A onda global de calor pode ser indício de um colapso ambiental e civilizacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves.
A máquina de fake news divulgou no
início do ano que o Brasil teria o inverno mais rigoroso da
história. Mas os dados de julho de 2018 mostram que a temperatura
foi alta em todo o país. Em São Paulo, o tempo quente foi o maior
em décadas. Além de quente, o tempo ficou mais seco do que o
normal, causando reflexos como reservatórios de água mais baixos e
aumento do número de queimadas. Qualidade do ar também piorou nas
cidades do interior paulista. No resto do mundo os problemas se
multiplicaram.
O fato é que o mês de julho foi o
3º mais quente da série histórica e o ano de 2018 está a caminho
de ser o quarto mais quente já registrado, vencido apenas por 2017,
2016 e 2015. Julho de 2018 foi o 403º mês consecutivo com
temperaturas acima da média do século XX, segundo dados da
Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA). De
acordo com o Comitê de Auditoria Ambiental do Reino Unido, haveria a
chance das temperaturas no verão chegarem a 38ºC no país, levando
a um potencial de 7.000 mortes relacionadas ao calor por ano, até a
década de 2040. Mas tudo isto está ocorrendo este ano, com muita
antecedência.
Como mostrou o cientista Michael
Mann – com o seu gráfico do “taco de hóquei”, de 1998 – , o
mundo está ficando mais quente e continuará a esquentar. A única
dúvida agora é quanto e qual a rapidez do aquecimento global. Isto
acontece porque as emissões de gases de efeito estufa (GEE) estão
aumentando. Desta forma, os eventos climáticos extremos do verão no
hemisfério Norte, de 2018, não são apenas sintomas do desarranjo
climático, mas alertas da possibilidade de um colapso ambiental que
pode se tornar um colapso civilizacional.
Houve secas que ameaçam o
abastecimento de alimentos, inundações no Japão, chuvas extremas
no leste dos EUA, incêndios na Califórnia, Suécia e Grécia. No
Reino Unido, turistas que tentam atravessar o túnel do Canal da
Mancha para a França enfrentaram enormes filas quando instalações
de ar-condicionado em trens falharam devido à onda de calor.
Milhares de pessoas ficaram presas durante cinco horas no calor dos
30º C, sem água. No sul do Laos, as fortes chuvas levaram a um
colapso da represa, deixando milhares de pessoas desabrigadas e
inundando várias aldeias. O recorde europeu de calor era de 48º C,
registrado em julho de 1977 em Atenas, mas esta marca pode ser
quebrada no verão de 2018 (mesmo sendo “apenas” o quarto ano
mais quente da série).
O incêndio denominado Mendocino
Complex, que atingiu a Califórnia, em agosto, tornou-se o maior da
história moderna do estado após queimar mais de 283 mil hectares em
11 dias, de acordo com o jornal Los Angeles Times. Sete pessoas
morreram e milhares tiveram que deixar suas casas. Os prejuízos
financeiros são enormes, mostrando que o crescimento econômico do
Estado mais rico dos EUA está se tornando deseconômico.
A onda de calor que atingiu a Europa
neste verão chegou também a áreas próximas do Círculo Polar
Ártico — linha imaginária no extremo norte do planeta. As
temperaturas ultrapassaram os 30°C em regiões onde costuma fazer
frio o ano inteiro. Na Lapônia, região no extremo-norte da
Finlândia, os termômetros registraram 33,4°C, uma das temperaturas
mais altas da história.
O que é preciso reconhecer é que
esses eventos climáticos extremos estão relacionados ao fato de
que, desde 2015, o Planeta já está em torno de 1º C acima da média
pré-industrial. A terra está se tornando um local perigoso.
Portanto, a recente onda de eventos catastróficos não é mera
anomalia. O sistema climático está cada vez mais desequilibrado, em
função do modelo “Extrai-Produz-Descarta”.
Estudo publicado na revista Nature
Communications indica que é provável que o mundo assista
temperaturas mais extremas nos próximos quatro anos, à medida que o
aquecimento natural reforça a mudança climática provocada pelo ser
humano. O aumento das emissões de gases do efeito estufa está
aumentando a pressão sobre as temperaturas, mas os seres humanos não
sentem a mudança como uma linha reta porque os efeitos são
diminuídos ou amplificados por fases de variação natural. De 1998
a 2010, as temperaturas globais estavam em “hiato”, já que o
resfriamento natural (da circulação oceânica e dos sistemas
climáticos) compensou o aquecimento global antropogênico. Mas o
planeta entrou agora quase na fase oposta, quando as tendências
naturais estão impulsionando os efeitos produzidos pelas atividades
antrópicas.
Infelizmente, em vez de confrontar
essa ameaça à espécie humana e às demais espécies vivas da
Terra, o mito do crescimento econômico permanente e indefinido
repete sempre o mantra que a qualidade de vida depende do aumento das
atividades antrópicas. Contudo, a economia não pode ser maior do
que a ecologia e nem a humanidade pode superar a capacidade de carga
da Terra. Ou a civilização muda o rumo que leva ao colapso
ambiental ou haverá de lidar com um colapso civilizacional.
Esta possibilidade foi aventada em
novo estudo (Steffen, 2018) que indicou que a Terra pode entrar em
uma situação com clima tão quente que pode elevar as temperaturas
médias globais a até cinco graus Celsius acima das temperaturas
pré-industriais. Isto teria várias implicações, como acidificação
dos solos e das águas e aumentos no nível dos oceanos entre 10 e 60
metros. O estudo mostra que o aquecimento global causado pelas
atividades antrópicas de 2º Celsius pode desencadear outros
processos de retroalimentação, podendo desencadear a liberação
incontrolável na atmosfera do carbono armazenado no permafrost, nas
calotas polares, etc.
Em função do efeito dominó, as
“esponjas” que absorviam carbono podem se tornar fontes de
emissão de CO2 e piorar significativamente os problemas do
aquecimento global. Isto provocaria o fenômeno “Terra Estufa”, o
que levaria à temperatura ao recorde dos últimos 1,2 milhão de
anos. Os seja, caso este cenário se torne realidade, seria algo
parecido com o apocalipse para a vida humana e não humana no
Planeta.
Referências:
Angela Dewan. Our climate plans are
in pieces as killer summer shreds records, CNN, August 5, 2018
https://edition.cnn.com/2018/08/04/world/climate-change-deadly-summer-wxc-intl/index.html
Matt McGrath. O que é o fenômeno
‘Terra estufa’ e por que estamos caminhando para ele, segundo
novo estudo, BBC News,
07/08/2018
https://www.bbc.com/portuguese/geral-45088920#
https://www.bbc.com/portuguese/geral-45088920#
Steffen et. al. Trajectories of the
Earth System in the Anthropocene, PNAS August 6, 2018. 06/08/2018
http://www.pnas.org/content/early/2018/07/31/1810141115
WATTS, Jonathan. Extreme
temperatures ‘especially likely for next four years’, The
Guardian,
Tue 14 Aug 2018 https://www.theguardian.com/science/2018/aug/14/extreme-temperatures-especially-likely-for-next-four-years
Tue 14 Aug 2018 https://www.theguardian.com/science/2018/aug/14/extreme-temperatures-especially-likely-for-next-four-years
José
Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor
em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em
População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional
de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de
vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate
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