Dados da FAO mostram que as
florestas não têm futuro; análise de Luiz Marques, Unicamp.
[Unicamp]
Hotel Amazônia
Texto LUIZ MARQUES
Fotos DIVULGAÇÃO | REPRODUÇÃO
Edição de imagem LUIS PAULO
SILVA
Partamos do óbvio: não podemos viver sem
florestas. Tal é, desde 2014, o mote da FAO sobre a necessidade de conservarmos
o que resta desses sustentáculos da vida no planeta[I].
Como estruturas comunitárias vivas, nas quais árvores e outras plantas,
animais, fungos e micro-organismos reproduzem e interagem, as florestas
preservam o solo, regulam a água, os ciclos de nutrientes, o equilíbrio das
trocas de gases na atmosfera e a estabilidade climática. As florestas são “o
lar de mais de 80% de todas as espécies de animais, plantas e insetos”<[II],
incluindo a maior parte das espécies ameaçadas. Defendem-nos também das secas e
inundações, garantem a segurança alimentar da nossa e de inúmeras outras
espécies e, enfim, mitigam os impactos crescentes das mudanças climáticas.
Entre 2001 e 2013, o desmatamento das florestas tropicais emitiu por ano 2,23
bilhões de toneladas de CO2, o equivalente às emissões anuais totais da Rússia[III].
Um dos mais pacíficos consensos da história do saber é o axioma de que o futuro
da biosfera (e, portanto, da humanidade) está ligado ao futuro das florestas.
Partamos novamente do óbvio: ao que tudo indica,
as florestas não têm futuro. Essa afirmação pode parecer excessiva, mas decorre
dos dados da FAO: ao final da última idade do gelo (11.700 anos AP), as
florestas cobriam 60 milhões de km2. Em 2010, 85% dessa área não possuía mais
florestas ou as possuía em estado degradado ou fragmentado[IV].
Entre 1950 e 2000, o desmatamento foi maior que em toda a história pregressa da
civilização (desde a Revolução neolítica até 1950)[V].
A aceleração no século XXI é inequívoca. Thomas Crowther e coautores de 15
países calculam que mais de 15 bilhões de árvores são derrubadas por ano[VI].
E, segundo o Global Forest Watch, apenas “entre 2000 e 2012, o mundo removeu
2,3 milhões de km2 de cobertura florestal, o equivalente a perder 50 campos de
futebol por minuto todos os dias”[VII].
Entre 2011 e 2014, verifica-se uma nova aceleração do desmatamento, com uma
média anual de perda florestal de 210 mil km2.
A Mata Atlântica
No dia 27 de maio último, Dia da Mata Atlântica,
constatamos uma nova aceleração da destruição de seus remanescentes. Segundo o
Atlas da Mata Atlântica, realizado pela SOS Mata Atlântica em parceria com o
INPE, em 12 meses (2015-2016) desmataram-se 291 km2, contra 184 km2 no mesmo
período anterior, um aumento de quase 60%. Nunca perdemos tanto desde 2008. “A
cada dois dias um Ibirapuera de Mata Atlântica desaparece”, calcula Vandré Fonseca[VIII].
De seus 1,3 milhão de km2 originais, restam hoje 112 mil km2 (8,5%) de mata com
extensão contígua maior que 100 hectares. Nada no momento permite falar em
reversão do processo de extinção desse que ainda é, apesar de tudo, um dos mais
ricos biomas do planeta.
A destruição do Cerrado
e o assalto final à Amazônia
O que ocorreu com a Mata Atlântica em cinco
séculos está acontecendo com a floresta Amazônica e o Cerrado em decênios. Em
quatro anos (agosto de 2013 a julho de 2016), as perdas por corte raso, apenas
na Amazônia Legal, foram de 25 mil km2, uma área maior que Sergipe (21,9 mil
km2).
Somadas as perdas na Amazônia e no Cerrado, o Brasil perdeu 22,6 mil km2
de cobertura florestal tão somente em 2014![IX]
Após os militares, os protagonistas da destruição são hoje o BNDESpar (que
investiu na JBS, direta ou indiretamente, R$ 8,1 bilhões e é proprietário
direto de 21,3% da empresa[X]),
as madeireiras, os frigoríficos, o agronegócio e, sobretudo, a pecuária, tudo
isso regado pelo sistema financeiro e fomentado pelas corporações de sementes,
fertilizantes e agrotóxicos e pelos grandes traders internacionais.
Desde que, em finais de 2012, essa coalizão impôs o novo Código Florestal,
houve uma alta de quase 75% no desmatamento da Amazônia.
Os pecuaristas são responsáveis por 70% a 75% do
desmatamento da Amazônia e, segundo a Forest Trends, por 90% de seu
desmatamento ilegal[XI].
E também, ao que sugere o paralelismo dos gráficos abaixo, pelo aumento
inaudito dos focos de incêndio da floresta no Estado da Amazônia (de ~ 40.000
em 2003 para ~240.000 em 2015)
Após os incêndios, o pasto substitui a floresta e
a pecuária avança. Em 1997, os pecuaristas abateram 14,9 milhões cabeças de
gado. Em 2013, 34,4 milhões.
E como cerca de 80% da carne produzida no Brasil
é consumida pelos próprios carnívoros brasileiros, é difícil ignorar a incômoda
pergunta feita por João Meirelles, do Instituto Peabiru, num famoso texto de
2006: “Você já comeu a Amazônia hoje?”
O agronegócio e a mineração já destruíram 880 mil
km2 da vegetação nativa do Cerrado (46% de sua área). Apenas cerca de 20% dele
permanece intocado. “Entre 2002 e 2011, as taxas de desmatamento nesse bioma (1%
ao ano) foram 2,5 vezes maior que na Amazônia. (…) Mantidas as tendências
atuais, 31% a 34% da área do que resta da cobertura vegetal do Cerrado deve ser
suprimida até 2050”[XII].
Assiste-se, ao mesmo tempo, ao assalto final
à Amazônia. Um levantamento realizado por pesquisadores da Universidade Federal
de Pernambuco mostra que, desde 1981, 70% dos 48 processos de Redução,
Desclassificação ou Reclassificação (RDR) de áreas protegidas ocorreram após
2008. No governo Temer, a guerra de desgaste à floresta e a seus povos, típica
do governo Dilma, tornou-se uma Blitzkrieg, com ao menos sete medidas
provisórias e projetos de lei destinados a liquidar suas últimas defesas[XIII].
“Imagine um hotel que tenha 100 quartos, mas que só possa comercializar 20
unidades. As outras 80 ele tem que manter fechadas”, protestou na COP22 Blairo Maggi,
Ministro da Agricultura, queixando-se da reserva legal prevista pelo Código
Florestal nas propriedades rurais da Amazônia[XIV].
Raramente a percepção que o capitalismo tem da natureza terá sido melhor
formulada.
[I] FAO, We can’t live
without forests, 10/XII/2014 <http://www.fao.org/zhc/detail-events/en/c/262862/>.
[II] Cf. UN, 2015: Transforming our world: the
2030 Agenda for Sustainable Development. “Goal 15: Sustainably manage
forests, combat desertification, halt and reverse land degradation, halt
biodiversity loss”.
[III] Cf. Daniel J. Zarin et al., “Can carbon
emissions from tropical deforestation drop by 50% in 5 years?”. Global
Change Biology, 9/II/2016.
[IV] FAO State of the World forests 2012.
[V] Cf. Michael Williams, Deforesting the Earth, 2000.
Epílogo: “Almost as much forest was cleared in the past as has been cleared in
the last 50 years”.
[VI] Cf. Thomas W.
Crowther et al., “Mapping tree density at a global scale”. Nature,
525, 7568, 10/IX/2015, pp. 201-205.
[VII] Cf. Matthew C. Hansen et al.,
“High-Resolution Global Maps of 21st-Century Forest Cover Change”. Science,
342, 6160, 15/XI/2013, pp. 850-853.
[VIII] Cf. V. Fonseca, “A cada dois dias, um
Ibirapuera de Mata Atlântica desaparece”. ((o)) eco, 29/V/2017.
[X]Cf. A. Vieira, M. Camarotto, L.H. Mendes
e R. Rocha, “Investimentos do BNDES na JBS entram na mira da Polícia Federal”. Valor
econômico, 12/V/2017.
[XI] “Agropecuária é responsável por 90% do
desmatamento ilegal no Brasil”. Carta Capital, 16/IX/2014.
XII]
Cf. Bernardo B.N. Strassburg et al., “Moment of
truth for the Cerrado hotspot”. Nature Ecology &
Evolution, 2017.
[XIII] Ei-las, segundo levantamento feito
pelo Greenpeace: (1) Enfraquecimento da Lei Geral de Licenciamento ambiental
(PL 3.729/2004); (2) Atentado aos direitos indígenas e à demarcação de Terras
Indígenas (PEC 215/2000 e PEC 132/2015); (3) Redução das áreas protegidas e
Unidades de Conservação (UCs) no Pará (MP 756/2016 e MP 758/2016); (4)
Liberação de agrotóxicos (PL 6299/2002); (5) Fim do conceito de função social
da terra (MP 759/2016); (6) Ataque a direitos trabalhistas no campo e
redefinição do conceito de trabalho escravo (PL 6422/2016 e PLS 432/2013); (7)
Flexibilização do Código de Mineração (PL 37/2011). Cf. “Resista: Sociedade
Civil se une contra Temer e os ruralistas” (em rede).
[XIV]Cf. Reinaldo Canto, “Blairo Maggi,
constrangimento na COP22”. Carta Capital, 21/XI/2016.
Luiz Marques é professor livre-docente do
Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou
Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso
ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada
às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do
coletivo Crisálida, Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate &
Atualização (crisalida.eco.br).
Fonte: EcoDebate
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