quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Impacto positivo da transferência de dinheiro.
Por Baher Kamal, da IPS – 

Roma, Itália, 17/1/2017 – Os programas de transferência de dinheiro procuram reduzir a pobreza, promover estilos de vida sustentáveis e aumentar a produção nos países em desenvolvimento. Um em cada quatro países possui esse tipo de iniciativa. Porém, há dúvidas sobre sua efetividade. Em alguns deles, como o Brasil, considera-se que o programa Bolsa Família foi um dos fatores fundamentais dos bons resultados sociais registrados no país nos últimos anos.
O Programa de Transferência de Dinheiro de Zâmbia, a cargo do Ministério de Desenvolvimento Comunitário, Saúde Materna e Infantil, funciona desde 2003. Até dezembro de 2014, havia chegado a 150 mil famílias e há planos concretos de ampliá-lo para todo o país em um futuro próximo. Foto: FAO.

A inovadora iniciativa proporcionou apoio técnico e econômico aos setores menos favorecidos da população, de acordo com o Banco Mundial. O programa chega a 11 milhões  de famílias, mais de 46 milhões  de pessoas, o que representa uma grande proporção dos setores de menor renda do Brasil. O modelo, criado há mais de uma década, passou por alguns ajustes.

As famílias pobres com filhos recebem uma transferência direta em dinheiro em troca de se comprometerem a manter seus filhos na escola e levá-los a exames médicos regulares. O programa conseguiu resultados importantes, como ajudar a reduzir a pobreza e fazer as famílias investirem em seus filhos, dessa forma rompendo o círculo da pobreza intergerações e reduzindo a futura pobreza.

O Bolsa Família tem orçamento relativamente modesto em comparação com outras iniciativas sociais, como a Previdência Social, mas pode chegar a ser um dos de maior impacto na vida de milhões  de brasileiros de baixa renda, segundo o Banco Mundial.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) informou, no dia 4 deste mês, que, na década passada, cada vez mais governos da África subsaariana implantaram programas de transferência de dinheiro para os setores mais desfavorecidos, como agricultores de subsistência, pessoas com deficiências ou HIV/aids, bem como famílias que cuidam de idosos ou deficientes.

“As economias locais e numerosas famílias se beneficiam das medidas de proteção social, porém os críticos seguem com dúvidas”, aponta a FAO. A agência elaborou uma lista de mitos e verdades sobre o impacto dessas iniciativas na melhora da nutrição e da segurança alimentar e na redução da pobreza rural, com base em avaliação feita em sete países africanos – Etiópia, Gana, Quênia, Lesoto, Malawi, Zâmbia e Zimbábue –, e encontrou o seguinte:
As transferências monetárias para os setores mais vulneráveis registraram resultados positivos. Foto: FAO.

Mito: O dinheiro é gasto com álcool e tabaco.

Realidade: Em seis dos países avaliados não se encontrou evidência de aumento desse tipo de gasto. 

Em Lesoto, por exemplo, os gastos com álcool diminuíram depois da introdução de programas de transferências monetárias.

Mito: As transferências não passam de “doações” e não contribuem para o desenvolvimento.

Realidade: Em Zâmbia, as transferências monetárias aumentaram as terras de cultivo em 36% e, com isso, o uso de sementes, fertilizantes e mão de obra contratada, o que proporcionou maior compromisso com o mercado e impulsionou o uso de mais insumos agrícolas. O país registrou aumento geral na produção, de 36%. Além disso, a maioria dos programas mostra alta significativa nas matrículas nos cursos secundários e no gasto com uniformes escolares e sapatos.

Mito: O dinheiro causa dependência e preguiça.

Realidade: Em vários dos países, entre eles Malawi e Zâmbia, a pesquisa mostra redução do trabalho assalariado ocasional e mudança para atividades mais produtivas e nas zonas rurais. De fato, na África subsaariana, as transferências de dinheiro produzem efeitos multiplicadores positivos nas economias locais e aumentam significativamente o crescimento e desenvolvimento nas zonas rurais. Portanto, o dinheiro não cria dependência, mas incentiva os beneficiários a investirem mais na agricultura e trabalhar mais.

Mito: As transferências geram inflação e perturbam as economias locais.

Realidade: Os sete países pesquisados fazem parte do projeto Proteção à Produção (PtoP), que analisa, entre outras coisas, os efeitos produtivos e econômicos dos programas de transferência de dinheiro na África subsaariana. Nenhum dos sete países estudados experimentou inflação. Os beneficiários representam apenas uma pequena parte da comunidade (de 15% a 20%), mas, por serem de famílias pobres e terem baixo poder aquisitivo, não compram o suficiente para afetar os preços de mercado, permitindo, assim, que as economias locais satisfaçam o aumento da demanda. Na Etiópia, para cada dólar transferido dentro do programa, gera-se cerca de US$ 1,5 para a economia local.

Mito: As ajudas centradas nas crianças aumentam a natalidade.

Realidade: Em Zâmbia, as transferências monetárias não mostraram nenhum impacto na natalidade. No Quênia, a gravidez adolescente inclusive diminuiu 34% e, na África do Sul, mais de 10%.

A FAO e seus sócios seguem apresentando provas dos efeitos das intervenções de proteção social na redução da pobreza e da fome. A agência também utiliza os resultados da pesquisa para dar apoio ao desenvolvimento de políticas e capacidades para governos e outros atores internacionais para melhorar o desenho e a implantação de programas nacionais similares.

Os resultados mostram que a implantação desses programas leva a um maior consumo de alimentos, melhor nutrição, ao aumento das matrículas escolares, à redução do trabalho infantil, ao desenvolvimento econômico e à pesquisa agrícola, além de muitos outros benefícios.

Os programas de transferência de dinheiro se converteram em uma ferramenta cada vez mais importante para sair da pobreza e contribui para gerar um impacto no longo prazo na vida de muitas famílias. Mas no mundo ainda restam quase um bilhão de pessoas em situação de extrema pobreza, que sobrevivem com US$ 1,25 por dia, e 795 milhões sofrem fome de forma crônica, segundo a FAO.

O atraso em relação às mulheres é particularmente evidente: a população feminina representa quase metade dos trabalhadores rurais do mundo, e, em alguns países em desenvolvimento, esse índice chega a 60%, mas sempre esteve entre os mais pobres.

A FAO indica que seu principal objetivo é o crescimento econômico, mais do que o empoderamento econômico de seus beneficiários, que costumam ser os mais pobres, mas a evidência de seu impacto no desenvolvimento contribui para uma mudança na forma como os dirigentes percebem esses programas.

No tocante às mulheres, a agência diz que, em muitos países, a maioria dos beneficiários de transferências monetárias é de mulheres pobres e vulneráveis. Segundo a FAO, “atribuiu-se à transferência de dinheiro a capacidade de empoderar as mulheres, pois se entende que, enquanto receptoras da transferência, conseguem ter o controle dos recursos econômicos”.

Entretanto, prossegue a agência, “a evidência disponível em matéria de empoderamento está longe de ser definitiva, em particular no tocante à possibilidade real de haver melhora na capacidade de negociação e decisão das mulheres dentro de suas casas”.


Fonte: ENVOLVERDE

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