A água
brasileira corre para as multinacionais.
Por Flávio José Rocha da Silva*, no
site do Fórum Mundial Alternativo das Águas, FAMA
Uma corporação canadense já controla o
abastecimento de 17 milhões de brasileiros. Outras estão à espreita numa
privatização tramada sem nenhum debate com a sociedade.
A história do Brasil, não é novidade, foi forjada
por uma sucessão de saques contra as nossas riquezas naturais. A lista é longa:
pau-brasil, açúcar, ouro, diamantes, algodão, café, ferro, borracha, nióbio,
sal, mogno, petróleo, etc. Como o que está ruim pode piorar, como diria um
pessimista empedernido, eis que agora podemos acrescentar a água a esta lista.
Antes já comprovadamente explorada na irrigação e
dando base para o que hoje é chamado de “exportação da água virtual” com a
venda de frutas e de soja para fora do país (há outros itens, mas estes são os
mais relevantes), o controle dos recursos hídricos avança no país por parte das
multinacionais. A água nossa de cada dia já gera, há muito tempo, lucro para
alguns grupos econômicos estrangeiros vindos de países sem a mesma abundância
em mananciais como tem Brasil.
Há razões para essas empresas se instalarem aqui no nosso país. Basta afirmar que para produzir 1 quilo de banana são gastos 790 litros de água, segundo o site da Waterfootprint [1] (organização que mede o gasto de água para produzir alguns alimentos e produtos). No caso da soja, para produzir 1 quilo desta leguminosa são necessários 1.500 litros de água. Adivinhe o nome do país que se tornou o maior produtor de soja no mundo.
Há razões para essas empresas se instalarem aqui no nosso país. Basta afirmar que para produzir 1 quilo de banana são gastos 790 litros de água, segundo o site da Waterfootprint [1] (organização que mede o gasto de água para produzir alguns alimentos e produtos). No caso da soja, para produzir 1 quilo desta leguminosa são necessários 1.500 litros de água. Adivinhe o nome do país que se tornou o maior produtor de soja no mundo.
Sobre a apropriação da água para a fruticultura
irrigada, pergunte aos moradores do entorno do Canal da Integração construído
pelo então governador do Ceará, Ciro Gomes, o que eles acham da presença das
grandes empresas de fruticultura na Chapada do Apodi cearense e o acesso que
eles tem sobre aquela água. É que por lá a água tem dono, e não são os
moradores locais. Experimente ter que amarrar a si próprio em uma estaca para
descer em um canal e conseguir uma lata de água durante a madrugada correndo o
risco de ser pego por seguranças e ainda ser acusado de roubo. Nem todos são
convidados para o banquete do progresso da agricultura em grande escala e
mecanizada do Apodi.
Infográfico Planeta Sustentável
Quero tratar também de outra forma de
comercializar/mercantilizar/privatizar a água. É sobre o que vem acontecendo
com a administração das distribuidoras de água do nosso país.
Desde a Era Collor de Mello, aprofundando-se no “reinado” de Fernando Henrique Cardoso e nos governos petistas, a posse deste serviço pelos estados e municípios vem sendo lentamente desconstruída e repassada para empresas privadas. Não tenho nada contra as empresas privadas, mas água é importante demais para ficar sobre o controle de algumas empresas. Privatizar pode significar privar as pessoas do acesso a um bem natural em muitos casos. Se você não pode pagar a conta da água, você será privado do acesso a ela nas torneiras da sua casa. Empresas privadas precisam pagar funcionários, impostos e ter lucro.
E quanto mais lucro melhor para garantir a sobrevivência no mundo cruel dos negócios. É a natureza delas. Goste-se ou não, é assim que funciona. Se você pensa que é diferente, pergunte aos bolivianos sobre a relação nada amigável entre eles e a empresa estadunidense Bechtel que administrou a distribuição da água por lá e causou tamanho revolta com o aumento das tarifas impagáveis pelos mais pobres e o consequente corte da água para as suas casas. Não por acaso, aconteceu a chamada Guerra da Água causando a morte de mais de setenta pessoas nas ruas de Cochabamba no ano 2000. Pode também perguntar aos franceses por que as empresas distribuidoras de água na França, que por décadas foram administras por empresas privadas, passaram a ser reestatizadas em vários municípios de lá, incluindo Paris. No entanto, o Brasil segue o caminho da privatização da água já fracassado em outros países. Por que será?
Desde a Era Collor de Mello, aprofundando-se no “reinado” de Fernando Henrique Cardoso e nos governos petistas, a posse deste serviço pelos estados e municípios vem sendo lentamente desconstruída e repassada para empresas privadas. Não tenho nada contra as empresas privadas, mas água é importante demais para ficar sobre o controle de algumas empresas. Privatizar pode significar privar as pessoas do acesso a um bem natural em muitos casos. Se você não pode pagar a conta da água, você será privado do acesso a ela nas torneiras da sua casa. Empresas privadas precisam pagar funcionários, impostos e ter lucro.
E quanto mais lucro melhor para garantir a sobrevivência no mundo cruel dos negócios. É a natureza delas. Goste-se ou não, é assim que funciona. Se você pensa que é diferente, pergunte aos bolivianos sobre a relação nada amigável entre eles e a empresa estadunidense Bechtel que administrou a distribuição da água por lá e causou tamanho revolta com o aumento das tarifas impagáveis pelos mais pobres e o consequente corte da água para as suas casas. Não por acaso, aconteceu a chamada Guerra da Água causando a morte de mais de setenta pessoas nas ruas de Cochabamba no ano 2000. Pode também perguntar aos franceses por que as empresas distribuidoras de água na França, que por décadas foram administras por empresas privadas, passaram a ser reestatizadas em vários municípios de lá, incluindo Paris. No entanto, o Brasil segue o caminho da privatização da água já fracassado em outros países. Por que será?
A linguagem não é neutra. Mas o que há entre a não
neutralidade da linguagem e a privatização da água no Brasil? Simples: ela é
utilizada a favor da justificativa do repasse das nossas águas para as mãos de
multinacionais. Você lerá/verá/escutará cada vez mais que a água é um bem econômico
e assim deve ser tratada. Interessante é que nunca se afirma que por isso mesmo
ela deva ser administrada pelo Estado e gerar mais dividendos para melhorar a
qualidade de vida dos seus habitantes.
Outro artifício linguístico é falar em concessão do saneamento básico. Concessão é com-ceder, ceder o que se tem para outrem. No Brasil o governo diz conceder para passar a ideia de que a estatal continuará a pertencer ao governo, mesmo que ela passe a ser administrada por uma empresa privada tirando todo o poder governamental sobre a mesma. Tenta-se fantasiar o boi de cavalo. Será difícil retomá-la para o âmbito governamental em um país onde o mundo privado já domina os governos. Com relação a palavra saneamento, o primeiro lampejo mental para a população em geral é lembrar de esgoto. Quem não quer melhorar a situação do acesso e tratamento dos esgotos brasileiros.
Outro artifício linguístico é falar em concessão do saneamento básico. Concessão é com-ceder, ceder o que se tem para outrem. No Brasil o governo diz conceder para passar a ideia de que a estatal continuará a pertencer ao governo, mesmo que ela passe a ser administrada por uma empresa privada tirando todo o poder governamental sobre a mesma. Tenta-se fantasiar o boi de cavalo. Será difícil retomá-la para o âmbito governamental em um país onde o mundo privado já domina os governos. Com relação a palavra saneamento, o primeiro lampejo mental para a população em geral é lembrar de esgoto. Quem não quer melhorar a situação do acesso e tratamento dos esgotos brasileiros.
Você acredita que as empresas privadas vão sair por aí cavando
asfalto para promover o aceso aos esgotos nas nossas favelas? Sejamos sinceros,
onde já tem será mantido, onde não tem, não terá por iniciativa delas.
Um outro elemento linguístico utilizado para ajudar
a convencer a todos da boa natureza da privatização da água é o discurso da
escassez para amedrontar a população. Esta é outra estratégia que vem dando
certo. Não que a escassez não exista. Ela é real e mortífera em várias partes
do globo.
Mas onde não é realidade ou não tão impactante, a escassez tem sido
amplificada por parte da mídia. “Ficaremos sem água”, “a água está acabando,” “é
preciso economizar água,” “Não desperdice água,” “o desperdício é causado
porque a água é gratuita,” etc. Não há no mesmo discurso o chamamento da
atenção para o fato de que 70% da água doce no planeta são gastos com irrigação
e menos de 10% em uso doméstico. O discurso é tão eficaz, que existem crianças
policiando o banho dos pais. Não que não devamos economizar água, longe disso.
O problema é culpar o usuário comum quando ele não é o grande vilão da
história.
Outro bom exemplo da linguagem a serviço da manipulação
é a forma como o atual governo e as mídias encontraram para retratar as
negociações para as privatizações das estatais da água. Primeiro era por meio
da Parceria Público Privada – PPP. Então surgiu agora o Programa de Parceria de
Investimento – PPI. Tudo falácia. No final é o dinheiro público financiando a
compra das empresas públicas por empresas privadas e ainda com garantia de
lucros nos contratos. Sem essa garantia, os grupos econômicos não consideram a
amizade com o governo tão sincera.
O bom e velho BNDES foi acionado pelo governo da
vez para ajudar a “democratizar o saneamento” com o PPI. Bondade não tem limite
para este Banco de Desenvolvimento. E seus atos bondosos incluem a pressão para
que os estados concedam a administração das suas distribuidoras de água para a
privatização, digo, concessão (mas é privatização, mesmo). A fila vai começar
com a CEDAE – Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro. O BNDES
está financiando grupos econômicos que queiram entrar no negócio da água e 18
estados estão na fila para entregar o leite a um bebê faminto.
Mas se engana quem pensa que as multinacionais da
água ainda vão chegar. Hoje o Brasil já tem 17 milhões de pessoas, em 12
estados brasileiros, são atendidas na distribuição de suas águas pela
Bookfield, uma multinacional canadense. Ela comprou esta “fatia do
mercado” da Odebrecht Ambiental. Parece pouco, mas o valor da transação
foi de quase 3 bilhões de reais. Não é um mercado para qualquer um, como
se vê.
O Ouro Branco, como é chamada a água em
contraposição ao título de Ouro Negro dado ao petróleo, é um bom negócio, mas
não para as populações carentes. Em um pequeno livrinho chamado O
Manifesto da Água (2002), de autoria Riccardo Petrella e em outro
livro publicado pela canadense Maude Barlow intitulado O Convênio Azul: a
crise global da água e a batalha futura pelo direito a água (2009) [2],
as consequências negativas para as comunidades e positivas para as empresas
estão descritas com vários exemplos ao redor do planeta. São Paulo conhece bem
as negativas quando sofreu um choque com o racionamento provocado pela ideia
do lucro primeiro, população depois. É que 49,7% da Sabesp pertencem a
empresas privadas. Vários analistas da questão hídrica culparam a empresa por
não ter investido na melhoria da infraestrutura por anos, uma das causas do
problema.
Teoricamente o governo paulista tem maioria de 0,3 para a tomada de
decisões. Mas nós todos sabemos como falham as teorias…
O avanço das ondas das novas privatizações vem como
um tsunami. O problema é que agora não há mais estatais como Vale do Rio Doce,
Embraer, Telebras, Rede Ferroviária, etc. Tudo já foi vendido nos anos noventa.
Se é preciso satisfazer a sede dos grupos econômicos, que venha a bebida
disponível no momento e esta é a água nossa de cada.
Flávio José Rocha da Silva é doutor em Ciências Sociais
[1]Há várias maneiras de calcular o gasto
com á água na produção de alimentos. Escolhemos o da Waterfootprint que pode
ser acessado no link http://www.pegadahidrica.org/?page=files/home
[2] O livro está acessível em espanhol no link http://www.archivochile.com/Chile_actual/patag_sin_repre/03/chact_hidroay-3%2000022.pdf
[2] O livro está acessível em espanhol no link http://www.archivochile.com/Chile_actual/patag_sin_repre/03/chact_hidroay-3%2000022.pdf
Fonte: Outras
Palavras
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