Povos
indígenas do Teles Pires querem sair da invisibilidade nos processos de
licenciamentos hidrelétricos.
Autor Sucena Shkrada Resk -
20/06/2017
Em
Seminário do PBAI da UHE Teles Pires, indígenas fizeram uma série de
reivindicações. Foto: Fórum Teles Pires
Lideranças dos povos Kayabi, Munduruku e Apiaká,
que vivem em aldeias na Bacia do Teles Pires, nos estados do Pará e Mato
Grosso, reivindicam o direito da participação ativa desde o processo de
planejamento pelo Governo Federal, quando são feitos os estudos pela Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) subordinada ao Ministério de Minas e Energia (MME)
até o licenciamento dos empreendimentos hidrelétricos pelo Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que estão sendo
instalados na região e afetam as terras indígenas.
Hoje estas etnias já são atingidas por dois
empreendimentos licenciados. As aldeias sofrem impactos da UHE Teles
Pires, do Companhia Hidrelétrica Teles Pires (CHTP), que é a décima em potência
instalada no país (1.820 MW). O empreendimento fica a 55 quilômetros de Alta
Floresta, Mato Grosso, e a 500 km de Jacareacanga, PA. Está a 40 km da UHE São
Manoel (700 MW), pertencente à Empresa de Energia São Manoel (em fase de
construção), e que tem licença de operação prevista para julho deste ano.
Os indígenas narram a dificuldade de serem ouvidos
e esclarecidos o suficientemente para que possam estabelecer com autonomia, as
prioridades específicas de cada povo nos Planos ou Projetos Básicos Ambientais
Indígenas (PBAIs). Ao mesmo tempo, expõem a dificuldade para compreender a
metodologia e cumprimento de cada atividade proposta pelas empresas nesses
planos.
Os PBAIs são condicionantes obrigatórias que
devem estar definidas antes da emissão das licenças de
instalação (LI), marcando o início das obras, concedidos
pelo Ibama. São feitos para controlar as consequências negativas que
foram previstas nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA). Já a Funai é
responsável pelos encaminhamentos técnicos e emissão do termo de referência
para o componente indígena e deve estar envolvida em todo o processo de
licenciamento, quanto existe impactos aos povos indígenas.
“Fizemos o PBAI com os três povos, depois do Licenciamento
de Instalação (LI). Corremos o risco e pagamos caro por isso. As etnias não
aprovaram em 2012, mas a Funai aprovou e desenvolvemos um plano com 19
programas”, disse Marcos Duarte, diretor de Meio Ambiente da UHE Teles Pires,
ao ser perguntado pelo Instituto Centro de Vida (ICV), durante o evento “Lições
Aprendidas no processo de licenciamento ambiental durante a implantação e
operação de grandes hidrelétricas na Amazônia”, promovido em São Paulo, pelo
Comitê Brasileiro de Barragens e parceiros, no dia 13 de junho.
“Pouquíssimas empresas querem trabalhar em TIs e
estão capacitadas para trabalhar com o indígena. Há a ausência do Estado. O
tempo do índio não é o mesmo do branco…”, completou.
“Estes empreendimentos se conectam pouco com as
comunidades atingidas. Se isso é assim, considerando as cidades, imagine com os
povos indígenas, com os quais há uma questão mais sensível, com sistema de
valores diferentes”, avalia Evandro Moretto, professor do curso de Ciência
Ambiental, da Pós-Graduação do Instituto de Energia e Ambiente, da Universidade
de São Paulo (IEE/USP). O especialista ainda alerta, neste cenário, para o
vazio institucional da figura do Estado nestas regiões, o que gera uma série de
demandas de infraestrutura.
Reivindicações indígenas
Segundo os indígenas, o maior foco de preocupação
hoje é descobrir o motivo e solucionar a diminuição gradativa de peixes (jaú,
mantrinxã, pacu, piau, entre outros) e de tracajás, e da qualidade das águas do
rio (há registros de casos de pano branco na pele e diarreias) no trecho que
habitam.
Estas mudanças podem afetar respectivamente a segurança alimentar e a
saúde indígena. Para isso, reivindicam resultados de monitoramento para
verificar se esta mudança se deve à usina.
Indígenas
citam o aumento de peixes mortos. Este jaú foi flagrado por Munduruku, perto da
Cachoeira do Jaú, no dia 17 de junho. Foto: Alisson Munduruku.
Com relação ao abastecimento de água, a CHTP,
segundo Duarte, concluiu até maio, a perfuração de 17 poços artesianos nas
aldeias, que deverão suprir o abastecimento de água local.
Os problemas apresentados pelos indígenas são
resultado de um acúmulo de violações durante o processo de licenciamento da UHE
Teles Pires, de acordo com Karla Dilascio, analista ambiental do Instituto
Centro de Vida (ICV) e integrante do Fórum Teles Pires. “Segundo
o Ministério Público Federal (MPF), em 12 Ações Civis Públicas
apenas para a CHTP, constam irregularidades em todo o processo de
licenciamento. Destas, um terço sofreu, no entanto, Suspensão de Segurança.
Artifício este muito utilizado no período militar”, explica. Esta é uma medida
cautelar contra atos do Poder Público que são alvo do Ministério Público (Lei
nº 8.437/ 1992) e que, de acordo com a lei, firam o ‘interesse público, saúde e
a segurança e a economia públicas’.
As lideranças indígenas também narram que os
valores imateriais em locais que consideram sagrados em suas culturas estão
sendo desrespeitados. Um desses trechos já afetados são as Corredeiras de Sete
Quedas (que ficaram submersas), onde estavam urnas de ancestrais. As mesmas se
encontram sob responsabilidade da CHTP, empresa responsável pela Usina Hidrelétrica
(UHE) Teles Pires, que deverá devolvê-las aos indígenas, que cobram essa ação.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está
acompanhando esta agenda.
Juvenildo Kayabi cita a preocupação com outros
locais sagrados para seu povo, como o Morro do Macaco e a Lagoa do Jabuti,
próximos à estrutura da UHE São Manoel, em fase final de construção.
Os indígenas ainda reivindicam que oficinas de
capacitação, como informática e fotografia, ministradas no PBAI, sejam mais
extensas, respeitando o tempo de aprendizado dos indígenas. “Em quatro dias de
aula, a gente não aprende a mexer com programas de computador e com as
câmeras”, diz Cândido Waro Munduruku. Ele cita a dificuldade de compreensão da
linguagem do branco e que a maioria dos indígenas não tem conhecimento
precedente das técnicas.
“As empresas não aprovam o programa do jeito que o
indígena quer. O processo não é feito com a nossa participação direta,
precisamos entender e estudar o que é um PBAI”, afirma outra liderança
Munduruku, Emiliano Kirixi. E Floriano Boro Munduruku complementa: “Gostaríamos
de saber o que a gente pode cobrar e melhorar”.
Ivenaldo Paleci Apiaká desabafa que a hidrelétrica
não apresenta em seus relatórios a parte difícil, que os indígenas estão
vivenciando na realidade do dia a dia.
MPF abre inquérito civil
Em março deste ano, o Ministério Público Federal
(MPF) abriu um inquérito civil, que se encontra em andamento, para fiscalizar o
cumprimento do PBAI tanto da UHE Teles Pires, como de São Manoel, esta segunda
em fase de implantação. Malê de Aragão Frazão, procurador geral da república,
em Sinop, destaca que um aspecto essencial juridicamente, é o respeito à Convenção
169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Neste compromisso
internacional, ratificado pelo Brasil em 2002, é estabelecida a consulta livre,
prévia e informada, antes de serem tomadas decisões que possam afetar os bens
ou direitos indígenas.
Respeito à cultura indígena
Recentemente, representantes das três etnias
expuseram suas reivindicações, durante o Primeiro
Seminário de Avaliação Final do PBAI da UHE Teles Pires, correspondente ao
período de 2013 e 2017. O encontro ocorreu entre o dia 30 de maio e 02 de
junho, em Alta Floresta, Mato Grosso, com a presença de aproximadamente 200
indígenas, além de representantes da Funai e do Ibama, entre
outros. Este seminário é uma condicionante socioambiental obrigatória
para que a empresa CHTP receba a renovação da licença de operação (LO). A
mesma foi concedida em 2014, permitindo o enchimento do reservatório.
“O seminário é uma prestação de contas para que no
final, os indígenas possam deliberar, aceitando ou não. Avalio que não foi
válido, porque não houve o esclarecimento adequado aos indígenas, conforme
determina a Convenção 169. Apesar de haver um espaço democrático, na exposição
sobre o monitoramento da ictiofauna (entre outros temas), por exemplo, os
indígenas destacaram que não entenderam nada do que foi apresentado. Sendo
assim, não teriam condições de avaliar”, diz o procurador.
Segundo os indígenas, durante o Seminário de Alta
Floresta, as equipes que trabalham para a CHTP no monitoramento
da ictiofauna, nunca deram um retorno sobre os resultados em todos estes
anos.
Frazão acompanhou o último dia do seminário e ouviu
várias lideranças, que entregaram um dossiê ao mesmo sobre suas reivindicações,
com apoio do Fórum Teles Pires, do qual o ICV, o International Rivers – Brasil,
entre outras organizações e integrantes fazem parte, na defesa dos direitos dos
atingidos hoje principalmente por empreendimentos hidrelétricos na Bacia do
Teles Pires. O documento também foi entregue à presidente do Ibama, Suely
Araújo, no dia 9 de junho.
O procurador salienta que a comunicação das
empresas deve ser adaptada aos povos indígenas. “São muitos termos técnicos.
Deve ter formato acessível, respeitando as peculiaridades culturais e aspectos
linguísticos”, destaca.
Para João Andrade, coordenador do Núcleo de Redes
Socioambientais do ICV e integrante do Fórum Teles Pires, o que está
acontecendo na Bacia do rio Teles Pires é um exemplo de irregularidades
com impactos irreversíveis. “O governo brasileiro e as empresas de
hidrelétricas não estão dando a atenção de devida. Corrobora o
que aconteceu com as usinas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho, e
Belo Monte, em Altamira. Exige um repensar sobre o modos operante do
planejamento da matriz hidrelétrica e das medidas de compensação
e mitigação (redução de danos)”, afirma.
Fonte: ICV
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