Energia
envolve gênero, integração e clima.
Por Mario Osava, da IPS –
Quito, Equador, 27/1/2017 – “As mulheres querem as
coisas em lugares diferentes dos homens”, afirmou Sissy Larrea, para enfatizar
que gênero também é uma questão importante em matéria de energia na América
Latina. As mulheres são as mais afetadas por carências energéticas no trabalho
doméstico, majoritariamente sob sua responsabilidade, e atividades como
comércio e produção alimentar, mas são marginalizadas nas decisões do setor.
Painéis fotovoltaicos na sede da Organização
Latino-Americana de Energia (Olade), em Quito, geram três quilowatts, o que
reduz os custos da instituição e serve de unidade de demonstração para
estimular o uso e a geração de energia solar. Foto: Mario Osava/IPS
Por se tratar – como se pensa – de “uma área
técnica, não social, os homens assumem a direção e cabem às mulheres serviços
de administração”, destacou Larrea, assessora para Igualdade de Gênero da
Organização Latino-Americana de Energia (Olade), com sede na capital do
Equador. Com a sua contratação dessa antropóloga com duas décadas de
experiência em temas de gênero, a Olade intensificou, desde 2012, a capacitação
e a sensibilização de governos e instituições para adoção de políticas e
ferramentas para a igualdade entre homens e mulheres nos órgãos de decisão.
Unidades ou comissões de gênero foram criadas ou
fortalecidas em ministérios e empresas de muitos países como Haiti, México e
Uruguai, com mecanismos para superar iniquidades. A capacitação, por meio de
cursos variados e assistência técnica, é o principal instrumento da Olade para
cumprir a missão para a qual foi criada em 1973, de contribuir para a
integração e segurança energética regional, para o desenvolvimento sustentável e
a cooperação entre seus 27 países membros da América Latina e do Caribe.
“A matéria-prima da Olade é o conhecimento”,
definiu para a IPS o brasileiro Fernando Ferreira, secretário executivo da
organização entre 2014 e 2016. Somando os chamados diplomados, cursos
presenciais intensivos de seis semanas, à capacitação virtual de dez horas, um
total de 7.200 especialistas ampliaram seus conhecimentos em temas como
planejamento, energias renováveis, inclusão social e eficiência energética. A
quantidade cresceu muito desde 2006, quando houve 263 participantes.
O salto ocorreu com as novas ferramentas adotadas
nos cursos virtuais a partir de 2012, explicou Paola Carrera, coordenadora de
Gestão da Informação e Capacitação. Em 2016, o curso sobre Perdas Elétricas, por
exemplo, teve mais de 800 participantes. Além da sede em Quito, sub-sedes em
Honduras e Jamaica contribuem para a expansão, atendendo interessados do Caribe
e da América Central.
Com a vista de Quito ao fundo, Sissy Larrea,
assessora para Igualdade de Gênero da Olade, autora do manual Estratégia de
Igualdade de Gênero da Olade, em 2013, dissemina a questão de gênero nas
decisões e atividades energéticas da região. Foto: Mario Osava/IPS
“Os cursos, interdisciplinares e plurinacionais,
são enriquecedores. Vi que a situação energética da América Central é muito
diferente da existente na América do Sul”, contou Gloriana Alvarado, do estatal
Instituto Costa-Riquenho de Eletricidade, recordando sua participação no
diplomado de 2013, em Quito. Ela se interessou pela gestão energética
sul-americana, com os conflitos devidos ao uso de hidrocarbonos na geração
elétrica, em contraste com a Costa Rica, onde “são gerados mais de 95% com
fontes renováveis”, principalmente hídrica, eólica e geotérmica, destacou.
“A média é de 20 cursos por ano, mas promovemos
outras formas de compartilhar conhecimento, como o Programa de Cooperação
Sul-Sul”, explicou Ferreira, economista e doutor em engenharia que trabalhou em
uma estatal e em vários órgãos de regulação e planejamento energético do
Brasil. Um exemplo “é o intercâmbio entre países com grande potencial em
geotermia mas sem experiência”, como os andinos, e os que já desenvolveram essa
fonte, como México e centro-americanos.
Sistemas de informação energética e publicações
especializadas da organização também ajudam a melhorar a gestão do setor nos
diferentes países. A Olade nasceu em 2 de novembro de 1973 como organização
intergovernamental, em resposta à chamada primeira crise internacional do
petróleo, pela explosão de seus preços, que desnudou a necessidade de se
impulsionar políticas energéticas e a cooperação na América Latina, onde a
maioria dos países é importadora de hidrocarbonos.
Fernando Ferreira, economista brasileiro que foi
secretário executivo da Olade no último triênio, pouco antes de deixar o cargo.
“A matéria-prima da Olade é o conhecimento”, afirma. Foto: Mario Osava/IPS
A integração energética regional, um objetivo
original, se revelou complexa e não avançou no ritmo do desejo declarado pelos
ministros de Energia que se reúnem anualmente na organização. “Para a Olade, a
integração não acaba, está sempre em construção”, pontuou Ferreira, citando,
como “bom exemplo regional”, o Sistema de Interligação Elétrica dos Países da
América Central, que já conta com linhas de transmissão nos seis países
centro-americanos desde 2014.
Na América do Sul, há acordos bilaterais que
resultaram em hidrelétricas binacionais, como Itaipu e Yaciretá, na fronteira
do Paraguai com o Brasil e a Argentina, respectivamente. Mas a “Olade perdeu
espaço para outras instituições políticas”, reconheceu Ferreira.
Nas últimas décadas surgiram vários organismos de
integração e concertação regional ou sub-regional, como o Mercado Comum do Sul
(Mercosul), a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de
Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que concentram as decisões
políticas, limitando a Olade a funções técnicas. E é como “assessoria técnica”
que desenhou para a Celac, em 2015, um “mapa do caminho” de integração e
sustentabilidade energética regional.
Também fez para a Unasul um estudo de prioridade
nos projetos energéticos da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura
Regional Sul-Americana, aprovada em uma cúpula presidencial da sub-região em
2000, com 531 projetos. “Necessitamos de um segundo Convênio de Lima”, opinou
Ferreira, se referindo ao acordo que criou a Olade em 1973, e que precisa de atualização.
No contexto atual, o desafio da integração tem que
contemplar a mudança climática e a sustentabilidade ambiental como um eixo
adicional, observou o ex-secretário da Olade. Por isso ganham importância as
novas fontes renováveis de energia. A Olade decidiu estimular a energia solar.
Em outubro, instalou uma pequena planta de três quilowatts em sua sede, para
ensinar estudantes e interessados em sua operação, medindo a geração, seu valor
e o volume evitado de gases-estufa.
A unidade de demonstração também é um laboratório
da eficácia solar nas condições de Quito, a poucos quilômetros da linha
equatorial. “A Olade é um local privilegiado, com o sol forte e quase
perpendicular”, mas a altitude superior a 2.800 metros impede o calor excessivo
que reduziria a produtividade fotovoltaica, detalhou Ferreira. “Os países
pequenos são mais receptivos” a energias renováveis e eficiência energética,
comprovou Jorge Asturias, diretor de Estudos e Projetos da Olade.
“Os grandes,
com capacidade de financiar seus próprios estudos, cooperam mais com agências
internacionais”, não regionais, lamentou.
O futuro da Olade está ligado a novos mercados
energéticos, acrescentou Ferreira. A partir de 2023, o Paraguai terá total
liberdade para usar a eletricidade produzida por Itaipu à qual tem direito,
metade dos 14 mil megawatts gerados pela central, atualmente utilizadas quase
totalmente pelo Brasil.
Assim, haverá novos negócios no Cone Sul.
Uma dificuldade que a Olade enfrenta são os atrasos
na contribuição dos países membros, segundo Helena Cantizano, chefe da
Assessoria de Relações Internacionais do Ministério de Minas e Energia do
Brasil, que desde 2005 participa das ações da organização.
“O Brasil esteve insolvente por um longo período,
sendo um dos países que mais contribuem, junto com Argentina, México e
Venezuela”, recordou Cantizano, destacando que Brasília aporta pouco mais de
US$ 240 mil ao ano, bem menos do que destina a outras organizações
multilaterais. Mesmo assim, a Olade “aperfeiçoou seu processo de seleção de pessoal,
na contratação de bens e serviços, e elevou a qualidade de seus produtos”, ressaltou.
Fonte: ENVOLVERDE
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