Impacto
positivo da transferência de dinheiro.
Por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 17/1/2017 – Os programas de
transferência de dinheiro procuram reduzir a pobreza, promover estilos de vida
sustentáveis e aumentar a produção nos países em desenvolvimento. Um em cada
quatro países possui esse tipo de iniciativa. Porém, há dúvidas sobre sua
efetividade. Em alguns deles, como o Brasil, considera-se que o programa Bolsa
Família foi um dos fatores fundamentais dos bons resultados sociais registrados
no país nos últimos anos.
O Programa de Transferência de Dinheiro de Zâmbia,
a cargo do Ministério de Desenvolvimento Comunitário, Saúde Materna e Infantil,
funciona desde 2003. Até dezembro de 2014, havia chegado a 150 mil famílias e
há planos concretos de ampliá-lo para todo o país em um futuro próximo. Foto:
FAO.
A inovadora iniciativa proporcionou apoio técnico e
econômico aos setores menos favorecidos da população, de acordo com o Banco
Mundial. O programa chega a 11 milhões de famílias, mais de 46
milhões de pessoas, o que representa uma grande proporção dos setores de
menor renda do Brasil. O modelo, criado há mais de uma década, passou por alguns
ajustes.
As famílias pobres com filhos recebem uma
transferência direta em dinheiro em troca de se comprometerem a manter seus
filhos na escola e levá-los a exames médicos regulares. O programa conseguiu
resultados importantes, como ajudar a reduzir a pobreza e fazer as famílias
investirem em seus filhos, dessa forma rompendo o círculo da pobreza
intergerações e reduzindo a futura pobreza.
O Bolsa Família tem orçamento relativamente modesto
em comparação com outras iniciativas sociais, como a Previdência Social, mas
pode chegar a ser um dos de maior impacto na vida de milhões de
brasileiros de baixa renda, segundo o Banco Mundial.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO) informou, no dia 4 deste mês, que, na década passada,
cada vez mais governos da África subsaariana implantaram programas de
transferência de dinheiro para os setores mais desfavorecidos, como
agricultores de subsistência, pessoas com deficiências ou HIV/aids, bem como
famílias que cuidam de idosos ou deficientes.
“As economias locais e numerosas famílias se
beneficiam das medidas de proteção social, porém os críticos seguem com
dúvidas”, aponta a FAO. A agência elaborou uma lista de mitos e verdades sobre
o impacto dessas iniciativas na melhora da nutrição e da segurança alimentar e
na redução da pobreza rural, com base em avaliação feita em sete países
africanos – Etiópia, Gana, Quênia, Lesoto, Malawi, Zâmbia e Zimbábue –, e
encontrou o seguinte:
As transferências monetárias para os setores mais
vulneráveis registraram resultados positivos. Foto: FAO.
Mito: O dinheiro é gasto com álcool e tabaco.
Realidade: Em seis dos países avaliados não se encontrou
evidência de aumento desse tipo de gasto.
Em Lesoto, por exemplo, os gastos com
álcool diminuíram depois da introdução de programas de transferências
monetárias.
Mito: As transferências não passam de “doações” e não
contribuem para o desenvolvimento.
Realidade: Em Zâmbia, as transferências monetárias aumentaram
as terras de cultivo em 36% e, com isso, o uso de sementes, fertilizantes e mão
de obra contratada, o que proporcionou maior compromisso com o mercado e
impulsionou o uso de mais insumos agrícolas. O país registrou aumento geral na
produção, de 36%. Além disso, a maioria dos programas mostra alta significativa
nas matrículas nos cursos secundários e no gasto com uniformes escolares e
sapatos.
Mito: O dinheiro causa dependência e
preguiça.
Realidade: Em vários dos países, entre eles Malawi e Zâmbia, a
pesquisa mostra redução do trabalho assalariado ocasional e mudança para
atividades mais produtivas e nas zonas rurais. De fato, na África subsaariana,
as transferências de dinheiro produzem efeitos multiplicadores positivos nas economias
locais e aumentam significativamente o crescimento e desenvolvimento nas zonas
rurais. Portanto, o dinheiro não cria dependência, mas incentiva os
beneficiários a investirem mais na agricultura e trabalhar mais.
Mito: As transferências geram inflação e perturbam as
economias locais.
Realidade: Os sete países pesquisados fazem parte do projeto
Proteção à Produção (PtoP), que analisa, entre outras coisas, os efeitos
produtivos e econômicos dos programas de transferência de dinheiro na África
subsaariana. Nenhum dos sete países estudados experimentou inflação. Os
beneficiários representam apenas uma pequena parte da comunidade (de 15% a
20%), mas, por serem de famílias pobres e terem baixo poder aquisitivo, não
compram o suficiente para afetar os preços de mercado, permitindo, assim, que
as economias locais satisfaçam o aumento da demanda. Na Etiópia, para cada
dólar transferido dentro do programa, gera-se cerca de US$ 1,5 para a economia
local.
Mito: As ajudas centradas nas crianças aumentam a
natalidade.
Realidade: Em Zâmbia, as transferências monetárias não
mostraram nenhum impacto na natalidade. No Quênia, a gravidez adolescente
inclusive diminuiu 34% e, na África do Sul, mais de 10%.
A FAO e seus sócios seguem apresentando provas dos
efeitos das intervenções de proteção social na redução da pobreza e da fome. A
agência também utiliza os resultados da pesquisa para dar apoio ao
desenvolvimento de políticas e capacidades para governos e outros atores internacionais
para melhorar o desenho e a implantação de programas nacionais similares.
Os resultados mostram que a implantação desses
programas leva a um maior consumo de alimentos, melhor nutrição, ao aumento das
matrículas escolares, à redução do trabalho infantil, ao desenvolvimento
econômico e à pesquisa agrícola, além de muitos outros benefícios.
Os programas de transferência de dinheiro se
converteram em uma ferramenta cada vez mais importante para sair da pobreza e
contribui para gerar um impacto no longo prazo na vida de muitas famílias. Mas
no mundo ainda restam quase um bilhão de pessoas em situação de extrema
pobreza, que sobrevivem com US$ 1,25 por dia, e 795 milhões sofrem fome de
forma crônica, segundo a FAO.
O atraso em relação às mulheres é particularmente
evidente: a população feminina representa quase metade dos trabalhadores rurais
do mundo, e, em alguns países em desenvolvimento, esse índice chega a 60%, mas
sempre esteve entre os mais pobres.
A FAO indica que seu principal objetivo é o crescimento
econômico, mais do que o empoderamento econômico de seus beneficiários, que
costumam ser os mais pobres, mas a evidência de seu impacto no desenvolvimento
contribui para uma mudança na forma como os dirigentes percebem esses
programas.
No tocante às mulheres, a agência diz que, em
muitos países, a maioria dos beneficiários de transferências monetárias é de
mulheres pobres e vulneráveis. Segundo a FAO, “atribuiu-se à transferência de
dinheiro a capacidade de empoderar as mulheres, pois se entende que, enquanto
receptoras da transferência, conseguem ter o controle dos recursos econômicos”.
Entretanto, prossegue a agência, “a evidência
disponível em matéria de empoderamento está longe de ser definitiva, em
particular no tocante à possibilidade real de haver melhora na capacidade de
negociação e decisão das mulheres dentro de suas casas”.
Fonte: ENVOLVERDE
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