Redução de agrotóxicos avança e pode sair ainda este ano.
por Guilherme Zocchio, para
a Carta Capital
A proposta de lei visa a
substituição gradual de substâncias na agricultura em busca de
modelo sem uso de venenos.
Em uma investida para diminuir a
utilização de venenos na agricultura brasileira, a Câmara dos.
Deputados pode aprovar até o final deste ano a proposta que institui
a Política Nacional de Redução de Uso Agrotóxicos (Pnara).
Prevista no projeto de lei 6670/2016, a matéria está pronta
para ser votada no Plenário da Casa, após sucessivas manobras da
bancada ruralista para atrasar o encaminhamento do projeto.
A Pnara foi aprovada em votação na
comissão especial sobre o projeto na terça-feira, 04 de dezembro —
de lá, seguiu para o Plenário. Integrantes da Frente Parlamentar
Agropecuária, em especial os deputados Adilton Sachetti (PRB-MT) e
Valdir Colatto (MDB-SC,) fizeram de tudo para postergar o andamento.
Pediram vistas mais de umas vez e teceram críticas, negando que se
trata de uma proposição com objetivos no curto, médio e longo
prazo, mas não conseguiram. Caso passe na Câmara, a proposta segue
para o Senado.
No relatório da proposição,
os deputados relatores Enio Tatto (PT-SP) e Pedro Uczai (PT-SC)
deixam claro que a redução do consumo das substâncias é
necessária para modernizar as práticas da agricultura no Brasil. Os
dois falam na necessidade da “imediata transição para um outro
padrão de agricultura, que concilie produtividade com
sustentabilidade ambiental e responsabilidade social”.
O documento é resultado das
discussões de sete seminários nos quais diferentes atores da
sociedade civil foram convidados a colaborar e faz frente a outro
projeto, também em tramitação na Casa, o PL 6.299/2002, apelidado
de “Pacote do Veneno” que afrouxa as regras para liberar
agrotóxicos no País.
A votação da Pnara ocorreria na
última terça-feira, 13, mas foi adiada depois de pedido de vistas
dos deputados Adilton Sachetti (PRB-MT), Aliel Machado (PSB-PR),
Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), João Daniel (PT-SE), Sarney Filho
(PV-MA) e Valdir Colatto (MDB-SC). Caso seja aprovada, o que há
grande chance de ocorrer, a Pnara vai ao Plenário da Câmara, onde
será apreciada pelos parlamentares — de lá, segue para o Senado.
O projeto tem origem em um pedido da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que sugeriu a
proposta há dois anos, visando a diminuição do uso de agrotóxicos
no Brasil, um dos maiores consumidores do mundo. A Abrasco diz que
reduzir a utilização desses venenos é importante “para garantir
o direito básico à alimentação saudável” e adequar o Brasil
aos acordos internacionais que “tem sido cada vez mais
restritivos”.
De fato, tanto a Organização
Mundial da Saúde (OMS) quanto a Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura (FAO) vêm alertando para os riscos
decorrentes das substâncias. São ameaças que vêm não só do
contato com os venenos como também da ingestão de alimentos
contaminados ou da poluição do solo ou dos lençóis
freáticos.
Cerca de 193 mil indivíduos no
mundo perdem a vida todos os anos por exposição a substâncias
químicas nocivas, de acordo com a OMS. A entidade publicou, em maio
do ano passado, uma cartilha com o objetivo de minimizar o consumo de
produtos do tipo,
A FAO, por sua vez, prevê no novo
Código Internacional de Conduta em Gestão de Praguicidas,
atualizado em 2017, a eliminação gradual de agrotóxicos perigosos
e outros pesticidas.
A organização afirma que essas
mudanças são importantes para garantir a sustentabilidade da
produção agropecuária, que deverá aumentar em 60% até 2050 para
conseguir alimentar a população mundial, em ritmo crescente.
Globalmente, isso representaria,
segundo a FAO, um salto de 2,5 milhões para 3 milhões de toneladas
anuais no cultivo de grãos e o acréscimo de mais 200 milhões de
toneladas na produção de carnes. Para a organização, é
fundamental que a produtividade cresça desvencilhada do uso de
venenos.
O Brasil é, desde 2016, o terceiro
maior consumidor de agrotóxicos do mundo, segundo levantamento em
dados da FAO. Está apenas atrás da China e dos Estados Unidos. Por
aqui, consome-se algo em torno de 4,1 milhões de toneladas anuais
dos produtos, uma quantia que já foi menor. Entre 1990 e 2016, houve
um salto de 659% no emprego das substâncias. O país é ainda o
maior importador mundial, gastando anualmente algo em torno de 2,4
bilhões de dólares (cerca de R$ 9,13 bi) para comprar venenos.
Esses números foram corroborados
pelo Censo Agropecuário, já noticiado no Joio e que também indicou
a correlação deste cenário com o aumento da concentração
fundiária. O fato contraditório é que os ganhos de produtividade
na agricultura brasileira, cuja principal vitrine é o agronegócio
—dito “pop”— não acompanharam.
De acordo com o relatório elaborado
pela comissão especial da Pnara, a produtividade de grãos, que
envolvem algumas das culturas que mais empregam agrotóxicos, cresceu
45.7% entre 2000 e 2016, enquanto a venda de venenos aumentou em
233,5% —cerca de cinco vezes mais— no mesmo período. O
levantamento se baseia em dados da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
No projeto, a Pnara chama a atenção
para a necessidade de, pelo menos, igualar a quantia de substâncias
empregadas no Brasil à de outros países.
Segundo a pesquisadora Karen
Friedrich, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério
da Saúde, há pelo menos 60 ingredientes ativos dos venenos que são
proibidos na Europa, entre os 450 princípios ativos autorizados por
aqui. Para o levantamento, ela identificou as substâncias
autorizadas conforme ditam as prescrições da Comissão
Europeia.
Além disso, aceita-se, no Brasil,
uma quantidade de resíduos muito maior do que as permitidas, por
exemplo, no Velho Continente. No atlas “Geografia do Uso de
Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, a
professora do Departamento de Geografia da USP Larissa Bombardi faz a
comparação dos níveis aceitáveis de alguns produtos em terras
brasileiras e europeias.
Na água potável, tolera-se no País
um limite 5 mil vezes maior de glifosato; 300 vezes superior de ácido
diclorofenoxiacético; 20 vezes maior de atrazina. Tampouco há
restrições às quantidade de acefato e malationa — na Europa, a
tolerância é de 0,1 micrograma (o mesmo que um milionésimo de um
grama) para cada um litro.
Nos alimentos, o limite de glifosato
permitido na soja brasileira é 200 vezes maior do que além-mar; no
feijão a quantia de malationa é 400 vezes maior e, na alface, 16
vezes superior.
Do dia para a noite
O relatório da Pnara reconhece, por
um lado, que “não é possível abandonar, do dia para a
noite, um sistema produtivo tão dependente de insumos químicos, por
razões de segurança alimentar”. Não significa que basta o
projeto ser aprovado e tudo vai mudar de uma hora para outra.
Significa que, sim, é preciso admitir que, do modo que funciona
hoje, a agricultura brasileira ainda precisa da aplicação ostensiva
dos venenos.
Por outro lado, o projeto diz,
porém, que “também não é do interesse nacional seguir uma
rota que comprometa a saúde da população e a integridade e a
harmonia dos ambientes e dos recursos naturais”.
A transição até o uso de menos
agrotóxicos, para ocorrer, demanda o fortalecimento de outras
práticas de cultivo de alimentos. Uma das medidas previstas no
projeto é a disseminação das técnicas de manejo integrado de
pragas que lançam mão de diferentes ferramentas de controle, tais
como agentes biológicos (predadores, fungos ou bactérias), plantas
resistentes a pragas ou vegetais que servem de iscas para proteger o
cultivo.
A Embrapa (Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária) afirma que é possível progressivamente
substituir o uso de venenos por outras formas de manejo rural.
Segundo a companhia pública já
existe, e ela detém a tecnologia, de uma série de modos de produção
agropecuária sustentável “amplamente conhecidos que deveriam ser
massificados para o enfrentamento das mudanças do clima, o que
implicaria na redução substancial no uso dos agrotóxicos”. Há
casos como os de manejo florestal ou então de adubação e controle
biológico de pestes.
A Pnara prevê, além disso, medidas
de caráter restritivo, como a remoção dos subsídios que hoje
existem para a compra de venenos e de maior monitoramento sobre o
uso. O projeto, caso entre em vigor, pretende instituir o Sistema
Nacional de Informações sobre Agrotóxicos e Agentes de Controle
Biológico (Sinag) e alterar o teto de outras regras, para que as
políticas públicas funcionem em sintonia, sobre o mesmo tema.
A atenção à saúde pública
denota outra das preocupações do projeto. Os principais órgãos de
governo ligados ao desenvolvimento e aplicação de programas de
saúde e meio ambiente no Brasil são enfáticos nos alertas que
fazem a respeito dos venenos.
O Instituto Nacional do Câncer
(Inca) diz: “dentre os efeitos sobre a saúde humana associados à
exposição aos agrotóxicos, os mais preocupantes são as
intoxicações crônicas, caracterizadas por infertilidade,
impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, manifestada
através de distúrbios cognitivos e comportamentais e quadros de
neuropatia e desregulação hormonal.”
Em adolescentes, ainda existe, de
acordo com o órgão, impacto negativo sobre o crescimento e
desenvolvimento dentre outros desfechos durante essa fase da vida.
O Inca, além do Ibama e da Fiocruz,
são unânimes em admitir que é necessário aumentar o controle
sobre o uso das substâncias para melhorar a saúde no Brasil. A
Fundação Oswaldo Cruz, aliás, lembra que, enquanto os deputados se
concentram em aprovar o “Pacote do Veneno”, a Pnara deveria ser o
foco das discussões no País.
Fonte: ENVOLVERDE
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