O
controverso uso de esgoto na irrigação.
Em todo o mundo, uma área
cultivada totalizando de 29,3 milhões de hectares (o tamanho aproximado da
Alemanha) é irrigada com água saída diretamente de esgotos, revelou um estudo
publicado na revista Environmental Research
Letters.
Isso significa um risco à saúde
considerável para quem come os vegetais originários desses
locais.
Segundo os modelos projetados pelos
pesquisadores, cerca de 885 milhões de moradores de áreas urbanas ficam
assim expostos a patógenos, como parasitas e bactérias.
A irrigação com águas residuais não tratadas é
problemática sobretudo em torno de cidades grandes sem tratamento adequado de
esgotos, em especial na China, Índia, Paquistão, México e Irã.
“Na maior parte dos casos, talvez os agricultores
nem saibam”, comenta à DW Pay Drechsel, diretor de projetos do Instituto
Internacional de Gestão de Água (IWMI, na sigla em inglês), no Sri Lanka, e
coautor do estudo. Outros, por outro lado, usam propositalmente água de esgoto
para irrigar suas plantações.
“Ela tem um monte de nutrientes. Sabemos de casos em que os plantadores lutam pelo uso da água residual, mesmo dispondo de água fresca. É uma forma de não terem que pagar pelos fertilizantes”
Falta de alternativa
Por vezes, em regiões mais secas, os esgotos
são a única fonte de irrigação. Por exemplo em Gana, onde Drechsel
viveu e trabalhou por 11 anos.
No país, todos os fazendeiros urbanos usam água
poluída em suas safras, pois “não há alternativa”.
Na maioria dos casos, contudo, o agricultor
acredita estar usando água fresca e limpa.
Em nível global, menos de 10% das águas residuais
coletadas são tratadas. Junto com as chuvas, elas acabam nos rios, diluídas com
o que antes era água potável, e entram na cadeia alimentar.
No entanto, essa água “ainda carrega todos os
patógenos”, afirma Drechsel, “muito além do que seja admissível para se beber
ou para irrigação”.
Ao lado de ovos de parasitas e até bactérias da
cólera, ela muito frequentemente é causa de diarreia, que para crianças menores
de cinco anos pode ser fatal.
Danos ao meio ambiente
Além dos riscos para a saúde humana,
a prática traz também riscos ambientais, pois, ao escoar para os lagos e rios,
os esgotos podem causar danos à fauna silvestre.
Em 2013, pesquisadores de Gana e Uganda
examinaram as águas residuais domésticas de Old Fadama, a maior favela urbana
ganense, constatando “potenciais implicações ambientais deletérias”.
Na estação seca, elas formavam uma massa
malcheirosa extremamente pobre de oxigênio, matando peixes e outras formas de
vida aquática.
Na Inglaterra, em setembro de 2016, mais
de 15 mil peixes morreram quando o rio Trent, na área de
North Staffordshire, foi poluído por esgotos.
Água residual também costuma conter grande quantidade
de fosfatos e outras substâncias que promovem o crescimento de algas,
consumindo ainda mais oxigênio e criando “zonas mortas”, onde outras formas de
vida aquática não subsistem.
Segundo a ONG ambientalista WWF, foram
identificadas mais de 400 áreas no mundo onde ocorre essa privação
de oxigênio.
Microrrobôs são usados para eliminar bactérias na água
Única fonte de água que aumenta com a
população
Cerca de 1 milhão de habitantes das regiões urbanas
de Gana consomem diariamente legumes e verduras regados com água poluída,
explica Pay Drechsel, do IWMI.
Cultivados pela maioria dos plantadores em volta
das cidades, eles são as safras comerciais preferidas, “especialmente as folhas
exóticas”. Mas, ao contrário de outros alimentos tradicionais, como os grãos,
elas exigem irrigação regular.
Ferver ou lavar cuidadosamente os vegetais antes
de consumi-los removeria grande parte dos agentes patogênicos, mas “a
consciência de risco é muito, muito baixa”, lamenta Drechsel.
“Não podemos simplesmente lhes dizer para lavarem
os vegetais, pois eles não saberiam por quê.”
Ele propõe a realização de
campanhas de conscientização, a fim de aumentar a pressão por parte dos
consumidores.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que
mais de 10% da população mundial consuma alimentos produzidos com águas
residuais, percentagem que tende a crescer nos próximos anos.
“Os esgotos são a única fonte hídrica que realmente aumenta de quantidade, à medida que a população e o consumo de água crescem”, diz Drechsel.
Segundo a ONU, o volume anual de
águas residuais produzidas é aproximadamente “seis vezes maior do
que a contida em todos os rios do mundo”.
Nem tão mau assim?
Em contrapartida, para Chris Scott, professor de
geografia e desenvolvimento da Universidade do Arizona, a prática de usar águas
residuais para a irrigação, em si, não é uma coisa negativa.
“Ela representa uma oportunidade de subsistência
para muitos milhões de pequenos agricultores, contribui para a segurança
alimentar global e recicla nutrientes agrícolas que, de outro modo, poluiriam
vias aquáticas naturais.”
Sem ela, “os países emergentes, em especial, não
teriam como alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável globalmente
aceitas”.
O que se faz urgentemente necessário é gerenciar
a prática de irrigação com água residual. Scott sugere a adoção de estações de
tratamento nas fazendas, roupas de proteção para os agricultores, melhor
higiene nos mercados e lavagem eficaz dos vegetais nas cozinhas.
O esgoto também pode ser
industrialmente convertido em fertilizante.
Uma fábrica para esse fim está sendo construída
em Accra, Gana, diz Drechsel. Com base em suas experiências no país, contudo,
ele duvida que o tratamento avançado dos esgotos “vá acontecer tão cedo”.
Para ele, o passo mais importante é evitar comer
vegetais crus e sem lavar.
Fonte: DW.
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