A
desconstrução das marcas.
Rosa Alegria, –
Os novos tempos requerem estratégias empresariais
mais sintonizadas com a sustentabilidade e menos comprometidas com o consumismo.
“Quando me aposentar da Madison Avenie, fundarei
uma sociedade secreta de vigilantes mascarados que viajarão pelo mundo em
silenciosas bicicletas motorizadas, arrancando pôsteres à luz tênue da
lua. “
David Ogilvy, um dos ícones da história da Propaganda emConfessions of an Advertising Man (1963)
Incomodada pela exagerada invasão das marcas no meu
dia-a-dia, depois de ter trabalhado com comunicação e branding por mais
de dez anos em grandes empresas, no fim dos anos 90 entrei em profundo
questionamento.
Já como futurista, em 2002, escrevi um
artigo que pensei, quando publicado, iria afastar amigos publicitários de minha
rede entre mais afetuosos relacionamentos e provocar protestos.
Questionei o porquê das marcas e sinalizei mudanças
em curso. A surpresa foi enorme quando depois de escrever e publicar “O
futuro além das marcas” comecei a receber telefonemas e elogios dos amigos
publicitários pelo gesto, além de saber tempos depois que o texto estava sendo
utilizado em salas de aula das escolas de marketing.
Passados quinze anos, volto ao tema, dessa
vez revisitado à luz de um novo tempo esperando novamente que meus amigos
publiciários não me condenem.
Era uma vez o branding
Os anos 80 marcaram o apogeu do branding, que pela definição coletiva da Wikipedia significa o processo de produção de imagens e ideias representativas de um produtor econômico.
Na sua real origem a palavra branding não é
tão charmosa. Vem de uma atividade antiga dos proprietários rurais que
estampavam com ferro em brasa as peles dos seus rebanhos para identifica-los
caso se perdessem do seu dono.
O branding foi durante 40 anos poderoso instrumento
de demarcação de territórios mercadológicos, criando vinculos entre
consumidores e fabricantes através de identidades produzidas por imagens
e mensagens. Os anos 80 e 90 marcaram o fim das ideologias.
Foram tempos de desencanto, do sonho que acabou,
das quedas dos muros. e como recurso paliativo passamos a consumir marcas
através de sofisticados mecanismos do branding produzidos pelas empresas.
As narrativas eram vazias e irrelevantes porém
muito sedutoras entre os desencantados em busca da felicidade
instantânea, atraindo investimentos milionários.
Nossas mentes passaram a ser colonizadas por
sensações mais leves e prazerosas. como por exemplo sentir o poder de ter
um carro novo, o charme de fumar o novo cigarro com filtro, assistir ao
protagonista da novela recomendando uma marca de presunto, ou sentir-se
“livre” ao usar o creme dental que o comercial vendia com
imagens de ondas do mar.
As marcas na berlinda
Atualmente é gigantesco o capital movimentado pelas marcas na economia. São US$600 bilhões de investimentos por ano (orçamento global de 2015). Isso representa 6 vezes o que poderia custar para salvar o planeta do aquecimento global. Explico.
Durante a COP21 (Conferencia do Clima) realizada em Paris esse ano, os países ricos decidiram levantar um fundo de US$100 bilhões para combater os efeitos das mudanças climáticas.
Desde o começo do século, começaram a surgir autores
iconoclastas que trouxeram questionamentos profundos à existência das marcas.
Entre eles, destaco a canadense Naomi Klein que em
seu livro “Sem Logo – a tirania das marcas em um planeta vendido” não mede
palavras para denunciar o excessivo valor das marcas responsáveis pela cultura
de consumo.
A americana Juliet Schor se destacou nos debates
anticorporativos com o que escreveu sobre a influência das marcas no
comportamento das crianças que segundo ela, “nascem para comprar” num dos seus
livros “Nascidas para Compras” (Born to Buy).
Aqui no Brasil, entre excelentes vozes críticas
destaco o economista Ladislau Dowbor, que sem anestesia e com bom
humor vocifera contra a lógica do marketing e revolta-se por ser
identificado como “público-alvo” no vocabulário do marketing, ou seja,
bombardeado pela propaganda.
Entre os escritos de Dowbor, recomendo o seu mais
recente artigo acessível
livremente na Internet “A Captura do Poder Político pelas Corporações”.
Novas relações de poder
A onipresença das marcas começa a perder força com o apogeu da sociedade em rede e pela busca da individualidade representada por movimentos como por exemplo os makers, os “do-it-yourself” que se potencializam com os milagres das impressões 3D, pouco a pouco acessíveis a todos os que podem se tornar fabricantes caseiros e individuais com a própria identidade.
As novas economias (colaborativa, compartilhada,
entre outras) dão novo sentido às relações sociais e ao resgate de nossas
individualidades, que orquestradas em rede, constituem um novo poder, dessa vez
distribuído e horizontal. A Internet pôs fim aos territórios.
Não estamos mais querendo ser representados por
marcas. Queremos nos despir delas e resgatar nossas próprias identidades.
Mais que consumidores, somos cidadãos e líderes de opinião. Diante dessa transformação, as empresas se vêem diante de desafios sem precedentes.
Como as marcas poderão se sustentar com o
crescimento do nosso poder individual mediado pela tecnologias móveis? Que
mecanismos do marketing podem compreender nossa individualidade genômica se
nem os sistemas Big Data nem pesquisas de mercado não conseguiram captar?
Como seduzir pessoas a comprar este ou aquele
produto se os microuniversos conversam entre si para trocar experiências,
reciclar ou trocar produtos, se retroalimentam de ideias e opiniões e se
constituem em poderosos pólos de influência em tempo real e em escala global?
As tecnologias que nos empoderaram ficaram ainda
mais poderosas pela crise financeira de 2008, a que engatilhou o início do
desmoronamento desse modelo econômico. Diante desse fenômeno,
emergem alternativas que pautam o novo marketing e que horizontalizam
relações de poder entre produtores, vendedores e compradores.
O mundo do marketing precisa repensar modelos para
sobreviver ao resgate dessas identidades. Algumas empresas já começaram a
responder a essa nova direção de poder, se antecipando aos concorrentes há mais
de dez anos.
São elas que estão melhor preparadas para o futuro,
as que abriram suas portas digitais para promover diálogos,
polinizar conversações e acolher ideias, reconhecendo as pessoas como
coautoras de produtos, serviços e até de campanhas publicitárias. Natura,
P&G, Fiat, Promon, Eli Lilly, Embraer, Unilever e Philips estão entre os
destaques.
Do branding ao debranding
O branding tão consagrado pelos executivos de marketing está sendo desconstruído. Alcançou seu limiar e enfrenta um paradoxo Mesmo que ainda sobreviva na tentativa de nos envolver transferindo nossas próprias vozes para ícones da moda ou celebridades não pode perder de vista as fraturas que estão se abrindo pela sociedade em rede na busca de sua autoexpressão.
As marcas começam a perturbar e se tornar
invasivas. Precisam bater na porta antes de entrar. Quando se desesperam por
atenção são rejeitadas.
O que antes era esvaziado pelos simbolos na fusão
de identidades entre pessoas e marcas está mudando de direção e se voltando
para o preenchimento das indivivualidades pessoais em sua riqueza e
complexidade.
Não queremos mais nos ver retratados nas marcas;
queremos que as marcas nos retratem e nos valorizem. Pouco a pouco estamos
reassumindo e reconhecendo nossa força que se sustenta na beleza de ser o que
somos.
O novo modelo que está surgindo é o
debranding que, num sentido mais técnico, se refere à remoção das marcas
promovidas nas campanhas de marketing e dá destaque às pessoas e aos
públicos com que se relacionam.
Isso não é de hoje. Já em 1995 a Nike na
tentativa de se recompor depois do escânlado que relacionou sua marca ao
trabalho escravo, foi a primeira a se lançar nessa aventura.
Muito tempo depois foi a vez de um exemplo
brasileiro com a campanha de aniversário do Banco do Brasil que em 2007
ilustrou nas fachadas em que antes se lia o nome do Banco com nomes de clientes
como “Banco da Ana”, “Banco da Maria” ou “Banco do João”.
Em 2011 a Starbucks também optou por remover o seu
nome deixando apenas a arte do logotipo. Nesse caso a ideia era passar uma
imagem mais local e menos corporativa do café comercializado em suas lojas. Em
2013 foi a vez da Coca Cola que substituiu sua marca nas embalagens por
nomes de pessoas.
O futuro além das marcas
Há quem diga que o futuro do branding está no debranding. Entre as novas abordagens do debranding, apela-se para o “branded content” – novos conteúdos que mesclam propaganda com editorial, na tentativa de suavizar o discurso e atrair a atenção de leitores.
Algo que inegavelmente, se mal conduzido, pode
confundi-los e afastá-los, principalmente os mais desconfiados e críticos. Por
isso, a transparência deve nortear essa mudança e todo o cuidado é pouco a
todas as empresas que desejam se aventurar nesse novo caminho.
Sem informação relevante e transparência não
vai funcionar. As marcas não mais sustentam produtos e serviços sem qualidade,
os quais por muitos anos tentaram se esconder atrás de um universo imaginário.
O futuro do branding talvez não seja o debranding ou
qualquer nome que se relacione ao marketing.
Existem espaços e
oportunidades para novos modelos os quais podem trazer novas
nomenclaturas que não sejam anglicismos acadêmicos distantes das nossas
realidades.
Os novos tempos requerem estratégias empresariais
mais sintonizadas com a sustentabilidade e menos comprometidas com o
consumismo. Até porque o elogio à vida simples e o incentivo a comprar o
suficiente tem transformado as relações de consumo.
Parece um propor que o marketing não
incentive o consumo mas é nas frestas do discurso que reside o futuro.
Isso não significa acabar com o consumo mas ressignificá-lo de forma a criar
modelos econômicos mais equilibrados, menos excessivos e mais respeitosos às
nossas sagradas identidades.
* Rosa Alegria, Master of Sciences, há
15 anos pioneira em Estudos do Futuro no Brasil, academicamente certificada
pelo mais reconhecido centro mundial nessa área: University of Houston, Clear
Lake, USA. Fundadora do NEF – Nucleo de Estudos do Futuro, na PUC/SP. É
colunista da Envolverde.
Fonte: Diário do Comércio
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