quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Especial Ecoagência – Mortandade das abelhas (segunda parte): GT pede a proibição de agrotóxicos.
Por Ulisses Nenê – especial para a EcoAgência – 

Em seu relatório final, o Grupo de Trabalho Sobre Mortandade das Abelhas no Rio Grande do Sul apresentou uma lista de propostas para conter o fenômeno que está dizimando as colmeias gaúchas. 

A primeira providência sugerida é o banimento dos neonicotinóides e do Fipronil, os agrotóxicos mais mortíferos para os insetos.

O documento recomenda “que esta Câmara Setorial deva solicitar aos órgãos competentes a proibição do uso das partículas dos neonicotinóides Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam e Fipronil nas culturas agrícolas no Estado, e sugerir que o mesmo se faça em todo o Brasil, tendo em vista a ameaça que causam ao processo de polinização das culturas bem como ao extermínio das abelhas”.

Ele aponta que em fevereiro de 2004, há mais de dez anos, o Fipronil foi proibido na França, por ter causado a diminuição de 60% da produção de mel no país. Em setembro de 2008 os neonicotinóides foram proibidos na Itália, por mortandade de colmeias.
Abelhas mortas da espécie nativa Mandaçaia

Em maio de 2008 um dos neonicotinóides foi proibido no Sul da Alemanha (Poncho – Clotianidina), por provocar a morte de 11 mil colmeias. Finalmente, em maio de 2013, os neonicotinóides foram proibidos em todos os países da Europa.

O GT, ligado à Câmara Setorial da Policultura e Meliponicultura, explica que a ação mortal desses inseticidas nas abelhas é exercida sobre o seu sistema nervoso central, bloqueando de forma irreversível os receptores nervosos. Inclusive, os tratamentos de sementes para plantio, protegidas contra insetos com essas partículas, contaminam por ação sistêmica o néctar e o pólen da cultura, causando a morte das abelhas.

Além disso, os resíduos desses agrotóxicos permanecem no solo por mais de dois anos, sendo absorvidos pela cultura subsequente ou pelas plantas indesejáveis, que assim continuam intoxicando as abelhas através do pólen e néctar que posteriormente oferecem às mesmas.

Sem contar que nas análises de água em riachos na Europa foram encontrados altos índices dessas partículas. “Pela forma de ação destas partículas sobre as abelhas, contaminando a água, o solo e os alimentos (néctar e pólen), não é possível a convivência das abelhas com o uso destes químicos”, sentencia o relatório. O documento foi entregue ao secretário estadual da Agricultura, Ernani Polo, mês passado.

Risco para o ser humano

No Estado encontram-se 324 espécies de abelhas, das quais apenas 24 possuem características de abelhas sociais (que vivem em colmeias), tidas como abelhas sem ferrão, e o restante são abelhas solitárias. Todas com um papel no serviço ecológico da polinização importantíssimo, não só quanto ao aspecto econômico como também ambiental, destaca o coordenador da Câmara Setorial, Nadilson Ferreira.

Doutor em polinização pela UFRGS, ele explica que os meliponíneos (abelhas sem ferrão) polinizam até 90% das plantas com flores dos trópicos e 70% das necessidades da polinização nas culturas agrícolas dependem das abelhas. “Estas populações de abelhas estão sendo atingidas e nada é feito para conter esses impactos. Inclusive, torna-se até um crime ambiental, já que esses animais fazem parte da fauna nativa”, afirma.

Ferreira alerta para um aspecto ainda mais preocupante: “A abelha é uma das indicadoras de qualidade ambiental. Se a abelha está morrendo implica que tudo que se encontra naquele ambiente está em risco, inclusive o homem”.

Ele espera que o assunto seja debatido no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), para que ali surjam normas que permitam o convívio harmônico entre agricultura e apicultura. Algo que não inviabilize a agricultura tradicional, mas também sem esta inviabilizar a apicultura, porque existe um ponto de interesse comum que é a polinização, que é “importante, fundamental, para a produção”, destaca.

Desaparecimento nos Estados Unidos e Europa

Coordenador do Laboratório de Apicultura da Faculdade de Agronomia da UFRGS, o agrônomo Aroni Sattler esclarece que o fenômeno no Estado é diferente do “sumiço de abelhas” que está acontecendo nos Estados Unidos e Europa. Lá, desde 2006 ocorre uma enorme perda de colmeias pelo desaparecimento rápido e sem qualquer vestígio quanto ao destino das abelhas.

A repercussão foi muito grande e continua até hoje, pela falta de colmeias para atender à demanda na polinização de várias culturas agrícolas. O custo com polinizadores, depois disso, triplicou para os agricultores. “Apesar dos grandes investimentos para resolver este mistério, até hoje, a principal conclusão é que as causas são multifatoriais, embora a maior parcela de culpa seja atribuída aos agrotóxicos”.

Aqui os sinais são diferentes, ressalta: “Especialmente no nosso Estado, nas regiões da soja, arroz, milho e frutíferas, temos as mortandades agudas e pontuais na época em que estas plantas florescem e quando coincide com a aplicação de agrotóxicos, mas aqui a mortandade se caracteriza pela presença das abelhas mortas dentro das colmeias ou o seu entorno”.

Sattler considera “mais grave ainda a situação dos demais polinizadores, em especial as abelhas nativas, sociais ou solitárias, que vivem em abrigos naturais. Quando morre umas destas colônias por intoxicação não mais será reposta, inclusive correndo risco de sua extinção”.

Aviação agrícola

No levantamento do GT, que Sattler também integrou, foram alinhados aspectos considerados agravantes no uso de agrotóxicos, entre eles: uso de produtos não indicados para a cultura implantada e mistura de produtos sem critérios técnicos. Ausência de levantamento da população de insetos causadores da praga a ser combatida e pacotes de produtos “casados”, induzindo o agricultor à aplicação preventiva.

Os estudos apontaram ainda a não utilização de tratamentos integrados das pragas, com processos físicos, químicos e biológicos, bem como a emissão de receituário agronômico pelo próprio agente técnico que faz a venda do agrotóxico. Além disso, acontece com frequência a aplicação de produtos em épocas inapropriadas.

Outro complicador mencionado é a pulverização por aviação agrícola. “A aviação piora muito a mortandade porque a dispersão (deriva) dos produtos químicos é bem maior do que na forma terrestre da aplicação, por mais que digam que controlam a aplicação aérea, por inviabilidade técnica, por causa dos contratos, a dispersão atinge áreas de extensão bem maiores que a aplicação terrestre”, diz Ferreira.

Por fim, o GT cita as grandes extensões monoculturais, como eucalipto. Apesar de ser rico em néctar e pólen, essa planta não possui uma proteína essencial para as abelhas (isolucina), o que provoca a diminuição de abelhas ao final da temporada, mesmo com a produção de mel, obrigando a transferência de colmeias para locais de pasto apícola mais equilibrado, nutricionalmente falando.

Fenômeno crescente e global

O fenômeno da mortandade é crescente, de grandes perdas, e consequências graves, adverte a diretora do Instituto do Meio Ambiente da PUC, Betina Blochtein. Bióloga e doutora em zoologia, ela trabalha há mais de 20 anos no estudo das abelhas e observa que há um fenômeno global de declínio dos polinizadores.

Uma causa muito importante, afirma, é a perda ou alteração do habitat, pela expansão da agricultura ou urbanização: “A conversão de áreas naturais para terras agrícolas em grande escala tem um fortíssimo impacto na diminuição dos polinizadores, é um problema muito sério e antigo que continua no Brasil”. Mas em todos os países onde acontece o problema também ocorre a utilização em grande escala dos agrotóxicos, acrescenta.

Ela observa que a matriz agrícola no país é dependente dos agrotóxicos. Sendo assim, “é preciso fazer escolhas e usos de boas práticas; há manuais e documentos internacionais sobre conservação das abelhas, indicando como conservar os polinizadores”. No entanto, a mortandade que está ocorrendo demonstra a ausência dos cuidados necessários, “por desconhecimento, por falta de consciência e de treinamento das pessoas”.

A bióloga questiona, por exemplo, a pulverização aérea, já apontada pelos outros especialistas, que pode espalhar o produto numa área bem maior que a das lavouras. Também alerta para a aplicação em dosagens muitas vezes exageradas, e revela que há relatos de agricultores que misturam vários produtos para economizar a aplicação, de uma vez só. Isso pode estar agravando ainda mais os danos sobre as abelhas, adverte.

Outra circunstância a ser considerada são os chamados efeitos subletais. Com baixa dosagem de agrotóxicos, as abelhas não vão morrer, mas vão ter consequências subletais, como dificuldades de orientação, daí não conseguem retornar às colmeias, diminui a população, baixa a sua imunidade, ficam mais suscetíveis a determinados gêneros de bactérias e sucumbem de maneira silenciosa. Muitas vezes os agricultores não percebem do que se trata e chamam isso de “colmeia fraca”.

Sistema de SOS

Betina ressalta que não há um sistema de SOS, que os apicultores, agricultores e as pessoas em geral possam chamar quando ocorre a mortandade para investigar o que aconteceu, fazer as análises necessárias e determinar as providências a serem tomadas.

“A sociedade não tem consciência da necessidade da conservação das abelhas”, critica a diretora do IMA. “A sociedade tem que se unir para enfrentar esses problemas. Vários países da Europa proibiram a pulverização aérea e vários produtos de difícil controle foram banidos”, aponta.

A especialista garante que, sendo usados mediante uma necessidade real, comprovada, e nas quantidades indicadas, diminuiriam em 70% os agrotóxicos nas lavouras. Ou seja, com boas práticas seria possível usar apenas um terço do que se usa hoje desses venenos e reduzir em muito o impacto sobre as abelhas. Mas também é necessária uma fiscalização eficiente dos órgãos ambientais e que todas as áreas envolvidas conversem entre si, conclui a bióloga.


Fonte: Ecoagência

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