Washington Novaes: O clima esquenta, a agropecuária sofre.
por Washington Novaes*
Aquecimento global não é
problema que possa ser enfrentado apenas sacudindo os ombros.
É uma notícia que certamente
contrariará os chamados “céticos do clima”, que põem em dúvida
informações – até de cientistas respeitados – sobre o avanço
alarmante dos problemas climáticos no mundo e seus possíveis
desdobramentos, fruto em grande parte do chamado efeito estufa,
gerado por emissões de gases para a atmosfera (dióxido de carbono,
óxido nitroso e metano) desde o início da era industrial. Segundo o
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), já
estamos muito perto de atingir na primeira metade deste século o
limite de aumento de 1,5 grau Celsius, ou mesmo de 2 graus, na
temperatura terrestre – considerado pelos cientistas um nível mais
seguro para o planeta e para as espécies que o habitam. É um limite
desejável consagrado pelo Acordo de Paris (2015), assinado por quase
todas as nações. E terá repercussões graves se for ultrapassado.
principalmente para o setor agropecuário, que responde por 70% das
emissões brasileiras (com a fermentação entérica dos rebanhos, o
uso de fertilizantes e novos desmatamentos) – esses gases respondem
por 25% a 33% das emissões globais.
Segundo relatório da Embrapa
divulgado em outubro, as emissões de gases estufa triplicaram nos
últimos 50 anos, inclusive em escala mundial, por causa do aumento
do consumo per capita, do crescimento da população (dobrou no
período para mais de 7 bilhões hoje) e de seu padrão de vida e
consumo. Para o Brasil a situação poderá ser muito difícil, ainda
mais lembrando que o País na próxima década, segundo a FAO-ONU,
terá a maior produção agrícola da mundo e será o maior
exportador de alimentos e fibras – mas para isso ainda terá de
resolver problemas complexos de desmatamento, perda da
biodiversidade, eutrofização e acidificação de corpos d’água.
São questões relacionadas com a necessidade de avanço para uma
agricultura mais sustentável.
Já em 2009, na COP-15, em
Copenhague, o Brasil se comprometeu a reduzir até 2020 entre 36,1% e
38,95% de seus gases – e para isso criou um Plano Setorial de
Mitigação a Adaptação ao Clima. Na COP-21, de 2015, a proposta
foi de 37% sobre os gases do efeito estufa emitidos em 2005 –
proposta para vigorar até 2027 e subir para 43% daí até 2030. Hoje
são 14 milhões de hectares no sistema que congrega lavouras,
pecuária e florestas.
Mas uma análise do Institute of
Atmospheric Physics já projeta, com novo método de análise, um
aquecimento de 4 graus Celsius (comparado com níveis
pré-industriais) até 2084. Na China há análises semelhantes. E
muitos outros institutos preveem até o fim deste século esse mesmo
aumento de 4 graus. Com efeitos como calor recorde, inundações
pesadas, secas extremas, aquecimento de oceanos.
São previsões que exigem mudanças
imediatas e sem precedentes na economia mundial, como se discutiu na
recente Conferência de Incheon, com fortes reações de EUA e
Emirados Árabes, que defenderam os combustíveis fósseis. Mas ao
final houve acordo conciliador.
Membro do IPCC, o professor Paulo
Artaxo, da USP, pensa que muitos efeitos do aquecimento já são
percebidos e serão intensificados antes que o aumento da temperatura
atinja 1,5 grau. Entre os que já discutem o aumento, são citados
escassez de alimentos, redução da biodiversidade, enchentes,
mortalidade em massa de recifes de corais, elevação do nível do
mar, ondas de calor, ciclones tropicais, disseminação de doenças.
O que acontecer entre 2018 e 2030
será determinado pelas emissões de dióxido de carbono. Entre os
fatores mais citados pelos cientistas nesse âmbito, surge com
insistência a necessidade de banir os combustíveis fósseis,
principais geradores de emissões. Mas enfrentam resistência muito
forte de empresas que atuam na produção e no comércio nesse setor.
Assim como do setor que trabalha com madeiras na Amazônia
brasileira. Relatório especial do IPCC, preparado a pedido do Fórum
Mundial dos Cientistas, recomenda reduzir à metade os crimes globais
nessa área, até 2020. Porque florestas têm papel central no
panorama, assim como savanas e outras formas de vegetação natural,
para captura do dióxido de carbono já presente na atmosfera. Também
é indispensável trabalhar na restauração de florestas.
A resistência, diz o relatório,
está na agropecuária, que responde por 70% das emissões, incluindo
a fermentação entérica, e essa é mais uma razão para acelerar a
transição para uma matriz energética neutra em carbono. Essa é,
porém, uma das notícias que costumam ser contestadas pelos que têm
interesses particulares questionados. Trata-se, entretanto, de
estudos que põem em xeque análises atuais sobre matrizes
energéticas e suas relações como a economia global ou
investimentos estatais e privados. Precisam ser considerados e
induzir modificações.
Na atual campanha presidencial, o
candidato Jair Bolsonaro, em entrevistas, disse que a permanecer no
acordo o Brasil teria de pagar “um preço caro para atender às
exigências” e que “a soberania do País está em jogo”;
Fernando Haddad, em seu plano de governo, comenta “como instituir
uma política de transição para uma economia de baixo carbono e que
pretenda honrar o acordo” (naofracking Brasil, 9/10).
Seja como for, a questão terá de
ser encarada frontalmente. Aquecimento global, atingindo todos os
continentes, todos os países, todos os viventes, não é problema
que possa ser enfrentado apenas sacudindo os ombros e seguindo em
frente com um assovio. Os preços são altos. Por mais que os
“céticos do clima” neguem os efeitos desastrosos, eles estão
diante dos olhos de quem queira ver. E afetam o bolso dos produtores.
É urgente que em cada país afetado
os governos competentes concebam e executem planos de emergência,
seguidos de políticas de maior prazo. Capazes de tranquilizar os
países importadores. E os produtores locais. Além de afastar em
escala global os dramas que começam a atingir todos produtores,
importadores, consumidores.
Fonte : ENVOLVERDE
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