Corrupção Verde: aqui começa a prática criminosa que contaminou o país.
por Clóvis Borges e Caetano
Fischer Ranzi* –
A existência de um bem que possa
ser usurpado de maneira ilícita, gerando lucro para quem busca
vantagens fora de preceitos legais ou em detrimento de terceiros,
representa a fórmula que garantiu uma exploração descontrolada
sobre o patrimônio natural brasileiro ao longo dos últimos séculos.
A exploração sem limites do
período em que éramos ligados a Portugal já aponta para a
existência de uma cultura pragmática de busca pelo enriquecimento a
qualquer custo. Com vistas, inclusive, a buscar o desfrute desses
ganhos em outras paragens, muito distantes do Novo Mundo.
Os ciclos econômicos que se
seguiram à época do descobrimento foram eminentemente extrativistas
espoliativos. Tanto que o final desses ciclos, reiteradamente, deu-se
pela exaustão desses produtos, ocasionada pela exploração
desenfreada. Seguiram as práticas agrícolas e de pecuária,
subsequentes à devastação da vegetação nativa. Sempre em busca
do uso máximo do território, desrespeitando encostas, beiras de
rios ou mesmo a existência de remanescentes naturais em alguma
proporção nas regiões exploradas.
A prática de troca de favores entre
o privado e o público para obtenção de permissões para avanços
exacerbados no uso da natureza foi, portanto, a maneira como uma
significativa fração de nossa sociedade acumulou vantagens e
enriqueceu indevidamente em nosso país. E, em boa parte, esse
entendimento de ajustar acordos ilícitos para garantir vantagens
continua em plena atividade.
O ciclo da madeira no sul do Brasil,
ocorrido em décadas passadas, gerou um grupo de famílias abastadas
que até hoje desfruta do resultado da empreitada destruidora que
assumiu ser a maneira de desenvolver suas atividades, sempre com um
aval conivente dos governantes. Mudam os negócios, pelo fim da
madeira nativa, mas fica a origem dúbia e o péssimo exemplo de como
esse processo de geração de riquezas foi executado.
Somente há poucas décadas, as leis
ambientais começaram a ser estabelecidas em nosso país. E não foi
a falta de inteligência e de qualidade que impediu a nossa passagem
para uma condição mais iluminada. O exímio contexto estabelecido
pelo Código Florestal de 1965 – talvez o maior marco de evolução
na compreensão do interesse público sobre a propriedade privada –
nunca obteve um entendimento pleno de parte da sociedade. Falou mais
alto a garantia de impunidade e a expectativa de ganho maior, em
detrimento do resto da sociedade.
O descompasso entre o que o Código
Florestal preconizava e o arrebatador descompromisso leviano da
sociedade rural em cumprir o que se estabeleceu como limite ao uso da
terra, gerou o verdadeiro desmonte desse arcabouço legal , em 2012.
E que foi vergonhosamente referendado pelo Supremo Tribunal Federal
em 2018. O poder quase ilimitado de grupos setoriais, que avança na
estruturação de uma legislação de conveniências, é uma das
maiores e mais perversas demonstrações de corrupção que podemos
oferecer nos dias atuais, contaminando todas as esferas de poder.
Portanto, a corrupção endêmica e
amplamente espalhada em nosso meio, pode-se afirmar, começa com
práticas ilícitas envolvendo a sina de destruição da natureza,
com amplas e variadas modalidades. E continua muito ativa na forma de
excessos conscientes e negociados em troca de vantagens. São
atividades de mineração, silvicultura, pecuária, agricultura,
implantação de indústrias e até ações envolvendo infinitas
iniciativas mais pontuais.
Como uma farsa programada para não
atender à sua missão primordial, delimita-se um complexo de
estruturas frágeis e suscetíveis a todo o tipo de pressões,
chamadas formalmente de órgãos ambientais. É de conhecimento amplo
a prática de licenciamentos ilícitos, facilitados para o
atendimento aos amigos do rei. Uma moeda de troca na forma de favores
políticos e repasses de recursos sem procedência. Evidencia-se a
garantia para campanhas eleitorais ou postos estratégicos em
estruturas de governo para os elementos coniventes com o crime.
O desenvolvimento a qualquer custo,
assim pontuado como uma forma de exploração que não atende ao
respeito aos limites da natureza, ou mesmo aos preceitos
estabelecidos em lei, é uma atividade intimamente ligada à
corrupção. Gera resultados econômicos abusivos e imorais. E
consolida um comportamento que, nos dias de hoje, todos percebemos,
tomou conta da nação.
Incorporamos na pele esse
comportamento, na forma de uma cultura institucionalizada, crônica e
patológica. De nada importa o prejuízo coletivizado, nem a perda
irreversível de recursos que poderiam ser usados de maneira
contínua. Agimos em apoio cego em prol da destruição da natureza
por meio de ações sem nenhuma coerência estratégica, impostas a
partir de atos inconsequentes e criminosos.
Somos hoje, de fato, uma sociedade
de corruptos. Um povo que cultua um profundo e irresponsável
descompromisso com o futuro de todas as gerações que nos seguirão
logo mais, por tratar a natureza como um bem descartável e que é
visto como simples forma de usura. Depois de tantas Marianas, o que
ainda precisamos viver para que uma virada aconteça? Ou estamos
diante de uma condição inexorável que assume a mediocridade como
uma sina sem volta?
*Clóvis Borges é
diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e
Educação Ambiental (SPVS) e membro da Rede de Especialistas em
Conservação da Natureza.
*Caetano Fischer Ranzi é
psicólogo e Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Fonte:
ENVOLVERDE
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