Conservar a Amazônia é questão ambiental, social e econômica.
Por Maria Fernanda Ziegler, de
Manaus Agência FAPESP –
A Amazônia é única. É a maior
extensão de floresta tropical e o único lugar onde a própria
floresta controla seu clima interno, impactando o mundo todo. Com sua
biodiversidade ímpar, a Amazônia possibilita a manutenção de
serviços ecossistêmicos e limpa a atmosfera do planeta. Porém,
para que haja um desenvolvimento social sustentável na região, é
necessária uma forte base científica capaz de subsidiar políticas
públicas que atendam questões relacionadas à população,
biodiversidade, meio ambiente e economia.
É o que destacaram participantes no
workshop “As dimensões científicas, sociais e econômicas do
desenvolvimento da Amazônia”, realizado no dia 16 de agosto de
2018, em Manaus, pela FAPESP em parceria com o Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia (Inpa) e com o Brazil Institute do Wilson
Center, em Washington.
“É preciso ver a Amazônia a
partir de vários aspectos diferentes. Ela não é um jardim
botânico, pois não tem um funcionamento ou um impacto linear, e é
chave para as mudanças climáticas globais”, disse Paulo
Artaxo, professor no Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação do
Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.
Pesquisadores defendem base
científica capaz de subsidiar políticas públicas que atendam
questões relacionadas à sociedade, biodiversidade, meio ambiente e
economia da região (foto: Bergadder / Pixabay)
O funcionamento biológico da
Floresta Amazônica regula o clima sobre a região. “A floresta
controla o balanço de energia, o fluxo de calor latente e sensível,
o vapor d’água e os núcleos de condensação de nuvem que vão
intensificar o ciclo hidrológico. E isso só é possível se houver
uma extensão muito grande de floresta. Quando ela é fragmentada,
deixa de ter essa propriedade”, disse Artaxo, organizador do
workshop, à Agência FAPESP.
Um exemplo do impacto da floresta
está na sua capacidade de armazenar carbono da atmosfera, questão
fundamental para as mudanças climáticas.
“Mas a capacidade da Floresta
Amazônica em armazenar carbono e, de certa forma, limpar a
atmosfera, está diminuindo. Há três décadas, era relativamente
mais intensa que hoje. O problema é se a floresta passar a emitir
mais dióxido de carbono que absorver, o que agravaria as mudanças
climáticas. O que acontece com a Amazônia interfere no mundo
inteiro”, disse Luiz
Antonio Martinelli, professor do Centro de Energia
Nuclear na Agricultura (Cena) da USP.
De acordo com Martinelli, a hipótese
principal para a diminuição de estocagem de carbono tem relação
com os eventos extremos, como a seca, que estão mais frequentes e
intensos. Isso ocasiona a mortalidade das árvores e a consequente
perda em estocar carbono.
“Talvez já estejamos vendo o
efeito das mudanças climáticas na Amazônia. E um interfere no
outro, ou seja, o evento extremo degrada mais a floresta, degradando
a floresta ela emite mais CO2 e aumenta a intensidade
e frequência dos eventos extremos”, disse Martinelli.
Serviços ecossistêmicos
Fora o evidente impacto ambiental
das mudanças climáticas, há ainda consequências sociais e
econômicas.
“Secas como as que tivemos em 2005
e 2010 provocaram um impacto social enorme. Municípios ficaram
completamente isolados, sem água e alimentos, pois os rios são o
transporte na região. Já as cheias extremas deslocam populações
da beira de Manaus, por exemplo”, disse Artaxo.
Modelos climáticos têm previsto
aumento significativo dos eventos extremos nas próximas décadas.
“O Brasil precisa ter um plano de
adaptação para a Amazônia. O aumento da temperatura na região foi
da ordem de 1,6 °C, enquanto a média no Brasil foi de 1,3 °C e a
mundial de 1,1°C [desde o fim do século 19]. Então, a Amazônia,
por estar em uma região tropical, por receber muita radiação
solar, é uma região sensível ao aumento da temperatura e à
redução da precipitação. Dá para imaginar o impacto
socioeconômico de um dia de verão em Manaus com temperatura média
aumentada em até 5 ºC. É o que pode acontecer no futuro”, disse
Artaxo.
Um ponto a ser investigado é o dos
diversos serviços ecossistêmicos da floresta, como o processamento
de vapor d’água e a absorção de uma quantidade enorme de CO2 da
atmosfera.
“O valor dos serviços
ecossistêmicos que a Floresta Amazônica realiza equivale a US$ 14
trilhões. Atualmente, o preço da tonelada de CO2 no
mercado internacional está em torno de US$ 100, e a Amazônia
absorve uma quantidade gigantesca desse gás. Isso vale muito”,
disse Artaxo.
Mas existe uma lista maior de
serviços ecossistêmicos, como, por exemplo, o vapor d’água –
essencial para a agricultura. Durante as apresentações no workshop,
foi destacada a dependência da agricultura de todo o sul do Brasil e
dos estados de Mato Grosso e Goiás pelo vapor d’ água processado
pela Amazônia.
“Essa floresta é valorizada, é
valorizável. Mas o seu modo de exploração atual, baseado em
grandes projetos agropecuários, não beneficia necessariamente a
população da região”, disse Artaxo.
Outro ponto destacado foi o
crescimento nos últimos cinco anos do índice de desmatamento, que
vinha decaindo consideravelmente nos últimos 30 anos.
“Não ter essa floresta em um
cenário futuro de aquecimento significa não ter um ativo econômico
que terá muita importância para prevenir grandes prejuízos no
futuro. Fora isso, se o Brasil quer ter uma meta além dos 7% da
produção mundial [do agronegócio], é bom valorizar a conservação.
Pois sem esse sistema gigante de irrigação, não será possível
atingir essa meta. É uma questão econômica”, disse Paulo
Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisas Ambientais da
Amazônia (Ipam).
Mau exemplo
A importância de conservar a
biodiversidade também foi debatida no workshop. Para Maria Teresa
Piedade, pesquisadora do Inpa, é preciso criar um desenvolvimento
sustentável que seja compatível com a biodiversidade e não o
contrário. “A biodiversidade está aqui muito antes da nossa vinda
e da região se tornar a última fronteira de acesso a bens e
produtos”, disse.
Piedade orienta estudos de impacto
na hidrelétrica de Balbina, obra da década de 1980 no município de
Presidente Figueiredo (AM) e que tem desdobramentos até hoje.
“A hidrelétrica de Balbina tem
sido apontada há tempos como um péssimo exemplo de
sustentabilidade. Ela deslocou populações tradicionais indígenas,
gerou massiva mortalidade de peixes e vários outros problemas. Fora
isso, tem baixa eficiência”, disse à Agência
FAPESP.
“Houve um achatamento da variação
de secas e cheias do rio. Estamos verificando a ocorrência de
mortalidade em massa de árvores das porções mais baixas e a
entrada de espécies de terra firme nas porções mais altas,
anteriormente colonizadas por árvores das áreas úmidas. Isso
altera a biodiversidade local, a composição florística e o banco
de sementes para peixes que utilizam os rios da região para se
alimentar”, disse Piedade.
O workshop “As dimensões
científicas, sociais e econômicas do desenvolvimento da Amazônia”
terá continuação no dia 24 de setembro, no Wilson Center, nos
Estados Unidos.
No evento, a intenção também será
debater que o entendimento físico, químico e biológico da Amazônia
auxilia na compreensão de suas fragilidades e resiliências, e que é
preciso olhar para as dimensões sociais e econômicas da região de
maneira integrada.
Mais informações:
www.fapesp.br/eventos/amazon-workshop.
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