Nos agrotóxicos, quem pede e precisa de cautela?
por Washington Novaes –
A cada dois dias e meio uma
pessoa morre, no Brasil, intoxicada por esses produtos
Mais um incêndio em Brasília: a
discussão sobre possíveis modificações na legislação que rege a
questão dos agrotóxicos, em meio ao avanço, na Câmara dos
Deputados, do debate sobre o projeto que flexibiliza o registro desse
tipo de produto. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) quer aprovação e entrada rápida em vigor de disposições
que apressem o exame toxicológico; por outro lado, estão na mesa
propostas de novos critérios para análise desses riscos
toxicológicos. Sugere-se a adoção de padrões internacionais ou de
outros países para avaliações de tais riscos – com forte
oposição do lado contrário. Da mesma forma, a adoção de uma
“lista positiva” na avaliação de riscos para a saúde.
Na Câmara dos Deputados transita
projeto de lei que “flexibiliza” a atuação da Anvisa e do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) nessa área. Apelidado de Projeto de Lei do
Veneno, a iniciativa, da bancada ruralista, começa por mudar a
nomenclatura dos produtos para “pesticidas” e estabelecer prazo
de um ano para o registro. Além disso, fortalece a atuação do
Ministério da Agricultura na área. Mas retira da lei atual
dispositivo para que não se registrem novos produtos se não forem
menos tóxicos do que os existentes no mercado. “É um retrocesso”,
dizem os críticos. Em meio a tudo isso, é feita a fusão das
empresas Bayer e Monsanto, expoentes do mercado, com ativos de R$ 15
bilhões.
Em meio a essas discussões, num
evento sobre utilização sustentável do fósforo na agricultura nos
últimos 50 anos, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) e outros órgãos concordaram que quase metade do produto
assim aplicado (22 milhões de toneladas) foi subutilizada.
E um balanço em eventos nessa área
mostrou que dentro de uma década as importações mundiais de soja
em grão (com uso de fertilizantes) aumentarão em 56,4 milhões de
toneladas (de 147,7 milhões de toneladas para 204,1 milhões, a US$
400 a tonelada); o farelo de soja aumentará em 2027-2028 as
exportações em 29,8 milhões de toneladas (de 53,1 milhões de
toneladas para 82,9 milhões); a carne bovina terá alta nas vendas
ao exterior de 2,1 milhões de toneladas em 2027-2028; a suína, 1,3
milhão de toneladas (de 7,6 milhões para 8,9 milhões de toneladas,
no valor de US$ 2.250 a tonelada; no Brasil, o aumento será de 0,2
milhão).
A Sociedade Rural Brasileira acha
que se deve aprovar o projeto 3.200/2015 (Lei dos Defensivos),
debatido com a Câmara dos Deputados. Mas defende a deia de que não
se devem flexibilizar nem amenizar regras para fiscalização e
utilização de defensivos no País. Na controvertida questão de
novos produtos na agricultura, o pesquisador Fernando Carneiro, da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), defende a tese de que o registro
de novos produtos deve ficar com o Ministério da Agricultura, já
que pode envolver riscos para a população (embora a Câmara dos
Deputados tenha aprovado projeto nesse âmbito e esteja discutindo a
questão).
A cada 2,5 dias uma pessoa morre
intoxicada no Brasil por esses produtos; foram 25 mil intoxicadas
entre 2007 e 2014 – embora um caso em cada 50 não seja notificado
ao poder público; e as causas só sejam explicitadas em casos agudos
(embora não comunicadas ao SUS). O Brasil é campeão mundial no uso
de agrotóxicos. Nos Estados, o uso costuma ficar entre 1 kg e 18 kg
por hectare.
No Congresso brasileiro, grandes
proprietários lutam – segundo o Instituto Humanitas Unisinos
(IHU), 10/7 – para fazer passar os projetos que “desestruturam a
agricultura familiar e orgânica brasileiras”. E nessa luta há
duas vertentes na área de produção de alimentos no País. A
primeira, estimulada pelos grandes produtores (IHU, 10/7) que
utilizam nos processos produtivos agrotóxicos sintéticos,
fertilizantes químicos, irrigação intensiva e manejo inadequado do
solo, trabalha pela aprovação daquele projeto. A segunda,
majoritariamente formada por agricultores familiares e assentados da
reforma agrária, utiliza em seu processo produtivo os princípios da
agroecologia e pretende, ao produzir produtos orgânicos, conviver
“de forma sustentável” com o meio ambiente, sem usar agrotóxicos
e fertilizantes sintéticos.
Dizendo representar os interesses do
grande negócio, a bancada ruralista trabalha (IHU) por dois projetos
de lei, de forma a “evitar que os produtos orgânicos sejam
apresentados como alternativa saudável para a população”. São o
Projeto de Lei 4.576/2016, segundo o qual os produtos orgânicos só
poderão ser vendidos diretamente ao consumidor em feiras livres ou
propriedades particulares (altera a Lei 10.831/2003, que dispõe
sobre a agricultura orgânica); e o Projeto de Lei 6.299/2002, que
tem como objetivo flexibilizar o uso de agrotóxicos.
Esses dois projetos já foram
aprovados em comissões da Câmara dos Deputados. Uma das
modificações propostas prevê a alteração da denominação
“agrotóxico” para “pesticida”. E o objetivo maior é que
eles possam ser liberados pelo Ministério da Agricultura sem a
concordância de órgãos reguladores. Vários desses órgãos
reguladores já se manifestaram contra os dois projetos: Fiocruz,
Instituto Nacional do Câncer, Associação Brasileira de Saúde
Coletiva (Abrasco), Ibama, Anvisa e a Organização das Nações
Unidas (ONU).
Seria decisivo que a população –
a maior beneficiária ou vítima das inovações – se manifestasse.
Mas quem a mobilizará em escala mais ampla? Não basta saber se
algumas instituições tomam posição contra ou a favor, embora o
seu parecer seja importante. Tema tão relevante na cidade (onde está
a maioria esmagadora dos consumidores) e no campo (produtores rurais)
precisa ser conhecido de todos, nacionalmente.
*Artigo publicado
originalmente no jornal O Estado de S. Paulo
WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA.
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário