segunda-feira, 26 de junho de 2017

Estudo mostra violência e falta de apoio vivenciada por jovens homossexuais.
Agência USP

Física ou psicológica, violência é disseminada dentro do próprio ambiente familiar e escolar em que vivem os jovens.

É de conhecimento comum que a população homossexual tem que superar incontáveis dificuldades em todos os aspectos da vida. Mas esses problemas vão muito além daquilo que se conhece e é diariamente divulgado, especialmente no casos dos jovens. Em uma idade mais vulnerável social e emocionalmente, esse grupo ainda tem  acesso precário e nada eficiente às redes de apoio social – família, amigos, comunidade – que deveriam ajudá-los a enfrentar a violência que sofrem. Assim aponta estudo da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, realizado pela terapeuta ocupacional Iara Falleiros Braga.
Para especialistas, uma rede social de qualidade (família, amigos, comunidade) é aquela capaz de fornecer laços e proteção a essas pessoas, com diminuição da vulnerabilidade às diversas formas de violência a que estão expostas – Foto: Visualhunt/CC


A pesquisa foi realizada a partir de entrevistas com 12 jovens e adolescentes, com idade entre 14 e 24 anos, que passaram por algum tipo de violência. Os resultados mostraram que, independentemente do sexo, todos os jovens consultados relataram sofrer agressões físicas em ambiente familiar ou escolar. 

Os homens são vítimas de agressão física principalmente nos espaços públicos. Mas a variedade de tipos de violência vivenciada pelo grupo é grande – passa pela psicológica, sexual e até a autoinfligida, como ter pensamentos suicidas.

Sentir a violência

A partir dos resultados da pesquisa, a autora fez quatro tipos de análises. A primeira discute as vivências de violência que os entrevistados experimentaram, evidenciando-se diversos tipos de agressões a que foram expostos na vida.

A segunda diz respeito à difícil experiência no processo de se assumir para a família, que, por sua vez, segundo os relatos, não acredita e acusa o jovem de estar louco ou não saber o que diz.
Iara Falleiros Braga – Foto: arquivo pessoal da pesquisadora

A terceira análise discute a questão de gênero, que, nesse caso, é ainda mais complexa. Neste aspecto, os meninos sofrem mais que as meninas, uma vez que a sociedade acredita que eles devem mostrar virilidade e masculinidade.

E, por último, foram analisadas as fontes de apoio, que são, em sua maioria, as figuras femininas da família e os amigos homossexuais, por vivenciarem situações parecidas em seus cotidianos, o que os tornam mais empáticos e solidários.

A pesquisadora conta ainda que situações de preconceito, opressão, tratamento diferenciado e outras formas de exclusão também foram relatados pelos jovens. “As consequências desse universo de violência e preconceito são os sentimentos de medo e de sofrimento e, o mais grave, as tentativas de suicídio. Um dos participantes narrou essa experiência de ideação e tentativa de suicídio, causada pelo sofrimento gerado pela violência sofrida”, conta Iara.

Rede social ineficiente

A rede social é formada pela família, amigos, trabalho, estudo e comunidade e é responsável por oferecer apoio ao adolescente e jovem homossexual. É considerada de qualidade, por especialistas, quando é capaz de fornecer laços e proteção a essas pessoas, visando à garantia de seus direitos e à diminuição da vulnerabilidade às diversas formas de violência a que estão expostas.

Diante desses casos, a pesquisadora diz que a rede social não foi funcional. Foi notada, também, ausência de apoio social vindo dos serviços de saúde da comunidade. “Isso demonstra a carência de ações voltadas para a promoção da saúde, para o combate à violência e de práticas de saúde focadas nas necessidades dessa população”, revela.

Relação familiar


A má relação com a família foi outro ponto bastante citado durante a pesquisa. Segundo os relatos, diante da revelação da homossexualidade, as famílias apresentaram atos violentos, além de postura heteronormativa (que considera a heterossexualidade como o comportamento normal das pessoas e os que não se enquadram nisso são considerados “anormais”), vigiando e controlando os filhos para que tivessem uma postura heterossexual, correspondente ao sexo biológico. Uma vez que essa expectativa não era alcançada, a família expulsava o filho ou ele mesmo decidia sair de casa.

Iara conta ainda que, dentro dos relatos dos entrevistados, houve um que chamou muito a sua atenção, em que o jovem descreve o quanto a violência sofrida afetou e ainda afeta sua vida:

Eu tinha um ambiente ruim dentro de casa e na escola também. Eu sofria bullying bem exagerado na escola, mais os traumas que eu tinha dentro de casa, então eu tive uma infância insuportável, uma infância que eu tento apagar da minha cabeça.”

O entrevistado ainda afirma que “um homossexual que aparenta ser homossexual nunca vai parar de sofrer agressão verbal e psicológica. A física vem depois, porque a agressão verbal e psicológica prejudicam a parte física, porque nosso corpo é erguido e age conforme a nossa mente. Se a gente fica depressivo, nosso corpo começa a reagir também”.

Desconstrução de pensamentos

Para a pesquisadora esse quadro só vai melhorar quando houver uma política mais intensa de combate à homofobia. Além disso, os próprios profissionais de saúde precisam atender livres de preconceitos e julgamentos, e dentro da orientação de políticas públicas voltadas ao público LGBTT.

Além disso, Iara é enfática ao dizer que na sociedade há grande necessidade de questionamento pessoal e desconstrução do pensamento de obrigatoriedade da heterossexualidade. Para ela, enquanto isso não acontecer, não será possível avançar e transformar a realidade de violência, invisibilidade e aprisionamento da população homossexual.

A tese Quem é homossexual carrega consigo o fardo do preconceito: violências contra adolescentes e jovens homossexuais e a rede de apoio social foi defendida na EERP em março deste ano, orientada pela professora Marta Angélica Iossi Silva.

Stella Arengheri, de Ribeirão Preto

Mais informações: e-mail iarafalleiros@usp.br, com Iara Falleiros


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