Criança é criança ou é “de menor”.
Por Dal Marcondes, da Envolverde –
Na mídia crianças são aquelas que brincam
atrás das grades da cidade e fora delas estão as sombras de menores que
transitam entre realidades que aprofundam as desigualdades.
O Brasil é um campeão mundial em desigualdade. E
isso não se manifesta apenas nos indicadores de qualidade de vida, de IDH ou de
distribuição per capita da renda. Os mais hediondos indicadores não são
apresentados diretamente pelas estatísticas, mas sim pela dura realidade nas
periferias urbanas brasileiras onde jovens negros e pobres são sistematicamente
massacrados ou por relações sociais desestruturadas, pela determinante de vida
que é o crime, ou pela brutal repressão policial. Um adolescente negro de
periferia disse a uma assistente social: “tia, minha vida, meu futuro, vai ser
escrito com C, Cadeia, Cadeira (de rodas) ou cemitério”.
Os jovens de anúncios de margarina ou de jeans da
moda não são o modelito que se encontra em famílias que a classe média
urbana considera “desestruturadas”, com o pai preso ou morto, a mãe viúva ou
com companheiro que não é o pai, e crianças que enfrentam filas e agonias,
desde o nascer, para quase tudo. Do Estado tudo o que vem é tratado como se
fosse uma filantropia, uma esmola da parte rica da sociedade para a maioria
esmagadora de carentes.
Na mídia a infância e a juventude têm dois pesos.
Crianças são aquelas que brincam nos playgrounds dos prédios de apartamento,
atrás de grades que impõem limites de fora para dentro. Aquelas figuras
maltrapilhas que incomodam com seus descabidos pedidos por ajuda, dinheiro ou
comida, que colocam em risco a “segurança pública”, essas são menores,
problemas mais policiais do que sociais.
Na mídia só há dois tipos de
infância, a do comercial de margarina e a dos “menores infratores”, criminosos
que, se ainda não são, serão.
Nas rodas dos privilégios os filhos são
protegidos por redomas que os afastam do convívio com a diversidade, com a
pluralidade, que os obrigam à convivência com seus “iguais”. Escolas pagas para
garantir que não haverá contaminação, que a pobreza, tal qual praga, não se
aproximará e corromperá os pequenos príncipes e princesas.
Essa desigualdade se alastra pelo país e a
atitude das famílias expressa apenas o consenso socioinformativo de mídias que
propagam em programas e novelas um padrão estético que deve ser o “aceitável”
para pessoas de bem, enquanto nos noticiários mostram o caos que “as populações
pobres” instalam em seus espaços, com criminosos que destroem escolas, se matam
em confrontos entre suas quadrilhas e com a polícia, que constroem suas casas
sem qualquer senso estético ou de estilo.
A pobreza é criminalizada. As manchetes estampam
que “pessoas de bem” erraram o caminho e são mortas nas comunidades. Antros de
bandidos onde as crianças são apenas “soldados” do tráfico e do crime. Ao
Estado sobra a tarefa de reprimir, de prender e matar, sob o olhar cúmplice de
uma sociedade que deseja mais armas, mais prisões, redução da maioridade penal
e o fim do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Impor a “meritocracia” a crianças que nascem sem
o mínimo de seus direitos à vida, à educação, à saúde e ao afeto assegurados é
o mesmo que comparar o desempenho de macacos e jabutis em competições para
subir em árvores. Ao Estado caberia a missão de assegurar a equiparação de
direitos, com garantias mínimas de acesso a direitos universais, como água,
saneamento, alimentação, habitação, saúde e educação. Mesmo que isso seja
feito sob o risco de ser acusado de “dar sustento a vagabundos”.
O combate à desigualdade não pode ser apenas uma
missão de governos, deve ser uma tarefa para toda a sociedade a partir de uma
visão de futuro onde o desenvolvimento depende de uma juventude capaz de buscar
caminhos para a reestruturação de um futuro onde tudo está por se inventar. Mas
não há um futuro possível sobre o campo minado da desigualdade, onde a falta do
diploma é suprida pelo fuzil!
Dal Marcondes é jornalista com
especialização em economia a em sustentabilidade, é diretor do Instituto Envolverde
e reconhecido como Jornalista Amigo da Infância pela Agência Nacional dos
Direitos da Infância (ANDI).
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário