A transição religiosa na cidade
de São Paulo: 1991-2030, artigo de José Eustáquio Diniz Alves.
São Paulo é a maior cidade do
Brasil. O município tem uma população maior do que a grande maioria dos Estados
do país. Segundo dados do censo demográfico de 2010, do IBGE, se a cidade de
São Paulo fosse uma Unidade da Federação ela ficaria atrás em número de
habitantes apenas dos Estados de São Paulo (41.262.199), Minas Gerais
(19.597.330), Rio de Janeiro (15.989.929) e Bahia (14.016.906). A população da
cidade de São Paulo equivalia, em 2010, à soma dos 2.333 municípios brasileiros
de menor tamanho populacional.
Portanto, o que acontece com os paulistanos têm um
grande peso nacional.
Assim como o Brasil, o município de São Paulo está
passando por uma transição religiosa, que significa queda das filiações
católicas, aumento das filiações evangélicas, aumento de outras religiões e
aumento das pessoas que se declaram sem religião. Ou seja, está havendo uma
mudança de hegemonia entre os dois grandes grupos cristãos e um aumento da
pluralidade religiosa.
Em 1991, São Paulo tinha 9,6 milhões de habitantes,
sendo 78,1% católicos, 8,3% evangélicos, 7,5% de outras religiões e 6,1% sem
religião. Em 2010, a população de São Paulo passou para 11,3 milhões de
habitantes, com 58,2% católicos, 22,1% evangélicos, 10,3% outras e 9,4% sem
religião. O declínio dos católicos foi de 1,05% ao ano, o aumento dos
evangélicos foi de 0,73% ao ano, o aumento das outras religiões foi de 0,15% ao
ano e o aumento dos sem religião foi de 0,17% ao ano.
Supondo que essas tendências das duas últimas
décadas permaneçam nas duas décadas seguintes, podemos fazer uma projeção
linear sobre o percentual de cada grupo religioso até 2030. Na tabela acima,
usamos a projeção populacional da Prefeitura de São Paulo, que estima 11,8
milhões de habitantes em 2020 e de 12,3 milhões em 2030.
O que a projeção mostra é que haverá um empate
técnico entre católicos (37,3%) e evangélicos (36,6%) em 2030. Sendo que,
ceteris paribus, os evangélicos passarão os católicos em 2031. As outras
religiões somadas devem representar 13,3% e os sem religião 12,8% da população
paulistana em 2030. Assim, os cristãos (católicos + evangélicos) que
representavam 86,4% em 1991, caíram para 80,3% em 2010 e devem ficar com 73,9%
em 2030. Isto quer dizer que a cidade de São Paulo deve assistir a mudança da
hegemonia entre católicos e evangélicos e uma maior pluralidade religiosa no
início da década de 2030.
Este exercício de projeção não tem o objetivo de
acertar na mosca qual vai ser o panorama religioso da cidade de São Paulo no
futuro próximo. A ideia aqui é apenas mostrar o que aconteceria se as
tendências ocorridas entre 1991 e 2010 fossem mantidas. Este tipo de cenário é
interessante para confrontar com os dados reais e, quando forem publicados os
dados dos censos demográficos de 2020 e 2030, avaliar se as tendências se
aceleraram ou desaceleraram.
Existem indicações de que a transição religiosa no
Brasil continua no mesmo ritmo ou até se acelerou. Pesquisa Datafolha,
divulgada no dia de Natal (25/12/2016), mostra que a percentagem de católicos
caiu de 63% em 2010 para 50% em 2016, os evangélicos subiram de 24% para 29%,
os sem religião de 6% para 14% e as outras denominações ficaram constante em
7%, no mesmo período, segundo a Datafolha. Entre 1994 e 2016 a perda dos
católicos tem sido de 1,14% ao ano, superior ao que aponta os censos
demográficos do IBGE.
O dinamismo das atividades evangélicas pode ser
exemplificado pela realização da “Marcha para Jesus”, que é um evento
interdenominacional (realizado conjuntamente por diversas denominações
evangélicas) realizado anualmente no feriado de Corpus Christi. A primeira
Marcha na cidade de São Paulo ocorreu em 1992 e, segundo os organizadores,
reuniu 350 mil pessoas. A última ocorreu no dia 15 de junho de 2017 e, segundo
os organizadores, reuniu 2 milhões de pessoas.
Pesquisa encomendada à Universidade Municipal de
São Caetano pela Diocese de Santo André para diagnosticar a transformação do
Grande ABC e sua população desde os anos 1960 até 2016, apontou que a Igreja
Católica vem gradativamente perdendo fiéis. Cinquenta e seis anos atrás, dos
499.398 moradores da região, 90,7% eram católicos. Em 2010, das 2,5 milhões de
pessoas, 56,5% se declararam seguidoras do catolicismo e, neste ano, elas
representam 46,8% em universo de 2,7 milhões de habitantes. Portanto, os
católicos perderam quase 10 pontos em apenas 6 anos. O que mostra que a
transição está se acelerando e não se reduzindo (Oliveira, 07/12/2016).
A capital mais adiantada na transição religiosa é
Rio Branco, no Acre. Das grandes capitais, a cidade do Rio de Janeiro (segunda
maior cidade do Brasil) está mais adiantada do que São Paulo, sendo que os
evangélicos, ceteris paribus, devem passar os católicos antes de 2030 (mais
precisamente em 2027). A pluralidade também é maior na capital fluminense. O
fato de o Rio ter um prefeito que também é bispo de uma igreja evangélica
neopentecostal é apenas um sinal dos tempos. Tempos de mudança no panorama
religioso nacional.
Outro sinal de mudança no sentido da secularização
são as enormes paradas gays de São Paulo. A parada do orgulho LGBT é uma parada
em prol da garantia dos direitos civis da população de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais, Trangêneros e Queer (LGBTTTQ) e aconteceu,
pela primeira vez em São Paulo, em 1997, quando reuniu cerca de duas mil
pessoas. A 21ª edição da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo que ocorreu no
domingo, 18 de junho de 2017, com o tema “Independente de nossas crenças,
nenhuma religião é lei. Todas e todos por um estado laico“, reuniu, segundo
os organizadores, cerca de 3 milhões de pessoas.
No curto espaço de três dias, São Paulo reuniu duas
multidões com cores e propósitos bem diferentes. Esse artigo não teve como foco
avaliar se são bons ou ruins a transição religiosa e o processo de
secularização em curso no Brasil e na maior cidade do país.
O fato é que a composição das filiações religiosas
e a sociedade estão se modificando rapidamente.
Isto é um fato inédito nos mais
de 500 anos de história do Brasil, desde que foi rezada a primeira missa, em
Cabrália, na Bahia, supostamente no dia 26 de abril de 1500. Nos artigos
disponíveis nos links abaixo, há uma discussão mais aprofundada da transição
religiosa brasileira. Quem tiver interesse nessa discussão pode acessar gratuita
e livremente os trabalhos indicados abaixo.
Referências:
ALVES, J. E. D; NOVELLINO, M. S. F. A dinâmica das filiações religiosas no Rio
de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero. In:
Patarra, Neide; Ajara, Cesar; Souto, Jane. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um olhar
sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1,
p. 275-308
https://pt.scribd.com/doc/249670739/A-dinamica-das-filiacoes-religiosas-no-Rio-de-Janeiro-1991-2000-Um-recorte-por-educacao-cor-geracao-e-genero
https://pt.scribd.com/doc/249670739/A-dinamica-das-filiacoes-religiosas-no-Rio-de-Janeiro-1991-2000-Um-recorte-por-educacao-cor-geracao-e-genero
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição
religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio
de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e
Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1055/7518
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1055/7518
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica
das filiações religiosas no brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo
de mudança de hegemonia. REVER (PUC-SP), v. 12, p.
145-174, 2012. http://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/view/14570
ALVES, JED. “A encíclica Laudato Si’: ecologia
integral, gênero e ecologia profunda”, Belo Horizonte, Revista Horizonte,
Dossiê: Relações de Gênero e Religião, Puc-MG, vol. 13, no. 39, Jul./Set. 2015 http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2015v13n39p1315
OLIVEIRA, Vanessa. Número de católicos cai quase
pela metade no Grande ABC, Diário do Grande ABC, 7 de dezembro de 2016
http://www.dgabc.com.br/(X(1)S(fcmluxrpatx0pceq2quqdpci))/Noticia/2495003/numero-de-catolicos-cai-quase-pela-metade-no-grande-abc
http://www.dgabc.com.br/(X(1)S(fcmluxrpatx0pceq2quqdpci))/Noticia/2495003/numero-de-catolicos-cai-quase-pela-metade-no-grande-abc
DATAFOLHA. Perfil e opinião dos evangélicos no
Brasil, São Paulo, 07 e 08/12/2016
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2016/12/1845231-44-dos-evangelicos-sao-ex-catolicos.shtml
http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2016/12/1845231-44-dos-evangelicos-sao-ex-catolicos.shtml
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do
mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista
em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate
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