terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Oxfam aponta o abismo entre ricos e pobres.
Oxfam vai a Davos para alertar que apenas 8 homens possuem a mesma riqueza que a metade mais pobre do mundo. Ladislau Dowbor e Ricardo Abramovay comentam o estudo divulgado.

Por Redação da Envolverde*
Slim Helú, Zuckerberg e Bill Gates: a desigualdade no mundo é assombrosa. Foto: Montagem / Arquivo (Carta Capital)

Um novo relatório da Oxfam, divulgado nesta segunda 16, revela que o fosso material entre o 1% e os 99% da humanidade, respectivamente, o topo e a base da pirâmide da riqueza mundial, torna-se cada vez maior, com consequências nefastas para a sociedade.

O documento também capta uma tendência preocupante: o abismo entre ricos e pobres está aumentando em uma velocidade muito maior do que a prevista.

Baseado no Credit Suisse Wealth Report 2016 e na lista de milionários da Forbes, o relatório alerta que apenas oito homens concentram a mesma riqueza do que as 3,6 bilhões de pessoas que fazem parte da metade mais pobre da humanidade.

Os oito primeiros colocados na lista da Forbes são o criador da Microsoft, Bill Gates (75 bilhões de dólares), Amancio Ortega (67 bilhões), da grife espanhola Zara; Warren Buffet (60,8 bilhões), da Berkshire Hathaway, Carlos Slim (50 bilhões), das telecomunicações e Jeff Bezos (45,2 bilhões), da Amazon. Figuram ainda o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg (44, 6 bilhões), Larry Ellison (43,6 bilhões), da Oracle, e, por fim, Michael Bloomberg (Bloomberg LP), com 40 bilhões.

Tal riqueza é, na maioria dos casos, hereditária. Nas próximas duas décadas, 500 indivíduos passarão mais de 2,1 trilhões de dólares para seus herdeiros, uma soma maior do que o PIB de um país como a Índia, que tem 1,2 bilhão de habitantes.

Os super-ricos

Intitulado Uma economia humana para os 99%, o relatório analisa de que maneira grandes empresas e os “super-ricos” trabalham para acirrar o fosso da desigualdade.

A renda de altos executivos, frequentemente engordada pelas ações de suas empresas, tem aumentado vertiginosamente, ao passo que os salários de trabalhadores comuns e a receita de fornecedores têm, na melhor das hipóteses, mantido-se inalterado e, na pior, diminuído.

O estudo aponta que, atualmente, o diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa.

Além disso, os altos lucros das empresas são maximizados pela estratégia de pagar o mínimo possível em impostos, utilizando para este fim paraísos fiscais ou promovendo a concorrência entre países na oferta de incentivos e tributos mais baixos.

“As alíquotas fiscais aplicadas a pessoas jurídicas estão caindo em todo o mundo e esse fato – aliado a uma sonegação fiscal generalizada – permite que muitas empresas paguem o menos possível em impostos”, afirma o documento.

Além disso, há a obsessão em manter no mais alto patamar os retornos financeiros para os acionistas das empresas. Na década de 1970 no Reino Unido, por exemplo, 10% dos lucros eram distribuídos aos acionistas. Hoje, o percentual é de 70%.
O trabalho escravo é o terceiro crime mais rentável do mundo e gera um lucro de 150 bilhões de dólares por ano. Foto: 50 Freedom.

Outra estratégia perversa é utilizar o trabalho análogo à escravidão para manter os custos corporativos baixos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de trabalhadores forçados geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas, todos os anos.

Pesquisas citadas pelo relatório da Oxfam também revelam como o 1% beneficia-se da distribuição desigual da riqueza e utilizam-se de sua influência material e política para continuar a gozar de tal benefício.

Entre os artifícios utilizados estão o financiamento de candidaturas políticas, da atividade de lobby e, indiretamente, o custeamento de centros de estudos e universidades que visam produzir “narrativas políticas e econômicas” compatíveis com as premissas que favorecem os ricos.

“Os bilionários do Brasil fazem lobby para reduzir impostos e, em São Paulo, preferem usar helicópteros para ir ao trabalho, evitando os engarrafamentos e problemas de infraestrutura enfrentados nas ruas e avenidas da cidade”, diz o documento.

A Oxfam alerta que a crescente desigualdade produz efeitos catastróficos nas sociedades, aumentando a criminalidade, a insegurança e, ao mesmo tempo, minando iniciativas de combate à pobreza. “Ela (a desigualdade) gera mais pessoas vivendo com medo do que com esperança”, conclui a organização.
Ladislau Dowbor

Entrevistas

Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, consultor das Nações Unidas e professor da PUC São Paulo, Ladislau Dowbor afirma que o problema da concentração de riqueza mundial radica em uma economia financeira de aplicação e não de produção. Confira a entrevista: 

Envolverde:  O relatório da Oxfam fala da extrema concentração de riqueza na mão de poucas pessoas. Qual o horizonte do mundo nesse cenário? 

Ladislau Dowbor   Primeiro precisamos entender que o patrimônio domiciliar liquido, a riqueza acumulada tudo é muito diferente do fluxo de renda. Um fator interessante é que o estudo faz um levantamento das pessoas ricas pela Oxfam, uma evolução importante que antes só se debatia no Fórum Social Mundial e que demostra que o capitalismo hoje também está preocupado com esta situação.

Existe um efeito multiplicador da riqueza. Uma pessoa não tem 80 bilhões de dólares em casa e sim em ativos em bancos. Aplicações financeiras são completamente diferentes. Se você faz muitas aplicações você tem direito de comprar produtos, mas você não produziu nada. Então se um bilionário aplica seu dinheiro rendendo 5% ao anho, ganhará 137 mil dólares por dia. Quando você é rico se torna mais rico rapidamente, um efeito radical e acumulativo.

Do outro lado, o pobre recebe sua renda mensal e a transforma em alimento, moradia, porém sem aplicação financeira, quem faz isso são os ricos que ao pagar suas despesas de luxo ainda investem seu dinheiro.

Enquanto os pobres vivem de renda os ricos multiplicam sua riqueza abruptamente pelas aplicações e tudo isso começou desde que o modelo tecnológico se tornou digital, um fenômeno mundial onde o dinheiro deixa de ser investido em desenvolvimento e passa a ser parte de aplicações financeiras.

Se você avalia os 5 mais ricos do relatório você não vê produtores e sim intermediários, eles se tornam ricos pela produção dos outros.

Envolverde: É possível um desenvolvimento humano justo com isso?

Ladislau Dowbor  Não é viável porque a economia está sendo treinada por não produtores. Você tem intermediários financeiros que se apropriam de recursos e não geram emprego nem produtos.

Estes recursos devem ser utilizados para remunerar o desenvolvimento mais limpo e inclusivo, reduzindo a miséria e não para extorquir produtores. Precisamos responder aos desafios ambientais, estamos destruindo o planeta com aquecimento global, desmatamento generalizado e contaminação das aguas doces.

Deveríamos pegar os 20 mil ou 30 mil dólares dos paraísos fiscais e reorientar as necessidades tecnológicas do planeta, uma inclusão produtiva.

Envolverde: Como reverter isso?

Ladislau Dowbor    Enquanto as aplicações render os ricos vão continuar colocando dinheiro em produtos financeiros ao invés de melhorar a situação social. Precisamos taxar o capital improdutivo de forma a reduzir a tributação só se o rico inventar um produto de transformação social.

É inadmissível, no Brasil por exemplo como uma pessoa pobre pode pagar 27% de imposto na sua renda enquanto um sistema bancário paga 15% sendo que vive do dinheiro dos outros, esta é a reforma tributária que precisamos.

Temos um sistema de finanças globais onde caso discordar você pode pular para outro pais enquanto os governos permanecem locais.

O sistema deve ser articulado devolvendo o lucro para o local onde se paga impostos, uma zona financeira planetária. Hoje nosso sistema é fragmentado, o Banco Mundial não faz nada nem o Fundo Monetário Internacional, estamos frente ao caos financeiro mundial.

Envolverde: Esse quadro está se consolidando no Brasil também?

Ladislau Dowbor    O Brasil teve uma experiência de sucesso durante dez anos de redistribuição, onde não se fez caridade e se gerou oportunidades.

O ataque contra esse modelo veio dos grandes grupos financeiros e pendurou o oportunismo político, quando a Dilma tentou reduzir a taxa Selic e muitas pessoas migraram para o Banco do Brasil e Caixa a procura de menos juros. O sistema financeiro é poderoso em termos políticos, nosso Congresso foi eleito por um sistema de financiamento de campanhas inconstitucional.

No Brasil o cenário é dramaticamente abrupto, somos um dos países mais desiguais no planeta. Eu não vejo nenhuma perspectiva positiva para nós no atual governo onde tudo mundo está vendo quem agarra o pedaço de quem. Estão tentando prejudicar até o SUS, isso porque rende muito e é um sistema financeiro. Da mesma forma, temos uma falsa informação da redução da taxa Selic em relação a inflação, no rendimento dos bancos tudo aumento e não abaixou.

Professor de Economia da FEA-USP, Ricardo Abramovay avalia o cenário mundial frente a esta acumulação de riqueza como negativo e com tendência a piorar por causa da revolução digital e inteligência artificial. Confira a entrevista: 
Ricardo Abramovay

Envolverde: O relatório da Oxfam fala da extrema concentração de riqueza na mão de poucas pessoas. Qual o horizonte do mundo nesse cenário?

Ricardo Abramovay: O relatório aborda uma questão importante, não apenas a renda dos mais pobres e sim do topo da pirâmide, os mega ricos. Eles apontam que haverão trilionários. A Oxfam está falando de 8 pessoas que detém uma renda equivalente à metade da população mundial, a preocupação dela é com o topo da pirâmide.

O horizonte é muito negativo nada promissor, há concentração da economia. Vai piorar muito ainda porque o aprofundamento da revolução digital será feito às custas de emprego. A inteligência artificial já está substituindo mão de obra em escritórios de advocacia por exemplo ou em áreas da medicina. A propriedade dos algoritmos é a mais concentrada que o capitalismo já conheceu.

Estamos frente a um prazo muito curto, em 10 ou 15 anos a Inteligência Artificial será superior a humana. Vivemos a era da inovação tecnológica e os governos de direita onde o resultado será a concentração da riqueza. Defendemos um discurso em que precisamos isentar os ricos de impostos para que gerem empregos.

Os governos apresentam também respostas simplistas para problemas complexos limitando as liberdades substantivas da população como educação, direito à cidadania. Então são várias desigualdades e não só a desigualdade de renda.

Envolverde: É possível um desenvolvimento humano justo com isso?

R. A. Depende do que entendamos por desenvolvimento humano, uma coisa que vai acontecer no século XXI é que vamos acabar com as condições extremas de miséria. Teremos acesso a alguns serviços públicos básicos. Mas também existirá uma separação entre o tipo de vida dos ricos e pobres muito ameaçadora. Sociedades muito desiguais tem maior dificuldade para aproveitar o potencial de contribuição para a economia.

A revolução digital está aumentando a produtividade, mas o uso que as pessoas fazem dos dispositivos e redes sociais é precário e padronizado, ao invés de ajudar eles são entorpecidos.

Existe uma visão idealizada da nova geração de empregos no contexto digital, acredito que a única forma de enfrentar esta problemática seja com um programa de renda básica da cidadania.
Envolverde: Como reverter isso?

R. A. Existem basicamente duas cosias a serem feitas. Fortalecimento da sociedade civil, colocar a luta das desigualdades no topo de qualquer agenda econômica, em consequência ampliar a tributação das grandes fortunas no mundo e ampliar os direitos e liberdades substantivos das pessoas mais pobres de forma com que estas não deixem somente de passar fome ou comprem a prestação, mas que tenham acesso à educação, que não sejam perseguidas pela polícia e a política de descriminalização das drogas.

E um último aspecto introduzir ética nas atividades econômicas, Riqueza serve para o que? Os governos são obcecados para ver a economia crescer, porém sem um objetivo que se traduza na expansão de igualdade e liberdade dos menos favorecidos.

Envolverde: Esse quadro está se consolidando no Brasil também?

R. A. O Brasil passou por um processo de redução da desigualdade de renda no começo do milênio porem não reduziu outras formas de desigualdades. Vemos um apartheid social, onde ricos moram em bairros cercados e centrais e os pobres na periferia.  Os governos e políticas sociais sempre reforçaram esta imagem da periferia, que mora longe, e não tem acesso a serviços nem educação de qualidade no local, precisando viajar por horas até a cidade.

O segundo fator é que toda política está voltada para o crescimento econômico, mas não figura em nenhum documento um “para que” ou “para quem”, quando o Brasil volte a crescer será de forma arcaica. Não há nenhum esforço na pauta para reduzir esta desigualdade, nem ajuste fiscal nem tributação. Os ricos são tributados de forma absurdamente baixa.

Vemos pessoas trabalhando de office boy, atendente de caixa, call service sendo que a revolução digital vai eliminar estes empregos. É necessário recolocar estas pessoas no mercado e avaliar este tema na pauta dos governos.

O Governo Lula e Dilma foram os únicos que colocaram na agenda a luta contra a desigualdade de renda, porém não foi possível falar disso de forma correta em um contexto de economia reprimarizada.

Confira o estudo na íntegra:


Fonte: ENVOLVERDE

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