O tráfico chegou às
universidades, artigo de Nilo Sergio S. Gomes.
Os jornais cariocas têm noticiado, quase que
diariamente, o fechamento de escolas públicas do ensino primário, no Rio de
Janeiro, em razão dos constantes tiroteios entre policiais militares e traficantes
de drogas. Segundo o jornal Extra, do último dia 5 de junho, 320 dessas escolas
foram fechadas neste ano, pelo menos uma vez, desde o reinício das aulas em
fevereiro. Isto equivale a cerca de 70% das aulas que deveriam ter sido
ministradas. Quem perde com essa situação?
O dado é alarmante, mas essa realidade não é mais
exclusiva das escolas públicas, localizadas em áreas consideradas de “risco”,
tais como os Complexos da Maré ou do Alemão, onde estão várias favelas da
cidade, hoje identificadas pela grande mídia como “comunidades”. O tráfico,
agora, também influencia a rotina de muitos universitários. Não pela venda de
seus “produtos” nos campi das faculdades, mas por uma outra razão.
Nas unidades da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, por exemplo, como na Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), vários
professores receberam, neste semestre, pedidos de abono de faltas de
estudantes. Não por doença ou atestados médicos, como é de costume. Mas porque
são estudantes que residem nessas áreas. Nas aulas de História do Jornalismo,
do ciclo profissional, cujo início é às 7h30, três estudantes não puderam fazer
o exame de conclusão do semestre, junto com os demais colegas, por não terem
conseguido sair de suas casas, devido à violência. Vão fazer a segunda chamada.
– Professor eu moro no Morro da Providência e
estava muito perigoso sair de casa. Era muito tiro, professor, desde a
madrugada. E aí minha família achou melhor não me arriscar e explicar depois a
situação ao senhor – disse uma das alunas ao professor da matéria.
A outra aluna reside na favela Nova Brasília,
localizada no Complexo do Alemão, na Zona da Leopoldina. Nesse mesmo dia da
prova, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) realizou uma
investida contra os traficantes da área, que receberam os policiais à bala.
Novamente, o medo de sair de casa e ser alvejado.
– Era muito tiro, professor. E o pior de tudo é
que quem conseguisse sair não sabia se iria conseguir voltar. Muitas vezes,
esses tiroteios duram toda a manhã, vão pela tarde e, à noite, então, nem
pensar em sair. Muitas vezes eu tive que dormir na casa de minhas amigas aqui
da faculdade, por causa desses tiroteios – disse a estudante do 5º período de
Jornalismo da ECO.
Mestiçagem social
Os relatos se alteram, conforme a localidade de
cada aluno, mas a realidade de fundo é sempre a mesma: a violência que tomou
conta da cidade do Rio de Janeiro já impede o ir e vir, cotidiano, das pessoas.
Já não é de hoje. E os casos não se restringem aos estudantes. São muitos os
pais e mães que deixam de ir ao trabalho pela mesma razão: o medo de sair no
meio de um tiroteio, colocando em risco a própria vida.
Morador do Morro do Dendê, na Ilha do Governador,
um estudante de 23 anos também vive as mesmas dificuldades, sendo impedido de
ir às aulas quando os traficantes entram em confronto com a Polícia Militar ou,
ainda, quando o confronto é entre grupos de facções diferentes. A situação é
tão perigosa que ele teve que pedir transferência do curso noturno para o da manhã, pois era praticamente impossível retornar à noite para sua
casa.
– Não é fácil, para quem mora em comunidade, sair
e chegar à noite da faculdade.
Em meio a esses relatos, há que se destacar um
aspecto positivo, mas que não atenua a gravidade da situação. É ele o fato de,
através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), jovens residentes em favelas
estarem chegando às universidades, em quantidades crescentes, alterando as
estatísticas sociais.
Até bem pouco tempo, o espaço universitário
público era basicamente ocupado por jovens brancos, vindos das classes média
e/ou alta. Hoje é possível encontrar, em muitas faculdades, jovens negros e
jovens oriundos de famílias de trabalhadores.
Embora ainda predominem os brancos, filhos de
média e alta classe média, os espaços nas universidades públicas estão cada vez
mais coloridos e misturados, com a presença de negros, brancos e pardos. Para
avançar nessa “democratização do acesso ao Ensino Superior, ficam faltando
agora somente os índios…
* Nilo
Sergio S. Gomes é jornalista, pesquisador, doutor em Comunicação, professor
da ECO/UFRJ e editor do portal Porteira do Mato.
Fonte: EcoDebate
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