na
fabricação de armas atômicas”, ressaltou Susi Snyder, da PAX e autora do
informe Hall of Fame.
“Cerca de 400 bancos privados, fundos de pensão e
seguradoras continuam financiando, com dinheiro de seus clientes, a produção de
armas nucleares”, detalhou Snyder. Segundo o estudo, 18 bancos, que controlam
mais de US$ 1,82 trilhão, estão prontos para cortar os fundos para as bombas
atômicas, com políticas que proíbem de forma rígida todo investimento, de
qualquer tipo e em qualquer forma, em companhias que fabriquem armas nucleares.
As 18 instituições, descritas o Hall of Fame
da edição 2016 do informe Don’t Bank on The Bomb (Não Invista em Armas
Nucleares), publicado pela Ican no dia 7 de dezembro, têm sede na Austrália,
Dinamarca, Grã-Bretanha, Holanda, Itália, Noruega e Suécia. O relatório também
menciona outras 36 instituições financeiras que expressam especificamente sua
preocupação pelas armas nucleares e que, de alguma forma, restringem seus
investimentos.
“Mesmo que essas políticas tenham vazios legais,
ainda demonstram que há um estigma associado aos investimentos em armas
nucleares. A PAX exorta essas instituições a fortalecerem suas políticas e o
informe Don’t Bank on the Bomb oferece recomendações personalizadas para
cada instituição financeira”, diz o documento. “Financiar e investir são
decisões ativas, baseadas em avaliações da companhia e seus planos. As
instituições que impõem limites aos investimentos em armas nucleares respondem
ao crescente estigma em torno desse armamento, desenhado para matar de forma
indiscriminada”, diz o documento.
Todos os países nucleares modernizam seus arsenais
e o Don’t Bank on the Bomb oferece detalhes das 27 empresas privadas que
fabricam componentes essenciais para a produção de armas, bem como dos 390
bancos, companhias de seguros e fundos de pensão que ainda investem nelas,
pontua o informe.
“Na medida em que se aproximam as negociações para
proibir as armas nucleares este ano, os países devem proibir o financiamento
como incentivo para que o setor financeiro exclua de seu universo de
investimento as empresas associadas às armas nucleares e exponha o custo
econômico de sua instalação, modernização e seu armazenamento”, destaca o documento.
Fonte: ENVOLVERDE
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