Trump
derruba veto a oleodutos polêmicos.
Em menos de três minutos, no seu quarto dia de
mandato, novo presidente dos Estados Unidos assina decretos que prejudicam
clima, terras indígenas e o licenciamento ambiental.
Por Claudio Angelo e Camila Faria, do OC –
Nunca antes na história deste planeta tantos
retrocessos ambientais aconteceram num intervalo de tempo tão curto. Nesta
terça-feira (23), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu três
canetadas que prejudicam o clima, os povos indígenas e o licenciamento
ambiental – tudo isso num intervalo de dois minutos e meio. Trump completou
hoje quatro dias no cargo, o que faz imaginar o que ele será capaz de fazer em
quatro anos.
Dois decretos (chamados nos EUA de “ordens
executivas”) retiram o veto à construção de dois polêmicos oleodutos que
permitirão o refino de petróleo extraído de fontes não-convencionais. O
terceiro acelera o licenciamento ambiental para obras de infraestrutura de
interesse do governo. É a versão americana do “licenciamento a jato” que o
senador Romero Jucá (PMDB-RR) tentou aprovar no Brasil, até aqui sem sucesso.
A primeira ordem assinada pelo presidente diz
respeito ao oleoduto Keystone XL. O nome certo seria “betumeduto”, já que o
objetivo da tubulação de 2.700 quilômetros (pouco menos que a distância São
Paulo-Belém) é trazer por dia 830 mil barris de betume do Canadá, para serem
refinados e exportados em Houston, no Texas.
O betume é extraído das areias betuminosas de
Athabasca, na Província de Alberta, e é considerado o combustível fóssil mais
sujo do planeta. Sua produção envolve não apenas a destruição do ecossistema
local, de antigas florestas boreais, mas também gastos enormes de energia para
separar o petróleo superpesado da areia – o processo consiste basicamente em dar
um banho de vapor nesta última até derreter o petróleo.
A abertura à exportação do petróleo canadense tem
potencial de emitir 8,4 bilhões de toneladas de CO2 a mais durante o tempo de
vida do projeto (mais de quatro vezes tudo o que o Brasil emite por ano), o que
dificultaria o cumprimento da meta do Acordo de Paris de estabilizar o
aquecimento global em menos de 2oC.
A Keystone XL foi objeto de diversos protestos de
ambientalistas nos EUA. Um deles terminou com dezenas de presos, entre eles o a
atriz Daryl Hannah e o climatologista James Hansen, que declarou que sua
construção seria “fim de jogo para o clima”. Em 2015, 90 cientistas e
economistas e dez vencedores do Prêmio Nobel da Paz mandaram cartas ao
presidente Barack Obama pedindo que vetasse a obra – o que ele fez, no fim
daquele ano.
Agora, Trump autoriza a empresa TransCanada,
responsável pelo projeto, que submeta de novo o oleoduto ao exame do governo.
“Vamos renegociar os termos. Se eles gostarem, vamos ver se fazemos esse
oleoduto”, disse, ressaltando que quer que os tubos sejam fabricados nos EUA.
“São muitos empregos, 28 mil empregos, grandes empregos na construção”,
gabou-se Trump. O site Politico reportou em 2013, com base
em um relatório do Departamento de Estado, que após a construção o duto manterá
apenas 35 empregos permanentes. A aprovação do projeto estará nas mãos de Rex
Tillerson, secretário de Estado, que até dezembro presidia a maior empresa de
petróleo do mundo.
O segundo ato determina ao Batalhão de Engenharia
do Exército que revise e aprove o quanto antes o plano de construção do
oleoduto Dakota Access. Essa segunda rede de tubos levará petróleo extraído por
“fracking” no folhelho Bakken, formação rochosa rica em óleo na Dakota do
Norte, no noroeste do país, até Illinois, no Meio-Oeste, cruzando a terra
indígena Standing Rock, dos sioux, e passando por baixo do rio Missouri, única
fonte de água da tribo. O projeto foi alvo de empates de índios e
ambientalistas, que acamparam na frente da obra para impedir a construção e
foram violentamente reprimidos pela polícia. A construção foi suspensa em
dezembro.
Trump durante a assinatura dos atos. Foto:
Reprodução
“Mais pessoas mandaram comentários ao governo
contra o Dakota Access e o Keystone XL do que sobre qualquer outro projeto na
história”, disse Bill McKibben, fundador da ONG 350.org, segundo o site Think Progress, ligado
aos democratas. Ele prometeu mais protestos. “Os cientistas do clima e Prêmios
Nobel explicaram seguidas vezes por que os projetos eram burros e imorais. Em
um de seus primeiros atos como presidente, Donald Trump ignora tudo isso no afã
de servir à indústria do petróleo.”
Mas a imprensa americana reportou nesta terça-feira
que há mais alguém a quem Trump parece querer servir com as liberações: ao
próprio bolso e ao alguns de seus auxiliares.
De acordo com prestações de contas da campanha
presidencial, Trump já investiu pessoalmente entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão
em ações da ETP (Energy Transfer Partners), companhia responsável pela
construção do oleoduto de Dakota, que foram vendidas no final de 2016, e possui
entre US$ 250 mil e US$ 500 mil milhão na Phillips 66, que deve ter 25% do
projeto completo. Ainda não se sabe se essas ações foram vendidas pelo atual
presidente. Já o chefe-executivo da ETP, Kelcy Warren, doou mais de US$100 mil
para a campanha de Trump e adicionais US$ 66.800 para o Partido Republicano
depois que o Trump se tornou o candidato oficial do grupo.
O secretário de Energia de Trump, Rick Perry,
esteve entre os acionistas diretores da ETP até o dia 31 de dezembro de 2016.
No ano anterior, o atual secretário e ex-governador do Texas, teria recebido
US$ 236.820 de acordo com registros da companhia. O presidente da petroleira
Continental Resources, apelidado de “Rei do Fracking” Harold Hamm, é um dos
conselheiros de Trump e teria seu produto transportado pela Dakota Access. John
Paulson, outro conselheiro, e investidor pesado na indústria de gás e óleo,
especialmente na extração no folhelho Bakken.
“O aprendiz do caos climático protagonizou um show
de violação dos direitos indígenas, assassinato do licenciamento ambiental e o
empurrão do planeta Terra ainda mais para perto das catástrofes ambientais”,
disse a diretora para a América Latina da 350.org, Nicole Oliveira, em alusão
ao antigo programa de TV de Trump, O Aprendiz. “O começo da temporada demonstra
que os próximos episódios serão cada vez mais ‘fósseis’. É um sinal claro de
uma mudança na política energética americana que enfatiza e perpetua a
dependência dos hidrocarbonetos. Que esse reality show não seja replicado no
Brasil e na América Latina.”
Fonte: Observatório do Clima
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