quinta-feira, 27 de dezembro de 2018


A longa seca: por que o suprimento global de água está diminuindo?


O suprimento global de água está diminuindo, mesmo com o aumento das chuvas. O culpado? O ressecamento dos solos devido à mudança climática.


Universidade de Nova Gales do Sul*

seca
Um estudo mundial descobriu um paradoxo: nossos suprimentos de água estão diminuindo ao mesmo tempo que a mudança climática está gerando chuvas mais intensas. E o culpado é o ressecamento dos solos, dizem os pesquisadores, apontando para um mundo onde condições de seca se tornarão a nova normalidade, especialmente em regiões que já são áridas.

Universidade de Nova Gales do Sul

O estudo, a mais completa análise mundial de chuvas e rios, foi conduzido pela equipe liderada pelo Professor Ashish Sharma da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW), em Sidney, Austrália. Ele se baseou em dados reais de 43.000 estações pluviais e 5.300 locais de monitoramento de rios em 160 países, em vez de basear suas descobertas em simulações de modelo de um clima futuro, que podem ser incertas e às vezes questionáveis.

“Isto é algo que estava faltando,” disse Ashish, futuro membro do Conselho de Investigação Australiano (ARC) na Escola de Engenharia Civil e Ambiental da UNSW. “Nós esperávamos o aumento das precipitações, já que um ar mais quente armazena mais umidade – e é isso que os modelos climáticos também previam. O que não esperávamos é que, apesar de toda a chuva extra em todo o mundo, os grandes rios estão secando.

“Nós acreditamos que a causa seja o ressecamento dos solos em nossas bacias de captação. Antes de uma tempestade, estas bacias costumavam ser úmidas, permitindo que o excesso de chuva caísse nos rios. Agora elas estão mais secas e absorvem mais da chuva, então menos água é escoada.

“Menos água entrando em nossos rios significa menos água para as cidades e fazendas. E solos mais secos significam fazendeiros precisando de mais água para plantar as mesmas culturas. Pior ainda, este padrão é repetido em todo o mundo, assumindo proporções sérias em lugares que já são áridos. É extremamente preocupante,” ele acrescentou.

Para cada 100 gotas de chuva que caem na terra, apenas 36 gotas são de ‘água azul’ – a precipitação que entra em lagos, rios e aquíferos – e portanto, toda a água extraída para as necessidades humanas. Os dois terços remanescentes de precipitação são na maior parte retidos como umidade do solo – conhecida como ‘água verde’ – e usada pelo ambiente e pelo ecossistema.

À medida que a temperatura elevada causa uma maior evaporação da água nos solos, aqueles solos secos absorvem mais da precipitação quando esta ocorre, deixando menos ‘água azul’ para o uso humano.

“É um infortúnio duplo,” diz Ashish. “Menos água está indo para onde podemos armazená-la para posterior uso. Ao mesmo tempo, mais chuva está sobrecarregando a infraestrutura de saneamento nas vilas e cidades, levando a mais inundações urbanas.”

O Professor Mark Hoffman, Reitor de Engenharia da UNSW, acolheu a pesquisa de Ashish e convocou uma discussão mundial sobre como lidar com esse desdobramento de cenário, especialmente na Austrália, que já é o continente habitado mais árido (sem contar a Antártica).

“Está claro que não há uma correção simples, então nós precisamos começar a nos preparar para isso,” ele disse. “A mudança climática continua nos entregando surpresas desagradáveis. Contudo, como engenheiros, nosso papel é identificar o problema e desenvolver soluções. Conhecer o problema é muitas vezes metade da batalha, e este estudo definitivamente identificou alguns grandes problemas.”

As descobertas foram feitas nos quatro últimos anos, em pesquisa que apareceu nas revistas científicas Nature Geoscience, Geophysical Research Letters, Scientific Reports e, mais recentemente, na Water Resources Research da União de Geofísica dos Estados Unidos.

No artigo de 5 de novembro da revista Water Resources Research, Ashish e seus colegas escrevem que apesar da ampla evidência mundial do aumento de extremos de precipitação, não há evidência de aumento de inundações. Na verdade, as evidências apontam mais em direção a picos de cheias decrescidos para as inundações moderadas que formam os eventos-chave de reabastecimento nos reservatórios de abastecimento de água.

“Enquanto extremos de cheias podem aumentar devido às maiores tempestades que vem ocorrendo, essas cheias costumam ser grandes demais para serem armazenadas para o abastecimento de água. São dos extremos de cheias menos intensos que nossos reservatórios dependem,” Ashish disse.

“De modo geral, as magnitudes das cheias estão diminuindo,” escreveu Ashish e seus co-autores, o Dr. Conrad Wasko da Universidade de Melbourne e o Professor Dennis Lettenmaier, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. (O Dr. Conrad foi estudante de PhD de Ashish na UNSW durante a maior parte da pesquisa).

Eles sugerem que grandes reduções na quantidade de umidade do solo, somados à redução da extensão geográfica de cada evento de tempestade, são as maiores razões para o aumento de extremos de precipitação não estarem resultando em aumentos correspondentes de inundações.

Eles apontam para pesquisas americanas anteriores que mostram que, em eventos extremos de precipitação, se os solos circundantes estiverem úmidos antes de uma tempestade, 62% da chuva leva a cheias que são capturadas por bacias de captação. Mas quando os solos estão secos, apenas 13% da chuva resulta em cheias.

“Isto está meio que contradizendo o argumento de aumento das inundações em relatórios anteriores do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas], mas apontando para possivelmente um cenário bem pior,” disse Ashish. “Pequenas cheias são muito importantes para o suprimento de água, porque elas reabastecem represas e formam a base de nosso suprimento de água,” disse Ashish.

“Mas elas estão ocorrendo com menos frequência, porque os solos estão sugando a chuva extra. Até mesmo quando uma grande tempestade despeja um monte de chuva, os solos estão tão secos que eles absorvem mais água do que antes, e uma quantidade menor alcança os rios e reservatórios.”

Pesquisas anteriores até então haviam despercebido isso. “Todos estavam obcecados pelo lado das inundações dessa equação e ignoraram o componente mais crítico, que é o suprimento de água em apuros resultante de fluxos reduzidos em nossos reservatórios,” ele acrescentou.

Então qual é a solução? “Uma opção é aguardar que acordos internacionais surtam efeito, para que as concentrações dos gases de efeito estufa possam ser reduzidas – mas isso levará um longo tempo. A outra opção é ser proativo e reprojetar nossos sistemas hídricos para que possamos nos adaptar e lidar melhor com o assunto.”

Para se adaptar à esta nova realidade, são necessárias novas políticas e infraestrutura. Em áreas onde o suprimento de água está diminuindo, a agricultura com uso intensivo de água precisará ser reduzida ou movida para outro lugar, enquanto a capacidade de armazenamento dos reservatórios precisarem ser expandidas. Em áreas urbanas, onde as inundações estão se tornando mais comuns, será necessário estudar incentivos a criar ‘cidades verdes’ e a armazenar ou desviar água das inundações.

“Nós precisamos nos adaptar à essa realidade emergente,” disse Ashish. “Nós precisaremos de um reprojetamento em grande escala em alguns lugares se quisermos continuar morando neles. Mas isto é possível: lugares como o Arizona e a Califórnia recebem apenas 400mm de chuva por ano, mas projetaram seus sistemas de suprimento de água para tornar habitáveis lugares anteriormente inabitáveis.

“Ou tome por exemplo o esquema Snowy Mountains: não é apenas sobre hidroeletricidade, é também um complexo esquema de suprimento de água com 225 km de túneis, tubulações e aquedutos.”

Ashish disse que a resposta não era simplesmente mais represas. “Reprojetar soluções não é simples, elas precisam ser analisadas região por região, vendo os custos e benefícios, analisando a mudança esperada para o futuro, enquanto também estudando projetos anteriores para não repetir os mesmos erros. Não há soluções mágicas. Qualquer projeto de reprojetamento em grande escala irá exigir um investimento significativo, mas o custo da inércia poderia ser monstruoso.”

Em áreas urbanas, será necessário o inverso: as inundações estão se tornando mais comuns e mais intensas. Perdas econômicas mundiais devido às inundações aumentaram de uma média de 500 milhões de dólares por ano na década de 80 para cerca de 20 bilhões de dólares anuais em 2010. Em 2013, o valor aumentou para mais de 50 bilhões. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas prevê que este número mais que duplicará nos próximos 20 anos, à medida que os extremos de tempestades e de chuvas se intensificarem e um maior número de pessoas se mudarem para centros urbanos.

“Adaptar-se a isso é possível, mas exigirá um reprojetamento em grande escala de muitas cidades,” diz Ashish. “Tóquio sofria com inundações todo ano, mas eles construíram um enorme tanque subterrâneo embaixo da cidade que armazena a água da chuva e depois a libera. Você nunca vê inundações lá agora.”


Referência:
Sharma, A., Wasko, C., & Lettenmaier, D. P. (2018). If precipitation extremes are increasing, why aren’t floods?. Water Resources Research, 54. https://doi.org/10.1029/2018WR023749


Tradução de Ivy do Carmo, Magma Translation (magmatranslation.com)


Fonte: EcoDebate

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