Futuros
alimentares.
Por Rosa Alegria*
O ambiente alimentar começou a mudar há dez anos
com o advento das redes sociais, que passaram a criar redes de consumidores
ávidos por informação e engajados com a ideia de vida mais saudável.
Foto: Shutterstock
A indústria de alimentos está passando pela maior
transformação de toda a história.
São vários os fatores provocando abalos sísmicos no
setor: a hiperconectividade que informa e intensifica a conscientização sobre o
que é ou não saudável; os fenômenos globais como o aumento da população, a
escassez de recursos naturais, as mudanças climáticas e a concentração
econômica das megacorporações.
O ambiente alimentar começou a mudar há dez anos
com o advento das redes sociais, que passaram a criar redes de consumidores
ávidos por informação e engajados com a ideia de vida mais saudável.
28% dos brasileiros consideram que o valor
nutricional é o mais importante na hora de consumir um produto e 22% das
pessoas ouvidas em um levantamento disseram preferir alimentos naturais sem
conservantes (Euromonitor).
Uma nova revolução alimentar
Foto: Shutterstock
O conceito de segurança alimentar tem ido além das
doenças provocadas por alimentos insalubres, mas também envolve o impacto dos
seus ingredientes.
Os Noodles Maggi da Nestlé foram recolhidos das
prateleiras durante seis meses nos Estados Unidos devido à presença excessiva
de chumbo.
Depois desse incidente, as vendas desse produto
caíram 80% na Índia.
Cadeias de fast-food estão ajustando seus menus,
reduzindo a quantidade de substâncias químicas em seus pratos (Baum+Whiteman. Already, Chipotle Mexican Grill, Panera Bread, McDonald’s, Papa John’s e
Subway, Wraps, Seletti, Go Fresh e Salad Creations).
A Chipote, a primeira cadeia de fast-food saudável,
é um exemplo mexicano. O próprio Mcdonalds tem trabalhado nessa direção.
Sem falar das inúmeras outras estratégias para
atender essas novas realidades que pessoas bem informadas e vigilantes impõem
às empresas, sejam fornecedoras, produtoras ou varejistas.
A eliminação do glúten e do leite é outra
revolução. Mesmo não precisando eliminá-los dos alimentos, muitos estão
passando a descartá-los por prevenção de saúde, fazendo com que a indústria
responda a essa exigência, lançando itens gluten-free ou sem lactose, e já são
muitos nas prateleiras dos supermercados.
A Dinamarca se lançou no mundo adotando desde há
dois anos a agricultura 100% orgânica. Outros países a seguirão em breve.
Alimento será moeda de troca?
A agricultura climaticamente inteligente é uma
estratégia que ajuda a guiar as ações necessárias para garantir a segurança
alimentar em um clima mutante. Foto: FAO
À medida que cresce a população mundial, aumenta a
demanda de alimentos. A previsão para os próximos 15 anos é de um aumento de 35
% na produção.
A escassez da água e as mudanças climáticas definem
o destino das plantações e o aumento dos preços.
Ano passado, a mídia chinesa relatou que o governo
tinha comprado soja, milho, trigo e arroz dos agricultores e armazenado em
silos por todo o país para uso em casos de emergência, para evitar flutuações
excessivas de preços.
O futurista-ambientalista Lester Brown, fundador do
Worldwatch Institute, quando afirma algo, é ouvido por todo mundo.
Pois então é preciso prestar atenção ao que ele
agora sinaliza ao afirmar que “uma perigosa geopolítica” de escassez de
alimentos está surgindo.
Países agindo em seu próprio interesse, reforçando
as tendências que ameaçam a segurança alimentar mundial.
Quer dizer então que a base da economia mundial
poderá estar no valor dos alimentos? Haverá moedas lastreadas na produção de
arroz, carne e cereais? Por que não?
Das mesas para as ruas
A magnitude desse cenário tem influenciado o
ativismo político: os alimentos estão cada vez mais presentes nas passeatas em
praças públicas e têm sido pauta e movimentos sociais, a exemplo da revolução
de 2011 no Egito.
Daqui em diante mais e mais pessoas vão querer ter
controle sobre a forma com que os alimentos são produzidos e consumidos.
Continuarão também se indignando com paradoxos de
um mundo em desequilíbrio e extremamente desigual: enquanto 795 milhões passam
fome, 2,1 bilhões lutam contra a obesidade e um terço do que é produzido se
perde ou vai para o lixo.
O ativismo alimentar de entidades brasileiras como
o IDEC e o Instituto Alana têm promovido campanhas com especial atenção para as
crianças, já que 70% delas decidem os alimentos que querem que os pais lhes
comprem.
Na contramão das escolhas, os monopólios
Na contramão do movimento cidadão capaz de mudar o
rumo da indústria, aumenta a concentração das corporações aglomeradas por
fusões e aquisições, segundo recente estudo lançado na Alemanha (Konzernatlas
2017), e isso fragiliza a amplitude de ação e de escolhas, incluindo a
biodiversidade.
Aumenta o número de espécies alimentícias em
extinção como a batata roxa, a jabuticaba, o jenipapo, o umbu, a pitanga, o
pinhão, o pequi e o babaçu. Quanto maior a concentração produtiva controlada
pelas empresas, mais padronizada a alimentação.
Que futuros irão nos alimentar?
Crianças almoçam refeição preparada por um grupo de
mulheres que participam de um projeto de alimentação escolar. Foto: FAO
As crianças que estão nascendo hoje serão talvez
adultos com vaga lembrança de ter convivido com a fome, de terem comido carne
de animais abatidos, de embalagens de rápido descarte.
As novas tecnologias prometem novos mundos na
relação com os alimentos.
A era pós-animal: quase um terço das terras férteis
são utilizadas para criação de gado e o consumo de carne deve crescer 70% até
2050 (Economist).
Mas o futuro já indica a possibilidade de
consumirmos carne sem ter de devastar a natureza com pastagens.
Essa aventura redentora já começou na Holanda, que
já desenvolveu um hambúrguer feito de células do músculo de uma vaca, o que
podemos chamar de carne in-vitro ou carne de laboratório.
Uma única amostra de célula-tronco poderia produzir
20 mil toneladas de carne suficientes para preservar 440.000 cabeças de gado e,
com isso, haveria uma redução de 45% na energia utilizada no ciclo produtivo.
Engenharia genética: a ideia de alimentos
geneticamente desenhados ainda faz os ambientalistas torcerem o nariz.
Trata-se da criação de novas cadeias alimentares
(plantas e animais), melhor dizendo, da manipulação de semente.
Apesar das controvérsias, muitos ainda advogam que
essa será a saída para o combate da fome e poderá ser financeiramente viável
nos próximos cinco anos.
Nutrigenômica: teremos alimentos personalizados
para cada necessidade nutricional e condições de saúde individualizada. Afinal,
estamos na era da individualidade genômica.
Realidade aumentada: dietas com base na realidade
aumentada já estão em operação em Tóquio e funcionam com aparelhos visuais que
mostram a comida em tamanhos bem maiores que o real para criar ilusões de
consumação.
O sujeito pensa que está comendo um quilo de
batatas fritas (pela imagem ampliada) mas de fato não ultrapassa 100 gramas.
Alimentos 3D: o restaurante Food Ink é o primeiro
do mundo a ter um cardápio impresso em 3D.
O exército norte-americano pretende usar as impressoras
3D para customizar o alimento para cada soldado.
A NASA está explorando a impressão 3D de comida no
espaço. A tecnologia poderia até mesmo acabar com a fome em todo o mundo.
A fabricante de chocolates Hershey já oferece
produtos impressos e permite os consumidores fazerem sua própria impressão.
Fazendas biológicas: poderão funcionar como
fábricas biológicas para produção de moléculas de alto valor agregado em larga
escala e com baixo custo.
Plantas, animais e microrganismos geneticamente
modificados para produção de medicamentos.
Um misto de sensações podemos sentir no contato com
esses e outros futuros alimentares.
Entre incertezas e encantamentos, é inegável que
temos adiante uma das mais impressionantes jornadas a serem trilhadas na
história da humanidade.
Onde ela vai dar, tem muito a ver com o que juntos,
bem informados, cidadãos conscientes e organizados em rede, iremos escolher.
* Rosa Alegria, Master of Sciences, há 15
anos pioneira em Estudos do Futuro no Brasil, academicamente certificada pelo
mais reconhecido centro mundial nessa área: University of Houston, Clear Lake,
USA. Fundadora do NEF – Nucleo de Estudos do Futuro, na PUC/SP.
Fonte: Diário do Comércio
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