Especial
Ecoagência – Mortandade das abelhas (segunda parte): GT pede a proibição de
agrotóxicos.
Por Ulisses Nenê – especial para a EcoAgência
–
Em seu relatório final, o Grupo de Trabalho Sobre
Mortandade das Abelhas no Rio Grande do Sul apresentou uma lista de propostas
para conter o fenômeno que está dizimando as colmeias gaúchas.
A primeira
providência sugerida é o banimento dos neonicotinóides e do Fipronil, os
agrotóxicos mais mortíferos para os insetos.
O documento recomenda “que esta Câmara Setorial
deva solicitar aos órgãos competentes a proibição do uso das partículas dos
neonicotinóides Clotianidina, Imidacloprid, Tiametoxam e Fipronil nas culturas
agrícolas no Estado, e sugerir que o mesmo se faça em todo o Brasil, tendo em
vista a ameaça que causam ao processo de polinização das culturas bem como ao
extermínio das abelhas”.
Ele aponta que em fevereiro de 2004, há mais de dez
anos, o Fipronil foi proibido na França, por ter causado a diminuição de 60% da
produção de mel no país. Em setembro de 2008 os neonicotinóides foram proibidos
na Itália, por mortandade de colmeias.
Abelhas
mortas da espécie nativa Mandaçaia
Em maio de 2008 um dos neonicotinóides foi proibido
no Sul da Alemanha (Poncho – Clotianidina), por provocar a morte de 11 mil
colmeias. Finalmente, em maio de 2013, os neonicotinóides foram proibidos em
todos os países da Europa.
O GT, ligado à Câmara Setorial da Policultura e
Meliponicultura, explica que a ação mortal desses inseticidas nas abelhas é
exercida sobre o seu sistema nervoso central, bloqueando de forma irreversível
os receptores nervosos. Inclusive, os tratamentos de sementes para plantio,
protegidas contra insetos com essas partículas, contaminam por ação sistêmica o
néctar e o pólen da cultura, causando a morte das abelhas.
Além disso, os resíduos desses agrotóxicos
permanecem no solo por mais de dois anos, sendo absorvidos pela cultura
subsequente ou pelas plantas indesejáveis, que assim continuam intoxicando as
abelhas através do pólen e néctar que posteriormente oferecem às mesmas.
Sem contar que nas análises de água em riachos na
Europa foram encontrados altos índices dessas partículas. “Pela forma de ação
destas partículas sobre as abelhas, contaminando a água, o solo e os alimentos
(néctar e pólen), não é possível a convivência das abelhas com o uso destes
químicos”, sentencia o relatório. O documento foi entregue ao secretário
estadual da Agricultura, Ernani Polo, mês passado.
Risco para o ser humano
No Estado encontram-se 324 espécies de abelhas, das
quais apenas 24 possuem características de abelhas sociais (que vivem em
colmeias), tidas como abelhas sem ferrão, e o restante são abelhas solitárias.
Todas com um papel no serviço ecológico da polinização importantíssimo, não só
quanto ao aspecto econômico como também ambiental, destaca o coordenador da
Câmara Setorial, Nadilson Ferreira.
Doutor em polinização pela UFRGS, ele explica que
os meliponíneos (abelhas sem ferrão) polinizam até 90% das plantas com flores
dos trópicos e 70% das necessidades da polinização nas culturas agrícolas
dependem das abelhas. “Estas populações de abelhas estão sendo atingidas e nada
é feito para conter esses impactos. Inclusive, torna-se até um crime ambiental,
já que esses animais fazem parte da fauna nativa”, afirma.
Ferreira alerta para um aspecto ainda mais
preocupante: “A abelha é uma das indicadoras de qualidade ambiental. Se a
abelha está morrendo implica que tudo que se encontra naquele ambiente está em
risco, inclusive o homem”.
Ele espera que o assunto seja debatido no Conselho
Estadual do Meio Ambiente (Consema), para que ali surjam normas que permitam o
convívio harmônico entre agricultura e apicultura. Algo que não inviabilize a
agricultura tradicional, mas também sem esta inviabilizar a apicultura, porque
existe um ponto de interesse comum que é a polinização, que é “importante,
fundamental, para a produção”, destaca.
Desaparecimento nos Estados Unidos e Europa
Coordenador do Laboratório de Apicultura da
Faculdade de Agronomia da UFRGS, o agrônomo Aroni Sattler esclarece que o
fenômeno no Estado é diferente do “sumiço de abelhas” que está acontecendo nos
Estados Unidos e Europa. Lá, desde 2006 ocorre uma enorme perda de colmeias
pelo desaparecimento rápido e sem qualquer vestígio quanto ao destino das
abelhas.
A repercussão foi muito grande e continua até hoje,
pela falta de colmeias para atender à demanda na polinização de várias culturas
agrícolas. O custo com polinizadores, depois disso, triplicou para os
agricultores. “Apesar dos grandes investimentos para resolver este mistério,
até hoje, a principal conclusão é que as causas são multifatoriais, embora a
maior parcela de culpa seja atribuída aos agrotóxicos”.
Aqui os sinais são diferentes, ressalta:
“Especialmente no nosso Estado, nas regiões da soja, arroz, milho e frutíferas,
temos as mortandades agudas e pontuais na época em que estas plantas florescem
e quando coincide com a aplicação de agrotóxicos, mas aqui a mortandade se
caracteriza pela presença das abelhas mortas dentro das colmeias ou o seu
entorno”.
Sattler considera “mais grave ainda a situação dos
demais polinizadores, em especial as abelhas nativas, sociais ou solitárias,
que vivem em abrigos naturais. Quando morre umas destas colônias por
intoxicação não mais será reposta, inclusive correndo risco de sua extinção”.
Aviação agrícola
No levantamento do GT, que Sattler também integrou,
foram alinhados aspectos considerados agravantes no uso de agrotóxicos, entre
eles: uso de produtos não indicados para a cultura implantada e mistura de
produtos sem critérios técnicos. Ausência de levantamento da população de
insetos causadores da praga a ser combatida e pacotes de produtos “casados”,
induzindo o agricultor à aplicação preventiva.
Os estudos apontaram ainda a não utilização de
tratamentos integrados das pragas, com processos físicos, químicos e
biológicos, bem como a emissão de receituário agronômico pelo próprio agente
técnico que faz a venda do agrotóxico. Além disso, acontece com frequência a
aplicação de produtos em épocas inapropriadas.
Outro complicador mencionado é a pulverização por
aviação agrícola. “A aviação piora muito a mortandade porque a dispersão
(deriva) dos produtos químicos é bem maior do que na forma terrestre da
aplicação, por mais que digam que controlam a aplicação aérea, por
inviabilidade técnica, por causa dos contratos, a dispersão atinge áreas de
extensão bem maiores que a aplicação terrestre”, diz Ferreira.
Por fim, o GT cita as grandes extensões
monoculturais, como eucalipto. Apesar de ser rico em néctar e pólen, essa
planta não possui uma proteína essencial para as abelhas (isolucina), o que
provoca a diminuição de abelhas ao final da temporada, mesmo com a produção de
mel, obrigando a transferência de colmeias para locais de pasto apícola mais equilibrado,
nutricionalmente falando.
Fenômeno crescente e global
O fenômeno da mortandade é crescente, de grandes
perdas, e consequências graves, adverte a diretora do Instituto do Meio
Ambiente da PUC, Betina Blochtein. Bióloga e doutora em zoologia, ela trabalha
há mais de 20 anos no estudo das abelhas e observa que há um fenômeno global de
declínio dos polinizadores.
Uma causa muito importante, afirma, é a perda ou
alteração do habitat, pela expansão da agricultura ou urbanização: “A conversão
de áreas naturais para terras agrícolas em grande escala tem um fortíssimo
impacto na diminuição dos polinizadores, é um problema muito sério e antigo que
continua no Brasil”. Mas em todos os países onde acontece o problema também
ocorre a utilização em grande escala dos agrotóxicos, acrescenta.
Ela observa que a matriz agrícola no país é
dependente dos agrotóxicos. Sendo assim, “é preciso fazer escolhas e usos de
boas práticas; há manuais e documentos internacionais sobre conservação das
abelhas, indicando como conservar os polinizadores”. No entanto, a mortandade
que está ocorrendo demonstra a ausência dos cuidados necessários, “por
desconhecimento, por falta de consciência e de treinamento das pessoas”.
A bióloga questiona, por exemplo, a pulverização
aérea, já apontada pelos outros especialistas, que pode espalhar o produto numa
área bem maior que a das lavouras. Também alerta para a aplicação em dosagens
muitas vezes exageradas, e revela que há relatos de agricultores que misturam
vários produtos para economizar a aplicação, de uma vez só. Isso pode estar
agravando ainda mais os danos sobre as abelhas, adverte.
Outra circunstância a ser considerada são os
chamados efeitos subletais. Com baixa dosagem de agrotóxicos, as abelhas não
vão morrer, mas vão ter consequências subletais, como dificuldades de
orientação, daí não conseguem retornar às colmeias, diminui a população, baixa
a sua imunidade, ficam mais suscetíveis a determinados gêneros de bactérias e
sucumbem de maneira silenciosa. Muitas vezes os agricultores não percebem do
que se trata e chamam isso de “colmeia fraca”.
Sistema de SOS
Betina ressalta que não há um sistema de SOS, que
os apicultores, agricultores e as pessoas em geral possam chamar quando ocorre
a mortandade para investigar o que aconteceu, fazer as análises necessárias e
determinar as providências a serem tomadas.
“A sociedade não tem consciência da necessidade da
conservação das abelhas”, critica a diretora do IMA. “A sociedade tem que se
unir para enfrentar esses problemas. Vários países da Europa proibiram a
pulverização aérea e vários produtos de difícil controle foram banidos”,
aponta.
A especialista garante que, sendo usados mediante
uma necessidade real, comprovada, e nas quantidades indicadas, diminuiriam em
70% os agrotóxicos nas lavouras. Ou seja, com boas práticas seria possível usar
apenas um terço do que se usa hoje desses venenos e reduzir em muito o impacto
sobre as abelhas. Mas também é necessária uma fiscalização eficiente dos órgãos
ambientais e que todas as áreas envolvidas conversem entre si, conclui a
bióloga.
Fonte: Ecoagência
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