O futuro
é algo que se constrói no presente.
Dal Marcondes, da Envolverde –
O combate objetivo da desigualdade é o principal,
se não o único, caminho da humanidade em direção ao futuro, que não deve ser
encarado como inexorável.
Este início de século pode ser definido como uma
nova encruzilhada no tempo para a humanidade, assim como foi há 100 anos, no
início do século XX. Um adulto de 1915, se perguntado como seria o futuro, não
teria a mais remota possibilidade de prever o nosso presente. Olharia em volta
e veria um mundo conturbado, em guerra (muito semelhante ao nosso), mas com
tecnologias que estavam apenas nascendo (também muito parecido com os nossos
dias). No entanto, não teria nenhuma informação de tendência que permitisse
prever a sociedade pós-industrial deste século 21. Certamente, com alguma boa
vontade ele poderia desejar que a humanidade já tivesse superado as guerras e a
desigualdade, principais flagelos do seu tempo.
O início do século XX assistiu às primeiras
máquinas complexas tornarem-se a base da sociedade humana, se iluminou com a
eletricidade e se maravilhou com as descobertas da química. Também viu essas
novas maravilhas sendo utilizadas como armas. Nada daquele momento permitia
vislumbrar as fantásticas conquistas desse início de século XXI. Eletricidade,
mecânica e química se transcenderam em uma ciência interligada e capaz de
elevar o conhecimento humano a um patamar quase divino. A humanidade deste
século á mais bem preparada, mais culta, mais habilitada em todas as áreas de
conhecimento. Enquanto a informação era para poucos em 1915, em 2015 a internet
e suas ferramentas tornaram ciência e conhecimentos de acesso universal.
Durante a maior parte da história humana havia a
crença generalizada de que o futuro é algo inexorável, é auto realizável e nada
se poderia fazer para mudar o destino. O Oráculo, desde os tempos de Delfos,
tem poder de vida e morte sobre os crentes. Reis e generais consultaram os
oráculos ao longo dos tempos para saber de sua sorte nas batalhas, assim como
pessoas comuns seguem outras superstições para tentar descortinar o futuro
inexorável à sua frente.
Carro de
luxo de 1915, o auge da tecnologia da época.
Do presente ao amanhã
O cenário de 2015 é completamente diferente. O
futuro é algo a ser construído de acordo com os desejos e o planejamento da
humanidade e de suas instituições. A casualidade tem pouco espaço em um momento
da história em que a humanidade precisa tomar as rédeas de seu destino em
decidir os rumos de sua civilização. Há dilemas fundamentais a serem
enfrentados de forma objetiva e com um plano de trabalho capaz de superar
inércias históricas, com o potencial de inovar nas relações humanas e,
principalmente, com a capacidade de apoiar a humanidade em um salto
evolucionário em direção ao futuro.
Os desafios a serem superados são inúmeros, estão
presentes em quase todos os campos do conhecimento e das relações humanas. No
entanto, nenhum é maior do que a necessidade de superação da desigualdade. O
planeta Terra abriga neste início de século sete bilhões de seres humanos. As
estimativas dos demógrafos aponta que chegaremos a nove bilhões por volta de
2050 e depois haverá uma estabilização. Em 1900 havia menos de dois bilhões de
habitantes na Terra, um número parecido com a quantidade de pessoas que neste
início do século XXI de fato têm acesso às benesses da civilização
contemporânea. Entre quatro e cinco bilhões de pessoas vivem com algum ou diversos
tipos de carência. A desigualdade é o mais importante desafio deste tempo.
Levar à totalidade das pessoas a universalização de direitos já considerados
universais deveria ser o principal foco da motivação de governos, empresas,
instituições e pessoas.
Ao mesmo tempo em que a humanidade consegue
espalhar conquistas nos campos da educação, da ciência, da tecnologia e da
medicina, a concentração de riquezas nas mãos de uns poucos torna o processo
distributivo limitado. Um estudo realizado pela organização internacional Oxfam
mostra que durante a mais importante crise financeira global desde a crise de
1929, em 2008, o número de bilionários no planeta dobrou, enquanto a
desigualdade, ou seja, a distância entre ricos e pobres, aumentou.
A diretora executiva da Oxfam Internacional, Winnie
Byanyima convoca a sociedade para virar esse jogo, “antes que a situação
piore”. Os dados mostram que atualmente a soma das fortunas de 1% da população
global é maior do que a soma da renda dos 99% de humanos restantes. Os números
levantados pela Oxfam são impressionantes: “Se as três pessoas mais ricas do
mundo gastassem US$ 1 milhão por dia, precisariam de 200 anos para exaurir suas
fortunas”, informa o relatório. Segundo o documento, as 85 pessoas mais ricas
viram sua fortuna coletiva crescer US$ 668 milhões ao dia entre 2013 e 2014.
Isso corresponde a quase meio milhão de dólares por minuto.
Governos e empresas precisam rever seus conceitos
de acumulação e distribuição de renda. A desigualdade não é um bom negócio para
ninguém. Para as empresas a distribuição de renda gera mercados, acesso das
populações aos bens, produtos e serviços do século XXI. Para os governos
significa sociedades mais bem preparadas e estruturadas para um melhor
desempenho em políticas púbicas, com mais autoestima e melhores contribuintes.
O embate de ideologias dos tempos atuais perdeu seu foco principal, a qualidade
de vida da sociedade a à qual servem os políticos.
Planejar como superar esse entrave civilizatório da
desigualdade é o principal desafio da humanidade.
É papel de todos,
principalmente daqueles que detém dinheiro e poder. Uma regra obsoleta do
marketing prega que as empresas de sucesso são aquelas que conseguem fidelizar
seus clientes e vender mais para os mesmos. Essa empresa certamente vai ganhar
dinheiro por algum tempo, mas não tem uma contribuição eficaz para o
desenvolvimento da sociedade que a acolheu. A empresa de sucesso do século XXI
será aquela que consegue fazer o dinheiro girar pela sociedade, deixando
benefícios em toda a sua cadeia de valor. E antes que perguntem, sim, remunerar
os acionistas.
Há um conceito que define com muita clareza o papel
das empresas neste novo século, é do empresário Ray Anderson, fundador da
organização Sustainability e um dos precursores da economia do
compartilhamento. “O Lucro não pode ser o principal objetivo de uma empresa, o
foco das empresas deve ser sua missão. O lucro é apenas um dos fatores
necessários para que as empresas cumpram sua missão”.
Empresas ao redor do mundo estão engatinhando em
uma mudança de seu foco, começam a dar mais atenção aos seus impactos
ambientais e sociais. Buscam trabalhar com medidas mitigatórias em relação ao
meio ambiente e apoiam projetos sociais com foco principalmente em educação e
redução da pobreza. Muitas elegeram água e resíduos como suas preocupações
prioritárias, o que é bom, porque na lista de prioridades do século XXI esses
dois temas vem logo em seguida à desigualdade como desafios urgentes.
No entanto, a crise de 2008 mostrou que a
determinação das empresas em manter sua coerência em relação aos projetos de
sustentabilidade ainda carece de perseverança. Muitas delas praticamente
abandonaram os planos de investimentos nessa área e, outras, desarticularam
suas equipes de profissionais em sustentabilidade. Mesmo os tradicionais
relatórios de sustentabilidade com base em princípios do GRI (Global Reporting
Iniciative) perderam consistência e passaram a ser olhados apenas como
obrigação de “cumprir tabela”.
A crise civilizatória que se espalha pelo planeta
neste início de século guarda muitas similaridades às crises que assolaram o
mundo no início do século XX. Guerras e incapacidade de diálogo entre nações e
povos de distintas crenças e culturas. Em 1915 o Planeta estava mergulhado em
seu primeiro grande evento global, uma guerra que demoliu os impérios e
redesenhou as fronteiras do mundo.
Certamente os reis e generais da época foram
incapazes, antes do conflito, quando ele ainda poderia ter sido evitado, de
prever os impactos das nascentes tecnologias mecânica e química sobre o campo
de batalha.
A diferença estrutural entre os dois momentos
históricos é a atual habilidade de previsão de cenários e a capacidade da
humanidade em superar os impasses propostos pela visão de inexorabilidade do
futuro. O desenvolvimento inercial e inconsequente, descompromissado com a
transformação dos paradigmas que regem a economia e a cultura, apenas leva ao
acirramento das tragédias, com consequências catastróficas para a humanidade.
Neste ponto é bom lembrar que o planeta Terra tem bilhões de anos e a
humanidade chegou a uns poucos milhares de anos, e apenas nos últimos dois a
três séculos fez estragos que durarão também uns poucos milhares de anos para o
planeta consertar.
Isso quer dizer que o que está em questão quando se
fala em planejar o futuro nada tem a ver com o clássico conceito ambientalista
de “salvar o planeta”, mas sim com garantir a resiliência do habitat humano
como suporte para a qualidade de vida da atual civilização.
O papel das empresas é fundamental para garantir
qualidade da transição da economia para um modelo de menor impacto ambiental e
excelência em impacto social. Todas as áreas empresariais têm muito a
contribuir e, para isso, precisam mudar sua visão de mundo. A simples
acumulação de capital não transforma e, a partir de um determinado valor
apropriado a própria organização e seus acionistas não são mais impactados
pelos resultados financeiros.
Nesse ponto é preciso entrar em cena outro
conceito, o de ciclo de vida dos produtos. Transformar a maneira de fazer, a
qualidade e a quantidades de materiais e recursos naturais utilizados, o
processo de venda, utilização e descarte é fundamental para ganhar escala que
permita atender a todos e não apenas a uma pequena parcela da humanidade. É
preciso estabelecer o fim de produtos e materiais desconectados com um modelo
mais sustentável de civilização.
O combate objetivo da desigualdade é o principal,
se não o único, caminho da humanidade em direção ao futuro. As alternativas são
todas catastróficas. Informação e conhecimento são os principais fatores
evolucionários e de transição para uma ética de preservação ambiental e para
uma sociedade menos desigual.
* Dal Marcondes é jornalista,
diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
Fonte: ENVOLVERDE
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