Moradores
da região com mais água doce do planeta encontram solução coletiva para ter
abastecimento em casas e escolas.
por Patrícia Kalil* — especial
para Rede Mocoronga –
Eles colocam a mão na
massa para fazer a captação e distribuição de água encanada para 2500 famílias
através de microssistemas de gestão comunitária.
Já são 140km de
encanamento hidráulico subterrâneo cavado em mutirões pelos moradores
da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, levando água
potável para casas, escolas e centros comunitários. Sem poder mais
esperar que o Estado resolva o déficit de acesso à água em comunidades rurais
da Amazônia, os moradores da Resex estão, de forma
participativa, empenhados na busca de soluções coletivas de
abastecimento que são de baixo custo, atendam com eficiência a demanda
local e possam ser facilmente replicadas nos vilarejos da região.
Microssistemas
de abastecimento levam água encanada e potável para moradores da comunidade de
Vila Franca.
Em
38 das 74 comunidades, grupos perfuraram poços e construíram
o elevado para sustentar a grande caixa d’água. Enquanto os poços eram
feitos com ajuda técnica, outros moradores, também acompanhados por
especialistas, cavaram redes de distribuição para levar água tratada de
porta em porta, além das escolas e postos de saúde. Ao fim da etapa,
todos conheciam em detalhes o funcionamento da rede local. Durante esse processo
de construção e aprendizado coletivo, criaram regulamentos de
uso próprios, elegeram comitês gestores e definiram metas
de qualidade do serviço.
A bomba d’água
flexível — quando não há sol suficiente para bombear água, pode-se usar o
motor a diesel, dispensando o uso de baterias para armazenamento de energia.
Essa não foi a primeira instalação de bomba solar, mas em experiências
anteriores, o uso de baterias mostrou-se controverso.
As baterias precisam ser
trocadas com pouco tempo de uso, jogadas fora e o alto custo de novas peças
inviabilizava a manutenção pelas comunidades. Em parceria com o Instituto de
Energia e Ambiente — IEE/USP e Usinazul, Solimões inaugurou uma nova fase que
dispensa a necessidade de baterias.
A
partir de planejamento e planilhas transparentes discutidas em reuniões,
usuários pagam em média 10 reais mensais pela água. No custo
está o salário dos comunitários responsáveis pela bomba, pela manutenção da
rede, pela administração, pelo motorista e pela compra dos materiais
necessários para a operação do sistema. Sabem exatamente para onde vai o
dinheiro e conseguem até guardar uma reserva para imprevistos. É o caso da aldeia
de Solimões, que no ano passado foi a primeira a construir um sistema de bombeamento
com uma tecnologia flexível, conseguido nos meses de verão usar
exclusivamente energia solar, dispensando a compra de combustível.
No primeiro semestre de 2017,
é a vez de três outras comunidades terem seus microssistemas: Cabeceira do
Amorim, Pajurá e Anumã. Com patrocínio da Fundación Avina e Xyleen, o programa
oferece os materiais para a construção e cada comunidade entra com a
realização, a operação, a manutenção e a gestão coletiva.
O engajamento e participação
dos moradores reduz drasticamente o custo da obra. Além disso, o controle
social e a transparência da gestão fazem com que as coisas sejam feitas como
planejadas, sem os “custos adicionais” tão frequentes em obras infraestruturais
pelo país. Para se ter ideia do que isso significa na prática, com
aproxidamente R$ 330 mil de materiais, será possível construir outros dois
microssistemas com 17 mil metros de encanamento hidráulico na reserva e
distribuir água para cerca de 200 famílias, mudando a vida de 900 pessoas.
Porque o primeiro passo para proteger uma floresta é garantir direitos básicos de seus guardiões
Sem serviços públicos
de saneamento básico, a maior parte da população tradicional e
ribeirinha da floresta ainda hoje não tem água na torneira
para lavar as mãos, beber ou cozinhar, não tem água no banheiro para dar
descarga, nem chuveiro para tomar banho. Crianças bebem água do rio, famílias
cozinham com água trazida em baldes. Só que hoje os rios da Amazônia
estão poluídos não só com esgoto doméstico, mas principalmente com
resíduos da indústria mineral e da agropecuária em acelerada
expansão na região.
Com o pior saneamento
básico da América Latina, o descaso público com a Amazônia é um descaso do
Brasil com a maior reserva de água doce do mundo — imagem Água, Sua Linda
A
taxa de mortalidade infantil causada por doenças de veiculação hídrica
como viroses e diarreias agudas ainda é um desafio da saúde pública em
toda região Norte. Se em 2017, crianças ainda sofrem com doenças primárias que
poderiam ser facilmente evitadas com acesso à água potável, nos anos
80, a situação era muito pior. Foi nesse contexto que o Projeto Saúde
e Alegria começou a atuar com água e saneamento nas comunidades do Tapajós.
Inicialmente, como medida
emergencial, foram realizadas campanhas
educativas com a equipe de saúde e do Circo Mocorongo para
apresentar métodos caseiros de tratamento de água. Naquele momento, além de
incentivar a população a ferver a água antes de usar, o
programa disseminou o tratamento com cloro como forma rápida
para diminuir a contaminação das pessoas.
Nos anos 90, começaram a apoiar a
construção dos primeiros microssistemas de abastecimento com
gestão comunitária, em parcerias com universidades públicas e com apoio
financeiro de patrocinadores, que garantem materiais como bomba, painéis
solares, canos e recursos para oficinas durante o processo de construção da
rede de água.
Na primeira década dos anos
2000, para complementar o tratamento da água, foram entregues filtros
de barro para uso residencial em todas as casas e escolas. No mesmo
período, foram instaladas mais de 4 mil pedras sanitárias em 129
comunidades, em mutirões, para vedar emergencialmente o contato com as
fezes e impedir a entrada e saída de animais que podem transmitir doenças.
*Patrícia Kalil é jornalista, trabalhou em
grandes veículos de comunicação no Brasil e no exterior e decidiu se dedicar à
cobertura dos temas relevantes da preservação da floresta e das tradições das
populações ribeirinhas. Atualmente seu trabalho pode ser acompanhado na página
“Árvore, ser tecnológico”, no Facebook: https://www.facebook.com/arvoresertecnologico/
(Rede Mocoronga/Envolverde)
Fonte: ENVOLVERDE
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